
Respira mal, tem falta de olfato, ressona à noite ou cansa-se muito rápido a fazer algum tipo de atividade física? Se sim, existe a hipótese de que possa ter Rinossinusite Crónica Grave com Polipose Nasal (CRSwNP).
Mas, afinal, em que consiste esta doença, tão pouco falada, mas que afeta milhares de portugueses e que por vezes escapa ao radar dos especialistas? “É uma doença inflamatória crónica que faz parte do grupo das rinossinusites crónicas”, começa por explicar Rui Melo Cabral, otorrinolaringologista no Hospital de Egas Moniz - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental.
A inflamação afeta o nariz e os seios perinasais e provoca, no revestimento do interior do nariz, o surgimento de “massas de tecido com aspeto de cacho de uva”, os chamados pólipos. É uma doença cujo fundo é “tendencialmente alérgico”, acrescenta Rui Melo Cabral, e na qual “há uma alteração na resposta imunitária a fatores ambientais”.
Qualquer pessoa pode vir a sofrer de CRSwNP, sendo, contudo, mais comum no sexo masculino (dois homens por cada mulher). Está também provado que a sua prevalência aumenta com a idade, sendo diagnosticada geralmente a partir dos 40 anos.
“Em Portugal não há estudos sobre esta doença, mas há muitos estudos para a população ocidental, por isso o que nós pensamos é que o nosso país se inserirá num quadro deste género”, afirma o otorrinolaringologista do Hospital de Egas Moniz. Assim, a incidência da rinossinusite crónica, nos países ocidentais, está na ordem dos 12%, sendo que entre 25% a 30% desses terão pólipos nasais. Em crianças é mais rara, atingindo cerca de 0,1% da população.
A medicina ainda desconhece a origem desta patologia, não obstante, verifica-se uma relação genética. “Há uma predisposição genética associada a esta doença, muitas vezes os doentes têm familiares com o mesmo problema”, lembra o especialista. O tabaco e a exposição a poeiras também são factores de risco relevantes, afirma Rui Melo Cabral.
Além disso, também se associa a processos inflamatórios crónicos das vias aéreas, uma vez que muitos destes doentes “têm - em simultâneo - outras doenças”. Por exemplo, é bastante comum a CRSwNP aparecer em pessoas que também têm doenças associadas a inflamação tipo 2, como é o caso da asma, da rinite alérgica, entre outras. “50% dos doentes com pólipos nasais têm asma, por vezes grave”, reforça o especialista. Também é comum os doentes terem alergia a anti-inflamatórios, como a aspirina.
80%
dos doentes com Rinossinusite Crónica Grave com Polipose Nasal também têm inflamação do tipo 2 e 72% das pessoas que vivem com esta doença - no estado moderado a grave - apresentam outras patologias, como a asma.
Para medir a gravidade da doença, na prática clínica, existem alguns parâmetros que os especialistas devem ter em conta, como o grau de obstrução nasal, o impacto da patologia na qualidade de vida e no sono. Utilizando métodos como a escala visual analógica, onde o doente indica a gravidade dos seus sintomas através de uma escala contínua entre 1 e 10, em que 1 indica sintomatologia que não causa qualquer incómodo e 10 assinala o pior incómodo imaginável.
Há também exames que devem ser feitos caso haja algum tipo de suspeita, como a realização de “um TAC, para vermos a extensão da doença dentro dos seios perinasais ou uma endoscopia feita em consulta pelo otorrino para se perceber onde estão os pólipos e qual é o seu tamanho”, exemplifica Rui Melo Cabral.
Sintomas
Olhando para os sintomas, “tal como acontece para outras sinusites crónicas”, esclarece o especialista, os principais são:
- Congestão ou obstrução nasal;
- Corrimento nasal (rinorreia) ou secreção nasal excessiva
- Pressão ou dor facial;
- Diminuição do olfato com duração superior a 12 semanas (hiposmia) ou perda total (anosmia), que ocorre em até 75% dos doentes;
- Diminuição do paladar;
- Apneia;
- Espirros;
- Infeções crónicas dos seios paranasais.
Foi precisamente a presença de alguns de estes sintomas, como a dificuldade em respirar pelo nariz, acompanhada de um ressonar durante o sono, e as consequentes noites mal dormidas, que levaram Luís Filipe Paço, na altura com 31 anos, ao médico. Corria o ano de 2012 quando o especialista que o examinou concluiu que o que lhe estava a acontecer era provocado por um desvio do septo nasal. Nesse mesmo ano, Luís Filipe fez a sua primeira cirurgia para corrigir não só o desvio do septo, mas também para extrair as amígdalas. “Nessa altura melhorei um pouco, mas passado dois ou três anos voltei a ter sintomas”, recorda.
Esse reaparecimento de sintomas levou-o a procurar outro otorrinolaringologista que - através de vários exames - lhe detectou a CRSwNP, acompanhada de asma. “Reparava que sempre que jogava à bola me cansava muito, tinha dificuldades em respirar”, explica.
