Francisco tinha oito anos quando viu na internet, pela primeira vez, imagens pornográficas e nunca mais esqueceu a sensação que a experiência lhe provocou. Aos 12 começou a ver regularmente, sempre às escondidas dos pais. Ao início achava que era uma prática normal, que muitos amigos também partilhavam, mas rapidamente percebeu que tinha um problema. Aos 14 estava dependente.

“Durante oito anos tive o vício da pornografia. Queria parar, mas não conseguia. Sentia-me mal, sentia-me vazio, mesmo do ponto de vista fisiológico, mas não conseguia evitar”, conta Francisco Almeida, atualmente gestor com 26 anos, no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”.

Igualmente convidada do podcast, a psicóloga Rita Rebordão, diretora clínica da plataforma Dá o Clique, que apoia jovens e adultos no tratamento da dependência de pornografia, explica os efeitos desta adicção, incluindo do ponto de vista fisiológico, e o impacto que tem a nível da saúde mental.

O consumo regular provoca “grandes descargas de dopamina e hormonas como a serotonina e a oxitocina começam a ficar desreguladas”, diz a especialista, explicando que, com o tempo, podem surgir problemas ao nível do sono e da alimentação e “altos níveis de impulsividade, irritabilidade e até agressividade”.

Rita Rebordão, psicóloga clínica, e Francisco Almeida, gestor, foram os convidados do episódio do podcast
Rita Rebordão, psicóloga clínica, e Francisco Almeida, gestor, foram os convidados do episódio do podcast José Fonseca Fernandes

Tal como nas outras dependências, paulatinamente “são precisas mais doses”, o que significa que há uma tendência para aumentar o tempo de consumo ou para ver conteúdos cada vez mais intensos - por exemplo a nível da violência - para se obter o mesmo prazer. E as consequências acabam por surgir a todos os níveis, nomeadamente no rendimento académico ou profissional e na própria sexualidade, frisa.

“Na plataforma Dá o Clique, onde podem pedir ajuda de forma anónima, as pessoas gritam por socorro. Dizem-nos: ‘já não aguento mais viver com isto, parece que toda a minha vida é feita em função deste momento de prazer que se acaba num instante e depois instala-se um vazio enorme’”, conta Rita Rebordão.

Nos últimos anos, com a proliferação dos smartphones e de outros dispositivos móveis com internet de alta velocidade, a pornografia tornou-se mais acessível do que nunca, incluindo por parte de menores, já que muitos destes sites não têm mecanismos de verificação da idade ou estes são facilmente ultrapassáveis. De acordo com um estudo financiado pela Comissão Europeia, o primeiro acesso ocorre, em média, aos 11 anos de idade.

O acesso precoce tem feito aumentar cada vez mais os casos de dependência e, segundo alertou em 2021 a própria Agência das Nações Unidas para a Infância, pode também fazer crescer o sexismo, a objetificação e a violência sexual.

O impacto do consumo intensivo de pornografia nas relações afetivas e na aprendizagem da sexualidade é um dos aspetos abordados neste episódio, onde se fala também do tratamento desta dependência e da forma como os pais devem abordar com os filhos este tema que ainda é muitas vezes um tabu.

Nesta temporada do podcast "Que Voz É Esta?", as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento exploram emoções como culpa, vergonha ou raiva, com mais casos reais e com a participação de especialistas na área da saúde. Ouça aqui mais episódios:

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