
Não vos venho falar sobre violência, um tema já amplamente discutido. Não é necessário repetir os dados, como os mais recentes da PSP, que apontam um aumento de ocorrências criminais em contexto escolar, com 4.107 crimes registados no ano letivo de 2023/2024 vs. 3.824 registados em 2022/2023. Crimes como ofensas corporais, injúrias e ameaças subiram de 8,6% para 14,2% em 2023/2024. Também não vos vou falar da série “Adolescência” que tem gerado atenção e discussão sobre a importância de tratar a violência em contexto escolar de forma consciente, aberta e urgente.
Venho falar sobre algo muito mais insidioso: o tabu da violência nas escolas e como ele é tratado, ou melhor, não tratado por aqueles que podem mudar a realidade.
A violência escolar não se resume a empurrões ou insultos. É muitas vezes subtil e invisível – como o cyberbullying, a exclusão social, as humilhações em grupo ou formas ainda mais graves e violentas – e tende a ser confundida com “simples” problemas disciplinares. É importante distinguir: a indisciplina transgride regras; a violência atinge pessoas e destrói relações. A primeira pode traduzir-se em comportamentos que violam as normas de convivência escolar, como desobediência, falta de respeito ou desordem. A segunda implica danos físicos ou psicológicos que comprometem a segurança e o bem-estar dos alunos.
Diretores, professores e até alguns pais continuam a acreditar que o problema está só “na escola do lado” e que “aqui não acontece” ou, quando acontece, “são situações pontuais” e “sempre provocadas pelos mesmos alunos problemáticos”. Esta perceção, embora compreensível, pode ser um obstáculo à mudança. Admitir a existência do problema não é sinónimo de incompetência, mas o primeiro passo para a solução.
A violência existe em todas as escolas? Talvez não. Mas é uma realidade para a maioria. Muitos alunos acabam por se sentir reféns de um ambiente que os devia proteger, mas que os expõe frequentemente a situações ameaçadoras, com efeitos devastadores não apenas no momento da agressão, mas também no seu desempenho académico, nas suas relações futuras, na sua saúde mental e integração social. E não são só os alunos que sofrem: também muitos professores enfrentam episódios de violência verbal, emocional e até física, tornando o seu local de trabalho num espaço de insegurança e desgaste.
O impacto é profundo e pode atravessar gerações e é isso que todos queremos evitar. “Há dias em que tenho mais medo de ir ao intervalo do que dos testes”, desabafou o Manuel, aluno do 8.º ano. A frase, dita em tom de brincadeira, parece refletir um mal-estar profundo e silenciado que compromete a experiência escolar de milhares de jovens. Como diretor, professor ou mãe/pai, como se sentiria se vivesse esse medo diariamente? Compreende-se o desconforto: reconhecer o problema pode obrigar a expor falhas ou comprometer a imagem da escola. Mas o silêncio não resolve, perpetua.
A boa notícia é que existem soluções. Programas como o “Escola Sem Bullying, Escola Sem Violência”, da Direção-Geral da Educação, oferecem ferramentas concretas de prevenção e intervenção. Outros projetos, promovidos por organizações da sociedade civil, focam-se na educação emocional, na promoção de competências sociais e no envolvimento ativo de toda a comunidade escolar. Em escolas onde foram implementados, observou-se uma melhoria na convivência escolar e uma redução nos episódios de agressão.
Estes programas mostram que é possível agir, com resultados positivos. O caminho, no geral, inclui quatro princípios: (1) a importância de reconhecer o problema; (2) a urgência de prevenir (através da formação contínua de docentes e não docentes, regulamentos e políticas claras e implementação de programas com eficácia comprovada); (3) a obrigatoriedade de envolver toda a comunidade escolar para alcançar resultados (pessoal docente e não docente, alunos e famílias) e (4) a garantia de um apoio integrado (equipas multidisciplinares em articulação com os serviços de saúde e de proteção social).
Cabe às direções escolares assumir este desafio com seriedade, colocando o tema no topo da agenda e envolvendo toda a comunidade. Ignorar o problema é contribuir, mesmo que involuntariamente, para um sistema que falha. Mais do que coragem, é preciso compromisso. O futuro dos nossos jovens não se protege com silêncio. Protege-se com ação.