Trump tomou posse como novo presidente dos Estados Unidos e uma das suas prioridades será o reforço da posição norte-americana na região do Ártico. Adquirir ou conquistar a Gronelândia é um dos pontos que já pôs na agenda.

O interesse geoestratégico das grandes potências mundiais no Ártico, contexto regional no qual podemos incluir a Gronelândia, tem pautado a agenda da expansão das respetivas esferas de influência de países como a Rússia, os EUA, a China ou a Austrália nos últimos anos.

O conceito cunhado para o efeito, Scramble for the Arctic, pressupõe uma disputa voraz pelo domínio de territórios aí localizados. A possibilidade de se abrirem novas rotas comerciais através do polo mais a norte do planeta constitui uma vantagem comparativa para os países que dominarem esses canais.

Para além disso, todos os atores envolvidos têm um interesse efetivo no potencial energético da região, sintomático dos espaços de exploração mineira na região. Explorações que são danosas a montante e a jusante - contaminam o ar através de poeiras radioativas e contaminam o subsolo com os despojos da sua atividade.

Importa referir que esta contaminação é um problema determinante para o futuro da Gronelândia, uma vez que a economia local está muito dependente do setor primário: tanto da agricultura e pecuária, como da atividade piscatória. Por isso, qualquer contaminação do subsolo é uma contaminação direta da alimentação das famílias que aí residem.

Há cinco anos preparava-me para embarcar para a Gronelândia com uma equipa de investigadores e estudantes de mestrado da Universidade de Copenhaga, com o objetivo de compreender as opiniões da população local sobre o investimento estrangeiro em explorações de urânio e terras raras, bem como o seu potencial de contaminação.

Os trabalhos de investigação tinham começado pouco tempo antes no âmbito de uma proposta (descabida, julgávamos na altura!) da administração Trump, que sondara o governo dinamarquês sobre a possibilidade de comprar a Gronelândia, passando esta a ser território sob soberania americana.

Algures neste quadro temporal, a pandemia chegou e essas vicissitudes comprometeram o trabalho, o que nos dissuadiu de tentar publicar os resultados que julgámos não serem suficientemente robustos para extrapolar conclusões significativas.

Até que, na passada semana, a renovada administração Trump voltou a insistir na ideia de comprar a Gronelândia, ou mesmo anexá-la com recurso a meios bélicos, o que me ofereceu o pretexto perfeito para revisitar algumas notas e rascunhos que guardei na última meia década sobre esta temática.

Regressados ao contexto geopolítico, a situação não é particularmente atrativa para os habitantes da Gronelândia afetados pelo degelo e poluição do seu território. No entanto, há um argumento que jogará a favor de Trump, caso mantenha o seu intento de adquirir a Gronelândia.

Pontos a favor da administração Trump

  • A redução da dependência económica em relação à Dinamarca tem sido um dos pontos que mais tem gerado clivagem no debate dentro do parlamento da Gronelândia, pelo que a entrada de um novo player, os Estados Unidos, poderia contribuir para alcançar esse objetivo.
  • Neste momento, mais de 50% do orçamento da Gronelândia depende de fundos provenientes do governo dinamarquês. Se assim não fosse, devido à parca capacidade de inovação dos recursos humanos e infraestruturais da Gronelândia (uma vasta fatia dos jovens escolarizados emigra para países escandinavos), seria penoso para a economia local ser autossustentável. A forma de contornar e mitigar essa dependência económica da Dinamarca é através da captação de investimento externo em explorações de base energética, uma vez que a Gronelândia é o segundo maior depósito de terras raras do mundo. E é também aí que reside o grande interesse norte-americano.

Pontos contra a administração Trump

  • A maioria da população da Gronelândia pertence à comunidade nativa Inuit, composta por indígenas que vieram da zona da Eurásia durante as primeiras idades do gelo, com costumes tradicionais e raízes espirituais ligados à terra, o que dificulta o empreendedorismo do investimento externo em explorações de recursos naturais. A restante população está ligada à Dinamarca por laços familiares ou culturais, o que torna provável a vitória do “não” caso a questão referendada seja “deveria a Gronelândia cortar a sua ligação política e económica com a Dinamarca?”
  • Companhias chinesas e australianas fizeram o trabalho de prospeção (atempadamente) e estão há mais de 10 anos no território da Gronelândia, no entanto, sempre sob a resistência de setores da população, que veem os seus modos de vida prejudicados pela poluição, e agudizado o problema estrutural do desemprego local e baixos salários.

Além dos pontos referidos, as empresas estrangeiras tendem a importar a sua própria mão de obra de países com salários abaixo da média da Gronelândia, o que não resolve o problema de desemprego jovem e prejudica a principal intenção do governo da Gronelândia — receber o investimento estrangeiro como um “el dorado” de injeção de capital na economia local.

Posto isto, com o crescimento do descontentamento da população da Gronelândia relativamente à dependência em relação à Dinamarca, a ideia deste território passar para o domínio norte-americano não é, hoje, totalmente descabida.

Parafraseando, este “devaneio” trumpista é mais real agora do que era há cinco ou seis anos. Dependerá muito da capacidade de o presidente americano garantir à Gronelândia, em particular à população indígena, com representação própria no parlamento local, que as suas vivências, ambiente, cultura e propriedades serão respeitadas e se manterão intocáveis, independentemente da parafernália industrial e militar americana que ali irá brotar.

Com a putativa separação da Dinamarca, uma parte da identidade da Gronelândia morre. No entanto, há valores maiores que se levantam e neste momento existe uma preocupação real da população local com a sobrevivência económica e diversificação de fontes de rendimento na região.

Se as empresas americanas de exploração energética conseguirem convencer a população que tudo farão para mitigar o seu impacto ambiental, enquanto oferecem uma solução económica e financeira viável para a melhoria das condições de vida da população local, há uma brecha de possibilidade para uma negociação num futuro próximo, com a certeza que a Dinamarca respeitará a vontade e soberania do povo da Gronelândia.