Muitos grandes mamíferos perderam diversidade genética devido à ação humana, que reduziu as suas populações. O lince-ibérico é um desses casos, mas uma descoberta recente revela uma estratégia natural que pode ter ajudado a espécie a sobreviver.

A atividade humana reduziu as populações dolince-ibérico (Lynx pardinus) a números perigosamente baixos, diminuindo o seu património genético e comprometendo a capacidade da espécie de se adaptar a ambientes em mudança, o que coloca a sua sobrevivência em risco.

Uma investigação recente publicada na revista Nature revelou que o lince-ibérico se cruzou ao longo dos séculos com o seu parente, o lince-euroasiático (Lynx lynx). Este cruzamento pode ter desempenhado um papel crucial no aumento da diversidade genética do lince-ibérico, oferecendo-lhe uma vantagem num futuro incerto. O estudo foi liderado por José A. Godoy, especialista em genómica da conservação na EEstação Biológica de Doñana ((EBD-CSIC).

Riscos da baixa diversidade genética

Quando uma população perde diversidade genética, pode sofrer de “depressão por consanguinidade”. Isto acontece quando animais geneticamente próximos se reproduzem, resultando em descendentes menos aptos para a sobrevivência. Em casos extremos, a baixa diversidade pode levar espécies inteiras à extinção.

Crias de lince ibérico encontradas num palheiro em Espanha em 2024
Crias de lince ibérico encontradas num palheiro em Espanha em 2024 Guarda Civil Espanhola

Para combater esta ameaça, os conservacionistas recorrem por vezes ao “resgate genético”, que consiste na introdução de indivíduos de populações diferentes para aumentar a diversidade. No entanto, este método não está isento de riscos, como a “depressão por exogamia”, que pode prejudicar características benéficas das populações locais.

"Embora esta estratégia possa ser eficaz, não está isenta de riscos. A introdução de animais geneticamente muito diferentes pode perturbar ou diluir características benéficas, potencialmente prejudicando a capacidade de sobrevivência e reprodução da população. É um fenómeno conhecido como “depressão por exogamia”, escrevem os cientistas.

Apesar destes riscos, o resgate genético continua a ser uma ferramenta valiosa na conservação.

Um dos casos mais graves de redução da diversidade genética é o do lince-ibérico, que já foi a espécie de felino mais ameaçada do mundo. Encontra-se principalmente em Espanha e Portugal.

"Há 20 anos, o lince-ibérico estava praticamente extinto. De lá para cá, num esforço conjunto, Portugal e Espanha conseguiram recuperar a espécie que, mesmo assim, está na lista dos animais vulneráveis".

Esforços de recuperação bem sucedidos

O lince-ibérico já foi considerado o felino mais ameaçado do mundo, mas está a recuperar graças a décadas de esforços de conservação. Em junho de 2024, a espécie passou do estatuto de “em perigo” para “vulnerável” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

Os mais recentes censos publicados em 2023 pelo Grupo de Trabalho do Lince-Ibérico – constituído por representantes do Governo espanhol e doInstituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) de Portugal"concluíram que a espécie superou a barreira dos 2000 exemplares, constituindo um novo número máximo desde que se realiza um seguimento pormenorizado e articulado das suas populações, registando-se assim um crescimento populacional de 21% em relação aos dados do último censo de 2022".

Imagens: CNRLI/ICNF

Este progresso deve-se a programas coordenados de reprodução e reintrodução, assim como ao resgate genético entre as populações remanescentes.

Lince-ibérico ainda não está livre de perigo

Apesar do sucesso, o lince -bérico ainda enfrenta desafios consideráveis. A espécie continua a ter uma das diversidades genéticas mais baixas do mundo, e a população não atingiu o mínimo de 1.100 fêmeas reprodutoras necessário para ser considerada geneticamente viável.

A solução poderá passar por mais resgates genéticos, mas há um problema: não existem outras populações de lince-ibérico no mundo para fornecer novo material genético. Neste cenário, os cientistas esperam que avanços na sequenciação de ADN antigo e degradado possam ajudar a colmatar esta lacuna.

"O ADN antigo pode ser extraído de vestígios históricos ou de amostras subfósseis (animais que não são suficientemente antigos para serem considerados verdadeiros fósseis, mas também não são considerados modernos). Ao estudá-los, os cientistas podem obter informações valiosas sobre o passado genético das espécies, oferecendo uma comparação nítida com os seus homólogos atuais", explicam os cientistas.