Em bom português, é com acento. Rúben precisou de ir ao Catar para ver como é que se escreve corretamente o seu nome. Talvez seja uma das razões que o fez voltar a emigrar. Se no próprio país nem sequer respeitam as regras da língua, o melhor é continuar à procura de outras paragens, registos diferentes, superiores condições financeiras.

A Premiership pode não pagar ao nível do Médio Oriente, mas nenhum emblema árabe se aproxima da riqueza histórica do Manchester United. Na qualidade de ex-jogador do modesto e quase desconhecido Al-Wakrah, Amorim sabe que o dinheiro compra tudo aquilo que pode comprar e, no entanto, nunca será suficiente para tornar verdadeiros todos os sonhos.

É por causa do desafio de uma vida que o Ruben sem acento vai ser apresentado em Old Trafford. Mais do que duplicar o ordenado, o ex-treinador do Sporting quer demonstrar que consegue fazer mais do que Louis van Gaal ou José Mourinho, para referir dois campeões da Europa que falharam na sucessão de Sir Alex Ferguson.

Michaela Rehle

A partir do momento em que o mítico escocês se retirou, os diabos vermelhos não voltaram a conquistar a Premier League, o objetivo supremo nesta época que está marcada pela fase negra do tetracampeão Manchester City, o rival de sempre na cidade.

Em teoria, o substituto de Erik Ten Hag até pode conquistar dois campeonatos numa única temporada, apesar de a tarefa ser tão agreste como aquela que caracterizou a apresentação a 5 de março de 2020 em Alvalade. Colocada no 13.º lugar e a 13 pontos do líder Liverpool, a equipa capitaneada por Bruno Fernandes só conseguiu marcar 12 golos em 11 jornadas, números que ilustram o quarto pior ataque da prova. Nem mesmo a circunstância de ter sido dirigido na fase de transição por um antigo goleador como Ruud van Nilsterooy levou o United a outros níveis no que respeita à produção ofensiva, situando-se somente atrás de Southampton, Crystal Palace e Everton.

Para alívio da comitiva que aterrou ontem em Carrigton, do ponto de vista defensivo, as estatísticas estão longe de envergonhar, já que a baliza também só foi atingida por 12 vezes , o que faz de Andre Onana o quarto guarda-redes menos batido, superado apenas pelos “keepers” do Liverpool, do Nottingham Forest e do Newcastle.

Molly Darlington

Assim, tudo indica que a maior dor de cabeça se situa do meio-campo para a frente, o que pode facilitar imenso a anunciada mudança de sistema e a adoção do 3-4x3 que tanta escola fez na Segunda Circular. Uma vez que a linha defensiva dá garantias e elementos como Matthijs de Ligt, Leny Yoro, Victor Lindelof e Lisandro Martínez (sem esquecer os veteranos Harry Maguire e Jonny Evans e muito menos a versatilidade de Diogo Dalot e Luke Shaw) oferecem múltiplas soluções para o corredor central, seria inacreditável que o técnico português não apostasse no sistema predileto.

Por ordens antigas de Ten Hag, o clube gastou, só em centrais, qualquer coisa como 107 milhões de euros, com o jovem (18 anos) Yoro a sair de Lille a troco de 62 milhões e o menos jovem (25 anos) de Ligt a abandonar o Bayern Munique num negócio que atingiu os 45 milhões. O custo desta dupla seria suficiente para cobrir a cláusula de rescisão de Viktor Gyokeres, avaliado em 100 milhões e depois do hat trick ao City promovido ao estatuto de prioridade das prioridades no mercado de verão.

PEQUENO COM 1,93 M

Independentemente do défice concretizador do Manchester, Amorim prometeu que não regressará comprador a Alvalade na próxima janela de transferências, o que está longe de significar uma abordagem zero no mercado de janeiro. Marcus Rashford e Alejandro Garnacho acostumaram-se há muito a ser utilizados nos corredores laterais e no quadro de um 3x4x3 tem toda a lógica que continuem a ser vistos como falsos extremos, reservando a luta pela posição 9 aos promissores Rasmus Hojlund (2 míseros golos até à data) e Joshua Zirkzee, o ex-Bolonha que há quatro meses representou um investimento de 42 milhões de euros e cuja pontaria tem deixado muito a desejar.

Jason Cairnduff

No fundo, basta salientar que o United pagou pelo golo neerlandês e pela vitória frente ao Fulham algo como 42 milhões, o que reflete o escasso rendimento do internacional que Ronald Koeman mostrou um pouco mais ao Mundo durante o último Euro da Alemanha. Do alto do seu 1,93 m, Joshua tem sido pequeno demais diante das redes adversárias e a menos que se transfigure no virar de página, estará condenado mais dia menos dia a ser substituído por outro reforço.

Por muito decidido que esteja a dar tempo ao tempo e a revelar-se paciente na introdução dos métodos que fizeram dele um vencedor, Amorim está obrigado a pensar em grande e a mostrar-se à altura das expectativas, não beneficiando do conforto e da margem de manobra típicos do assimétrico futebol português.

Ainda em Braga, onde tudo começou, Ruben terminou o último baile a lembrar que a disparidade de orçamentos ajuda a cavar a enorme diferença entre os concorrentes, reconhecendo, em simultâneo, que aquilo que mais o frustrava era a venda obrigatória de jogadores.

RODRIGO ANTUNES

Ironia das ironias, o senhor que se segue em Old Trafford pode ser responsável pela próxima “sangria” na Liga portuguesa, embora o problema seja mais fundo e difícil de tratar. Enquanto os treinadores de topo estiverem focados simplesmente em ganhar aos rivais do lado, contentando-se com títulos e recordes domésticos, qualquer tentativa de esbater desigualdades será engolida pela pequenez dos que continuam a queixar-se em 2024 de períodos com jogos de três em três dias.

Em Inglaterra, é precisamente o ritmo infernal que dá fogo ao campeonato mais apreciado do planeta e de assento reservado a quem, como Ruben, nunca se escondeu atrás do calendário. Em Portugal e no bom português do Catar, o cansaço é uma palavra e um problema grave.