O ministro dos Negócios Estrangeiros defendeu esta terça-feira ter sido afastada responsabilidade jurídica de Portugal no caso do navio com pavilhão português que, em setembro, transportou explosivos para produção de armas em Israel, criticando a exploração do assunto pela oposição.
Respondendo ao requerimento do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) apresentado na Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento, Paulo Rangel defendeu que o navio não ia para Israel, mas sim para os portos de Bar, no Montenegro, e de Koper, na Eslovénia.
"Fizemos todas as diligências. A 28 de setembro, a empresa dona do barco disse que estava disposta a retirar o pavilhão português e assim foi. A partir desse momento, qualquer responsabilidade nossa, em termos jurídicos, foi exonerada. Embora tenhamos alguma responsabilidade sobre o navio, já não temos nenhuma sobre o carregamento do navio para não estarmos a ajudar eventuais crimes, ou eventualmente evidentes do direito internacional humanitário, no território de Gaza", explicou Rangel.
Segundo o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, a mudança de pavilhão "demorou" porque tinha de ser feita em alto mar.
"A empresa em causa foi colaborativa com o Estado português com o registo na Madeira, desde o início, dizendo sempre onde estava, todas as diligências que estava a fazer, as dificuldades que tinha, mas sempre garantindo que nunca iria para porto algum, fosse ele qual fosse, sem mudar o pavilhão, para que Portugal estivesse completamente tranquilo. Estivemos sempre tranquilos", acrescentou.
Rangel disse ter ficado "chocado" com a líder do BE, Mariana Mortágua, que, a dada altura, indicou, disse que o chefe da diplomacia portuguesa era o "barqueiro da morte ou do genocídio".
"Isto são coisas que só mesmo pessoas que fazem do combate político uma arma de arremesso absolutamente inaceitável é que podem dizer (...). Até agora, não vi nenhum governo, a não ser o nosso, a proibir a exportação de armas para Israel", adiantou.
Rangel realçou que todo este assunto não é da responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas sim da Direção-Geral de Recursos Marítimos, que depende da Secretaria de Estado do Mar, que, por sua vez, está sob a dependência do Ministério da Economia.
Marisa Matias, do BE acusou Rangel de ter desvalorizado o assunto, e, virando as baterias "para o genocídio em Gaza perpetrado por Israel", voltou a responsabilizar o Governo português por ser "cúmplice" de atrocidades na Faixa de Gaza ao participar no envio de armamento para as autoridades israelitas.
Por outro lado, Marisa Matias questionou Rangel se vai associar-se à queixa da África do Sul e Irlanda no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e, ao mesmo tempo, reconhecer Estado Palestiniano.
Rangel retorquiu que Portugal "quer construir pontes, está a favor do diálogo, está a favor da tentativa de tentar desanuviar as relações" e está preocupado com as pessoas que morrem em Gaza.
"O sofrimento em Gaza não diminui porque se faz isto ou se faz aquilo. O sofrimento em Gaza diminui se tivermos um trabalho para que haja um cessar-fogo. Essa é que é uma questão fundamental", respondeu.
"Tentamos reconciliar as partes. Portanto, quanto à questão do TIJ, é evidente que não nos vamos associar. E quanto à questão do reconhecimento da Palestina, como eu sempre disse, a nossa posição mantém-se a mesma. Enquanto acharmos que para o conflito é mais útil a posição em que nos encontramos, vamos mantê-la. Estamos sempre em contacto com os nossos parceiros internacionais", acrescentou.
"Temos relações com o Estado de Israel, como temos relações, de resto, muito boas e muito profícuas com a Autoridade Palestiniana", sublinhou Rangel.
Sobre a retirada de cidadãos portugueses ou luso-palestinianos de Gaza, questão levantada pela líder do PAN, Inês Sousa Real, o chefe da diplomacia portuguesa adiantou que conhece um caso de um cidadão português, casado com uma cidadã luxemburguesa-palestinana, que pede a retirada de 140 familiares da mulher, dos quais, na verdade, só poderão contar-se cerca de 20, eventualmente.
"Queríamos salvar todos, os 1,9 milhões [de deslocados], não eram 140 ou 130 ou 150. Mas não são elegíveis, não cumprem os critérios", esclareceu Rangel, que adiantou ter indicações, ainda por confirmar, de haver 14 luso-palestinianos sinalizados em Gaza. "Mas não há familiares diretos de portugueses".
"Estamos sempre em estado de prontidão. Temos de seguir critérios. Não podemos trazer todos. É um drama, é, sim. Mas há regras", afirmou Rangel, ao ser questionado pelo deputado Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal (IL), sobre se já foram recebidos pedidos de apoio de portugueses na Síria.
"No caso da Síria, havia uma religiosa e um funcionário da ONU, ambos de nacionalidade portuguesa. A religiosa quis manter-se em território sírio, justamente pela função que aí ocupa, e o funcionário que foi identificado, penso que já nem estava na Síria. Foi difícil até encontrá-lo, porque já estaria noutro local", respondeu.
Com LUSA