Se o apagão desta segunda-feira tivesse acontecido há dez ou vinte anos, teríamos rapidamente acreditado no primeiro boato que dissesse que tinha sido um atentado terrorista da al-Qaeda. Agora, as notícias falsas a circular anunciavam uma suspeita de ciberataque russo. Ao começo da tarde, a dúvida era se a presidente da Comissão Europeia tinha feito uma comunicação sobre a ameaça que, nas versões mais criativas, incluía movimentos de navios suspeitos ao largo do Atlântico. (Não fez.) Sem se saber o que tinha acontecido nem o que estava a acontecer, alguma alucinação proliferou.

Poucas horas depois do apagão começar, as teorias explicativas eram já tantas quantas as opiniões de cada um sobre vários temas. Além dos russos, as renováveis, a privatização da distribuição elétrica ou a propriedade chinesa da REN eram as teses mais espalhadas. Independente aos factos, cada um acusou com o que já pensava. Como de costume. Alguns poderão ter acertado.

Há três lições rápidas sobre o dia do apagão, nenhuma delas extraordinariamente original, mas todas úteis. A primeira é que é fácil espalhar boatos. A nossa disponibilidade para acreditar no que confirma a nossa opinião sobre o quer que seja é imensa. É, de resto, dessa predisposição que se alimentam as notícias falsas, a versão sofisticada, intencional e manipulativa dos velhos boatos. E só quem perguntava “qual é a fonte dessa informação?” parece estar preparado.

Mas o problema não é só de ansiedade, é de predisposição. Nos próximos dias, quando se souber o que aconteceu, vai haver muita gente a torcer o nariz e a garantir que não nos estão a dizer a verdade, porque ... a verdade é aquilo em que acreditam, independentemente dos factos e dos dados que lhes apresentem. Isto diz mais sobre o nível de desconfiança na sociedade e de como é manipulável e quebrável a coesão do que sobre o que aconteceu. E como a tendência para cada um ter a sua verdade, oferecida pelas suas redes sociais, os seus “media” alternativos e, quem sabe, no futuro uma inteligência artificial personalizada e manipulada, o risco de destruição da coesão social é grande e pode ser maior.

A segunda conclusão é que a nossa info-ansiedade é brutal. Se isto tivesse acontecido há vinte ou trinta anos, o caos teria sido muito maior, o que teria falhado teria sido, muito provavelmente, muito mais, mas a ansiedade por informação imediata teria sido menor. Não saber o que se estava a passar ao minuto era uma condição normal. Já não é. O que devia levar as autoridades a ter planos de comunicação de emergência robustos. E capacidade, incluindo de infraestruturas, de disseminar a comunicação. Deve haver milhares de máscaras acumuladas em casas, por gente muito precavida, mas afinal não aprendemos a reagir a emergências.

A terceira conclusão é que só muito dificilmente vamos aprender alguma coisa. Ainda não se sabe o que aconteceu ou porque aconteceu, mas já há teses explicativas por todo o lado. E, sem surpresas, quem não gosta das renováveis, das privatizações, da China ou de Espanha ou ... já sabe tudo o que é preciso.

De novo, é possível que algumas dessas explicações estejam certas. Nalguns casos, porque há mesmo especialistas. Noutros, porque os espontâneos acertam como o relógio parado: porque alguma coisa (ou hora) há-de ser. Mas aquilo de que precisávamos e dificilmente teremos é uma discussão informada sobre o que aconteceu, porque aconteceu e como se evita, ou não. O que convinha, porque um dia pode mesmo ser por culpa dos russos, da China ou...

E uma outra conclusão, ainda: foi rápida a procura de respostas de Bruxelas. A nossa confiança na Europa é bem medida em momentos de crise. Não é europeísmo por adesão, é mais por aflição, mas é europeísmo.