
O primeiro-ministro da China, Li Qiang, anunciou esta semana que a economia do país deverá continuar a crescer “cerca de 5%” em 2025, mas alertou que “tensões geopolíticas” e “dificuldades internas” poderão afetar o crescimento preconizado pelo Governo. “São precisos mais esforços para abordar os problemas sociais e proteger contra os riscos”, disse Li no relatório apresentado na quarta-feira aos quase três mil deputados da Assembleia Nacional Popular (ANP).
“Riscos” foi mesmo uma das palavras mais citadas ao longo das 43 páginas do documento, juntamente com “inovação”, “ciência”, “tecnologia” e “modernização”. “O crescimento económico global não tem força, o unilateralismo e o protecionismo estão em ascensão, o sistema de comércio multilateral está a passar por interrupções e as barreiras tarifárias continuam a aumentar”, salientou Li, que é número dois da hierarquia comunista, logo a seguir ao secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC) e Presidente da República, Xi Jinping.
Por outro lado, “a base para a recuperação económica e o crescimento sustentados da China não é suficientemente forte”, frisa. “A procura efetiva é fraca, e o consumo, em particular, é lento.” E a corrupção, que no início deste ano o próprio Xi qualificou como “a maior ameaça” ao PCC, “continua a ser problema comum nalguns sectores e localidades”.
Em defesa da globalização
O relatório da atividade do Governo é o prato forte da reunião anual da Assembleia Nacional Popular, que decorre até terça-feira no Grande Palácio do Povo, em Pequim. É o mais importante acontecimento da agenda política chinesa, depois dos congressos do PCC, que se realizam de cinco em cinco anos. Como habitualmente, o primeiro-ministro concentrou-se na política interna, não mencionando a guerra na Ucrânia, as relações com os Estados Unidos ou com a Rússia. No plano externo, limitou-se a reafirmar que “a China está pronta a trabalhar com outros membros da comunidade internacional para promover um mundo multipolar igualitário e ordenado, e uma globalização económica universalmente benéfica e inclusiva”.
Sobre Taiwan, que Pequim considera uma questão interna, Li também não inovou: a China continuará a “opor-se resolutamente às atividades separatistas” e à “interferência externa” na ilha, defendendo o “desenvolvimento pacífico” e “integrado” das relações entre os dois lados do estreito. O objetivo mantém-se: “reunificar a China”, dividida desde o final da guerra civil no continente, há 75 anos, e “concretizar a causa gloriosa do rejuvenescimento da nação chinesa”.
Na área da Defesa, o orçamento anunciado indica um aumento de 7,2% — igual ao dos últimos dois anos —, continuando, contudo, “abaixo de 1,5% do PIB”. No caso dos Estados Unidos a percentagem é de 3,5%.
Divergindo de Washington
Li apresentou o relatório à mesma hora que Donald Trump proferia o seu primeiro discurso perante o Congresso dos Estados Unidos. A coincidência ficou por aí: “Duas visões completamente divergentes do futuro foram apresentadas em lados opostos do Oceano Pacífico”, assinalou um jornal de Hong Kong.
Enquanto o Presidente americano defendia a imposição de taxas alfandegárias aos produtos do vizinho Canadá, China e outros, o primeiro-ministro chinês manifestava “oposição ao unilateralismo e a todas as formas de protecionismo”. A embaixada chinesa em Washington foi menos diplomática. “Se o que os Estados Unidos querem é guerra, seja uma guerra de tarifas, uma guerra comercial ou qualquer outro tipo de guerra, estamos prontos para lutar até ao fim”, proclamou através da rede social X.
A conjuntura internacional parece favorável a Pequim, confirmando aos olhos de muitos chineses o que o PCC começou a enfatizar após a crise financeira de 2008: “O Oriente está em ascensão, o Ocidente em declínio”.
Para a China, afirmou um professor da Universidade de Hong Kong ao jornal “South China Morning Post”, “o abandono do multilateralismo pela América representa uma oportunidade, e não uma ameaça”. Visto deste lado do Pacifico, “Washington está a queimar a sua autoridade moral e a afastar aliados”. A China, pelo contrário, “está pronta para preencher esses vazios de poder”. Segundo a descrição do “China Daily”, o jornal oficial de língua inglesa, o país tornou-se “fonte de estabilidade e confiança num mundo turbulento”
Dmytro Kuleba, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, é perentório: “A China será o principal beneficiário da segunda presidência de Trump”. Numa entrevista difundida terça-feira, o homem que conduziu a diplomacia ucraniana até setembro passado considera que “olhando em redor para o que está a acontecer, todas as nações perceberão muito rapidamente que a única potência estável e sã no mundo é a China”.