“Hoje já consigo escolher o meu perfume”
O tratamento a que Luís Filipe se submeteu naquela época para retirar os pólipos foi o que estava previsto para estes casos: cirurgia. No entanto, os pólipos acabariam por reaparecer, devido à cronicidade da doença. Passado poucos anos, a obstrução nasal piorou, as noites mal dormidas regressaram, o olfato esfumou-se, assim como o paladar, e Luís Filipe acabaria por fazer uma nova visita ao seu especialista. Nessa altura, o otorrino sugeriu-lhe que participasse num ensaio clínico para um novo medicamento. Por receio, acabou por não aceitar, mas em 2023, após o medicamento estar aprovado, começou a tomá-lo. “Houve uma melhoria muito grande na minha qualidade de vida com a toma de este medicamento, recuperei o meu olfato e hoje já consigo escolher o meu perfume”, confidencia. Além disso, consegue dormir melhor e regressou à prática de exercício físico.
Nos últimos anos, têm sido publicadas novas recomendações a nível europeu e surgiram terapêuticas inovadoras que vieram dar nova esperança e mudar o paradigma da doença, sobretudo para os casos mais graves. Os chamados medicamentos biológicos são a grande novidade nesta área.
“Têm saído artigos científicos quase mensalmente que nos vêm dar conhecimento desta maneira diferente de abordar e tratar a doença, conhecimento esse que não possuímos até há poucos anos”, explica Rui Melo Cabral. Mas nem todos os doentes são elegíveis para estes tratamentos, que existem desde 2022, em Portugal. É preciso que a origem da inflamação seja de tipo 2, para que os medicamentos possam actuar nas vias que propagam a inflamação. “Os resultados que temos vindo a observar têm sido excelentes”, diz o especialista. Acrescentando que, com as novas terapias, a recuperação do olfato por parte dos doentes - que antigamente era praticamente impossível de levar a cabo - acaba por acontecer na maioria dos casos, grupo no qual Luís Filipe se inclui.
No entanto, não há bela sem senão e, ao serem terapias recentes, têm um custo associado ainda “bastante dispendioso”, considera Rui Melo Cabral.
Ao nível emocional, Luis Filipe Paço conta que a sua vida - à época do diagnóstico e durante todos os anos a que foi submetido a cirurgias e à toma de medicamentos diários - também ficou abalada. A periodicidade da toma dos medicamentos, atualmente, é quinzenal, o que faz com que a “a carga de preocupações associada à doença não seja tão pesada”, explica.
Os tratamentos mais tradicionais consistem na utilização de fármacos que atuam de um ponto de vista geral na inflamação, corticoides orais ou em spray (que causam problemas a longo prazo) e, também, cirurgia. “O que nós reparávamos, antes dos novos tratamentos biológicos, é que mesmo com a existência de cirurgia para retirar os pólipos, muitos dos doentes tinham uma recidiva rápida da doença. Estávamos, de facto, limitados”, assume.
Os peritos alertam ainda que os tratamentos devem ser abordados de forma multidisciplinar. Isto porque, como já foi referido anteriormente, os doentes com CRSwNP podem ter várias patologias associadas. “O doente deve ser acompanhado pela otorrinolaringologia, mas também pela imunoalergologia e pneumologia, para que os especialistas possam trocar impressões e decidirem, em conjunto, os tratamentos”.
Saiba mais sobre o Dia Mundial da Rinossinusite Crónica Grave com Polipose Nasal (CRSwNP)
Criado há quatro anos pela EUFOREA (Fórum Europeu de Pesquisa e Educação em Alergia e Doenças das Vias Respiratórias), o Dia Mundial da Consciencialização sobre a CRSwNP, este ano é dedicado ao tema "Novas Ambições de Cuidado".
Este dia tem como objetivo sensibilizar doentes e profissionais de saúde para a CRSwNP e as suas comorbilidades relacionadas, incluindo asma, dermatite atópica e alergias. Além disso, destaca o impacto negativo que a doença tem na saúde física e mental dos doentes.
Ao promover uma melhor compreensão da RSCwNP, esta iniciativa visa também alertar para a importância do diagnóstico precoce e da definição e implementação de estratégias de tratamento eficazes que possam melhorar a qualidade de vida dos doentes. Através da colaboração com profissionais de saúde, investigadores e associações de doentes, a EUFOREA dedica-se a promover a investigação e as inovações nas opções de tratamento, com o objetivo final de reduzir o impacto desta condição nas pessoas e nos serviços de saúde.
À medida que a consciencialização aumenta, há esperança de um futuro em que a CRSwNP deixe de ser uma doença ainda negligenciada, visto que a persistência dos sintomas não deve ser desvalorizada e deve ser acompanhada por um médico especialista e tratada com a atenção e o cuidado que merece.
A SIC Notícias – com o apoio da Sanofi – lança o projeto “Doenças diferentes, um elo comum”. Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pela SIC Notícias (ver Código de Conduta), sem interferência externa.