A tempestade perfeita no futebol português continua o rumo devastador e nem mesmo o Sturm Graz-Sporting agendado para logo à noite refreou o ímpeto de Frederico Varandas, mais interessado em falar sobre os velhos inimigos do que sobre as possibilidades de o campeão nacional chegar hoje aos sete pontos na Liga dos Campeões.

Na acutilante entrevista difundida domingo pela RTP, o presidente dos leões apontou o dedo a Pinto da Costa (PC) e a Luís Filipe Vieira (LFV), considerando-os os “rostos dos períodos negros” que assinalaram “as décadas em que não houve verdade desportiva”.

Fiel a um registo que já tinha evidenciado noutros momentos, dir-se-ia a uma cadência de dois em dois anos (“um bandido será sempre um bandido”, foi dito sobre Pinto da Costa em outubro de 2020 antes da troca de galhardetes em maio de 2022 depois de um escaldante desafio no Dragão), Varandas assumiu que toda a estrutura “acredita” num “jogo viciado à partida” durante o tempo em que FC Porto e Benfica estavam, respetivamente, sob a orientação dos antecessores de André Villas-Boas e Rui Costa.

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Se, por um lado, é fácil perceber que o líder sportinguista não seria capaz de resistir a um comentário sobre a notícia que voltou a abalar a reputação de Vieira na última semana, por outro, também não sobram dúvidas sobre os motivos que suportaram acusações com a dimensão daquelas que foram dirigidas a nomes com história na Invicta e no outro lado da Segunda Circular.

Consciente da repercussão das citadas declarações, juntando na mesma mesa (como de facto acontece na realidade e com inusitada frequência...) PC e LFV, o homem que ganhou duas eleições em Alvalade chamou toda a atenção mediática para os seus botões e mandou para canto os temas mais sensíveis e controversos da atualidade leonina.

Carlos Rodrigues

Noutra altura, se calhar coincidindo com a primeira eleição, em 2018, não lhe seria possível pedir tanto. Menos hábil no contacto com os media e sobretudo menos conhecedor dos segredos de uma boa marcação de agenda, o antigo diretor clínico evidenciaria dificuldades naturais para lidar com assuntos que envolvem muitos milhões e dois grandes constrangimentos.

O perdão, anunciado há um ano, de quase cem milhões de euros feito pela banca com base na recompra das celebérrimas VMOC (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis) continua a causar indisfarçável incómodo a Frederico Varandas, impossibilitado de dar explicações cabais sobre um negócio que dá a total sensação de ter sido bom apenas para uma das partes.

Aliás, reconheça-se que nem sequer teria de ser o responsável máximo do Sporting a pronunciar-se em primeira instância e ao pormenor sobre um acordo que permitiu ao clube reforçar posição esmagadora na SAD. Nesse contexto, seria quase caricato e demasiado precipitado que se substituísse à administração do Novobanco ou do BCP, as entidades que estiveram envolvidas nas negociações de recompra das VMOC com o “vice” Francisco Salgado Zenha.

VIANA EM ESTADO DE CITY

O que compete, isso sim, ao presidente, sem delegar nenhuma espécie de responsabilidade, é explicar na medida do possível como é que deixou que fosse o treinador o primeiro a dar a cara sobre a anunciada transferência de Hugo Viana para o Manchester City, com a agravante de Rúben ter sido forçado a pronunciar-se sobre a propalada hipótese de acompanhar o diretor desportivo na viagem para Inglaterra.

Numa instituição a manifestar uma notável evolução nos capítulos que solidificam a performance dentro das quatro linhas (da feliz remodelação das infraestruturas à exploração dos novos recursos tecnológicos, sem esquecer pioneiras estratégias de marketing e um sucesso crescente na conquista de novos mercados internos e externos), acaba por ser ainda mais incompreensível o abandono a que foi votado Amorim na conferência de imprensa que antecedeu a deslocação até ao Algarve para defrontar o Portimonense.

MANUEL DE ALMEIDA / LUSA

Como seria de esperar, antes de dizer o que quer que fosse de significativo sobre o adversário que acabaria por ultrapassar na última sexta-feira graças a um “bis” de Conrad Harder (vitória por 2-1 ao cair do pano e a assinalar a estreia dos lisboetas na atual edição da Taça de Portugal), o técnico teve de pisar as pedras quentes que marcam o caminho de Viana na rota de sucessão de Txiki Begiristáin.

Apesar de ser pouco habitual, o desconforto de quem só tem como missão chefiar o grupo de futebolistas acabou por perpassar e levou mesmo a direção de comunicação a elaborar 24 horas depois um comunicado para “descodificar” a “ironia” de Rúben Amorim, assegurando que este, em momento algum, pensara em fechar a porta do balneário ao diretor desportivo nos dias de preparação do duelo com Pep Guardiola, agendado para daqui a duas semanas.

Remetido a um silêncio que tem sido uma regra com raras exceções (veja-se a entrevista a Francisco Pedro Balsemão em maio no podcast “Geração 80”), Hugo Viana estará no próximo dia 5 entre dois mundos e poderá fazer o teste fundamental à condição de agente duplo. Se ainda hoje fosse jogador, não seria tão questionável a conduta enquanto profissional do Sporting e futuro reforço do City, mas tratando-se de alguém que terá uma palavra forte na constituição do plantel dos “citizens” e na hipotética sucessão de Pep Guardiola, parece pouco lógico que em simultâneo esteja a acautelar os interesses verdes e brancos e a planear a formação do grupo de trabalho que se vai apresentar em Alcochete para enfrentar a temporada 2025-26.

Jan Kruger - UEFA / GettyImages

Só o próprio Hugo poderá avaliar-se a si mesmo e decidir em consciência o que é melhor para a carreira, para a imagem e, claro, para os dois emblemas. Além de ser, tem de parecer um profissional exemplar e acima de qualquer suspeita.

Caso contrário e na eventualidade de ser magro o pecúlio dos leões no final da época, poderá sempre aparecer alguém a falar de um “jogo viciado” e a identificar dois rostos como os responsáveis por um semestre negro.

As tempestades perfeitas no futebol português, como bem sabe Frederico Varandas, varrem em primeiro lugar os presidentes.