Quando todos os ventos pareciam soprar que a figura do ano que termina estava mais do que entregue a Ruben Amorim, eis que a simplicidade de Rui Borges recoloca o Sporting na liderança da Liga e entrega de mão beijada o troféu a um leão chamado Viktor Gyokeres.

Apesar de não ter sido capaz de marcar a Anatoly Trubin, o avançado sueco foi determinante no último domingo para o triunfo sobre o Benfica e fechou com chave de platina um 2024 em que usou a máscara por 62 vezes.

Autor da assistência para o golo solitário de Geny Catamo, Gyokeres correspondeu da melhor forma às palavras elogiosas do terceiro treinador que conheceu na época e ajudou a desmontar vários mitos que estavam de pé antes de começar o dérbi que custou a primeira derrota a Bruno Lage.

Gyokeres, avançado do Sporting
Gyokeres, avançado do Sporting FILIPE AMORIM

O maior desses mitos, claro, era o de Ruben Amorim. Por ter conquistado dois campeonatos, por sempre ter deslumbrado no campo da comunicação, por muitas vezes o Sporting ter deslumbrado dentro de campo, Amorim parecia estar num pedestal inacessível para o comum dos sucessores.

João Pereira, porventura já esquecido pela maioria dos sportinguistas, sem ter grande culpa, acabou por contribuir de forma generosa para o endeusamento do treinador do Manchester United. Resgatado de urgência à equipa B, o antigo defesa não validou de imediato as profecias no fio da navalha de Frederico Varandas e pagou injustamente o preço da impaciência revelada pela administração.

Sem estar ilibado de alguns erros e de defeitos que precisa de corrigir com a máxima urgência, Pereira, acima de tudo, não teve tempo. O presidente leonino, acossado pelas críticas exteriores, não quis esperar pelo dérbi que até dá vida às pedras da calçada e que poderia, fossem quais fossem as circunstâncias, meter no polígrafo a (in)competência daquele que vaticinou como skipper de um gigante europeu no prazo máximo de quatro anos.

João Pereira, ex-treinador do Sporting
João Pereira, ex-treinador do Sporting RUI MINDERICO

Quem achar que 72 horas foram suficientes para Rui Borges espalhar magia no balneário de Alvalade e que isso, só por si, justificaria o despedimento de João Pereira muito mais cedo, acredita em super-heróis e assim consegue rivalizar com a incoerência de Varandas, que tinha há mais de um ano o ex-técnico do Vitória no radar e ao mesmo tempo tinha combinado com Hugo Viana acautelar… com a prata da casa a saída de Amorim em junho de 2025.

O fim do mito Ruben não foi à custa do nascimento do mito Rui Borges. Essa era a mentira do ano. Da mesma forma, não se podem confundir os méritos revelados no espaço de quatro temporadas pelo senhor de Old Trafford com aquilo que acabou de acontecer no universo verde-e-branco.

Para se tornar um dos mais destacados e pretendidos profissionais dos mercados abastecedores das Ligas milionárias, o agora Red Devil precisou de errar, se calhar precisou de ficar em quarto lugar, se calhar precisou de sofrer algumas goleadas humilhantes. Sem isso, não teria solidificado um sistema invejado por uns, copiado por outros e num ápice colocado na gaveta pelo colega que ainda está à espera de degustar um jantar de bacalhau em Famalicão.

Ruben Amorim, treinador do Manchester United
Ruben Amorim, treinador do Manchester United Lee Smith

O POTTER DA SENSATEZ

Aquilo que na essência sobrou da vitória do campeão nacional sobre as águias no fim de semana é que não há fórmulas infalíveis e só o futuro dirá se Rui Borges tem ou não condições para se revelar uma referência no plano mundial.

Alguém que chega a uma quinta-feira para preparar uma "final" de domingo, muda um sistema profundamente enraizado e ainda se dá ao luxo de alterar o posicionamento tradicional de certos jogadores (veja-se o caso de St. Juste, novidade enquanto central descaído sobre a esquerda) merece apenas e só ser visto como um exemplo de coragem e de personalidade. Sob pena de lhe baterem à porta a exigir milagres atrás de milagres, não pode ser visto como o salvador da pátria perdida.

Aliás, essa perceção e esse apelo foram com a maior sensatez transmitidos pelo transmontano logo na conferência de imprensa em que fez a antevisão do confronto com os encarnados. De maneira inteligente, Borges avisou que não era nenhum Harry Potter, disse que a equipa iria revelar-se distante do que pretende como serviços máximos e advertiu para as dores de crescimento que vão fazer soar os alarmes nas próximas semanas.

A segunda parte do Sporting-Benfica ofereceu um contributo importante nesse sentido, tendo sido percetíveis os calafrios sentidos por Franco Israel face à melhoria do adversário e face a algumas decisões de Lage, com saliência para a concessão a Di María de outros territórios e para o lançamento do irrequieto Leandro Barreiro.

O Mundo nunca vai saber se com João Pereira o dérbi também teria caído para os anfitriões. O que fica para a história e não desperta dúvida alguma é que o Geny Catamo que ofereceu um golo a Schettine num lançamento lateral foi o mesmo Geny que aproveitou um erro de Tomás Araújo num lançamento lateral para marcar a diferença.

Tão simples como isso só a mensagem e o discurso de Rui Borges. O resto são mitos. Uns já não moram em Alvalade e outros ressuscitaram mais a norte. Que o diga Vítor Bruno ou o seu antigo mestre, ontem desembarcado com pompa e circunstância em Milão para render Paulo Fonseca.

Sérgio Conceição, treinador do AC Milan
Sérgio Conceição, treinador do AC Milan AC Milan

A contar só com esta terça-feira, 31 de dezembro, Sérgio Conceição é a figura do ano. Por muito que sopre a mentira.