A ação judicial, apresentada no Tribunal Distrital Federal de Washington por grupos religiosos que vão desde a Igreja Episcopal e a União para o Judaísmo Reformista até aos Menonitas e aos Universalistas Unitários, alega que a nova política, que dá aos agentes da imigração mais margem de manobra para efetuar detenções em templos, está a espalhar o medo de rusgas, diminuindo assim a participação em serviços religiosos e outros programas valiosos dessas comunidades.

O resultado, alega o processo, infringe a liberdade religiosa dos grupos, em especial a sua capacidade de pregar aos imigrantes, incluindo aqueles que se encontram ilegalmente nos Estados Unidos.

"Temos imigrantes, refugiados, pessoas documentadas e indocumentadas", declarou o reverendo Sean Rowe, o bispo presidente da Igreja Episcopal.

"Não podemos orar livremente se alguns de nós estiverem a viver com medo", disse Rowe, citado pela agência de notícias norte-americana The Associated Press (AP).

"Ao juntarmo-nos a esta ação judicial, procuramos ter a possibilidade de nos reunirmos e praticarmos plenamente a nossa fé, de seguirmos o mandamento de Jesus de amar o próximo como a nós próprios", acrescentou.

A nova ação judicial faz eco e expande alguns dos argumentos apresentados numa ação judicial semelhante apresentada a 27 de janeiro por cinco congregações Quaker, a que se juntaram depois a Cooperative Baptist Fellowship e um templo Sikh. Está atualmente pendente no Tribunal Distrital Federal de Maryland.

Não houve uma resposta imediata do Governo do novo Presidente norte-americano, o republicano Donald Trump, à nova ação judicial, que nomeia o Departamento de Segurança Interna e as suas agências de aplicação da lei da imigração como arguidos. No entanto, um memorando apresentado na sexta-feira pelo Departamento de Justiça opondo-se ao objetivo da ação judicial Quaker apresentou argumentos que podem também aplicar-se à nova ação judicial.

Essencialmente, o memorando sustentava que o pedido dos queixosos para bloquear a nova política de aplicação da lei assenta em especulação sobre hipotéticos danos futuros - e, por conseguinte, não constitui fundamento suficiente para emitir uma medida inibitória.

O memorando afirmava que a aplicação da lei de imigração nos lugares de culto era permitida há décadas e que a nova política anunciada em janeiro dizia simplesmente que os agentes no terreno, fazendo uso de "bom senso" e "discrição", podiam agora conduzir tais operações sem a aprovação prévia de um supervisor.

Uma parte desse memorando poderá não se aplicar à nova ação judicial, uma vez que argumenta que os Quakers e os outros queixosos não têm fundamento para pedir uma providência cautelar a nível nacional contra a política revista.

"Qualquer medida cautelar neste caso deve ser adaptada apenas aos queixosos nomeados", diz o memorando do Departamento de Justiça norte-americano, alegando que qualquer medida inibitória não deve aplicar-se a outras organizações religiosas.

Os queixosos na nova ação judicial representam uma faixa muito maior de fiéis norte-americanos - incluindo mais de um milhão de seguidores do Judaísmo Reformista, os cerca de 1,5 milhões de anglicanos de 6.700 congregações em todo o país, cerca de 1,1 milhões de membros da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos e cerca de 1,5 milhões de membros ativos da Igreja Episcopal Metodista Africana - a confissão predominantemente negra mais antiga do país.

Entre os outros queixosos contam-se a Igreja Cristã (Discípulos de Cristo), com mais de 3.000 congregações; a Igreja dos Irmãos, com mais de 780 congregações; a Convención Bautista Hispana de Texas, que engloba cerca de 1.100 igrejas batistas hispânicas; a Friends General Conference, uma associação de organizações regionais Quaker; a Igreja Menonita dos Estados Unidos, com cerca de 50.000 membros; a Unitarian Universalist Association, com mais de 1.000 congregações; a United Synagogue of Conservative Judaism, com mais de 500 congregações no país; e filiais regionais da Igreja Metodista Unida e da Igreja Unida de Cristo. A ação é de grande envergadura e será intentada em tribunal.

"A escala de grande envergadura da ação será difícil de ignorar", afirmou Kelsi Corkran, advogada do Instituto de Advocacia e Proteção Constitucional do Centro de Direito da Universidade de Georgetown, que é a principal advogada do processo.

Antes da recente mudança na Governo Trump, Corkran explicou que os agentes da imigração geralmente precisavam de um mandado judicial ou de outra autorização especial para realizar operações em lugares de culto e outros "locais sensíveis", como escolas e hospitais.

"Agora, vão a qualquer lugar, a qualquer hora", observou, acrescentando: "Agora, têm ampla autoridade para intervir e deixaram bem claro que vão apanhar todos os imigrantes sem documentos".

A jurista relatou um incidente recente, em que um cidadão hondurenho foi preso do lado de fora de uma igreja, na zona de Atlanta, enquanto decorria uma missa no interior.

A ação judicial inclui pormenores de alguns dos queixosos sobre a forma como as suas rotinas poderão ser afetadas.

A União para o Judaísmo Reformista e os Menonitas, entre outros, afirmaram que muitas das suas sinagogas e igrejas acolhem nas suas instalações bancos alimentares, programas de refeições, albergues para sem-abrigo e outros serviços de apoio a pessoas sem documentos que poderão agora ter medo de se aproximar.

Um dos queixosos é a Latino Christian National Network, que procura reunir líderes latinos com diferentes tradições e valores para colaborar em questões sociais prementes. O presidente da rede, o reverendo Carlos Malavé, pastor de duas igrejas na Virgínia, descreveu à AP o que os membros da rede têm observado.

"Existem um medo e uma desconfiança profundos em relação ao nosso Governo", declarou.

"As pessoas têm medo de ir ao supermercado, estão a evitar ir à igreja (...). As igrejas estão cada vez mais a prestar serviços 'online', porque as pessoas temem pelo bem-estar das suas famílias e crianças", comentou.

A Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, líder da maior confissão religiosa do país, não se juntou ao processo, embora tenha criticado a repressão migratória de Trump.

Hoje, o Papa Francisco emitiu uma forte crítica ao plano de deportação, alertando que a expulsão de pessoas apenas por causa da sua situação ilegal as priva da sua dignidade inerente e "vai acabar mal".

Muitos líderes religiosos conservadores e especialistas em direito nos Estados Unidos não partilham as preocupações quanto à nova política de detenção de imigrantes ilegais.

"Os lugares de culto são para culto e não são refúgios para atividades ilegais ou para albergar pessoas envolvidas em atividades ilegais", defendeu o fundador da organização legal cristã conservadora Liberty Counsel, Mat Staver.

"Os fugitivos ou criminosos não ficam imunes à lei só porque entram num lugar de culto", argumentou Staver, acrescentando: "Não se trata de uma questão de liberdade religiosa. Não existe o direito de violar abertamente a lei e desobedecer às autoridades policiais".

A professora universitária Cathleen Kaveny, que leciona no departamento de Teologia e na Faculdade de Direito da Universidade de Boston, questionou se os queixosos iriam ganhar a ação com o argumento da liberdade religiosa, mas sugeriu que o Governo Trump poderá ser imprudente ao ignorar uma visão tradicional dos lugares de culto como locais de refúgio para pessoas vulneráveis.

"Estes edifícios são diferentes - quase como embaixadas", disse a académica, acrescentando: "Penso nas igrejas como pertencentes a um país eterno".

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