2 de fevereiro, 5h12 em Portugal continental, menos uma hora nos Açores, menos seis no Texas, menos oito na Califórnia. Shams Charania, o maior especialista em transferências da NBA, anunciou que Luka Dončić tinha sido trocado por Anthony Davis, deixando os Dallas Mavericks para rumar aos Los Angeles Lakers.

A liga norte-americana tremeu. Estou em choque. O que é isto? Nunca vi nada assim. São reações impossíveis de atribuir, tal a banalização que sofreram no megafone de uma opinião pública a lidar com as sensações do inesperado negócio, um autêntico blockbuster.

Na manhã seguinte, os arredores do American Airlines Center, o pavilhão dos Dallas Mavericks, receberam cerca de uma centena de pessoas insatisfeitas com a partida do embrião da nova vida do franchise, finalista vencido em 2024 na primeira vez que os texanos foram à série decisiva desde que se sagraram campeões em 2011. A reunião teve como propósito as exéquias metafóricas da equipa. Camisolas com o número 77 acumularam-se num figurativo memorial e cartazes criticaram a direção (“pior troca da história da NBA”).

“Estamos de luto. Muita gente só se tornou fã dos Mavs por causa do Luka.” A reportagem do The Dallas Morning News replicou vários testemunhos como este. “É o fim da nossa cultura”, “o Luka era a nossa cultura”. Não é por acaso que, em 2023, “Luka”, nome predominantemente europeu, se tornou no 68.º mais atribuído ao bebés no Texas e o 95.º em todos os Estados Unidos, segunda a Administração do Seguro Social norte-americana, citada pelo jornal. No meio da frustração de uma despedida indesejada, foi levado para o local um caixão com o símbolo dos Mavericks no tampo.

O jazigo foi montado junto da estátua de Dirk Nowitzki, jogador que passou 21 anos na equipa, motivo que o levou a ter as feições gravadas em pedra com a epígrafe “Loyalty Never Fades Away” [“A Lealdade Nunca Desaparece”, uma referência à técnica de lançamento que o alemão patenteou na NBA]. Não houve quem perdesse a oportunidade para ironizar a inscrição que se tornou um lema em Dallas.

Ezra Shaw

A troca que vai juntar Luka Dončić e Lebron James nos Lakers foi negociada “nas sombras” e “veio do nada”. Até Shams Charania, credível medidor da pulsação dos bastidores da NBA, ficou surpreendido. Por sua vez, Dončić ficou “atordoado” com o que lhe aconteceu, visto que nenhum dos jogadores envolvidos pediu ou sabia o que se ia passar.

A vontade de realizar a troca partiu dos Dallas Mavericks. Nico Harrison, o general manager da equipa, ligou a Rob Pelinka, homólogo dos Lakers, e assumiu-se interessado em recrutar Anthony Davis para o juntar à outra estrela da equipa, Kyrie Irving. Em tempos, Harrison foi o representante de Davis na Nike, a marca que o patrocina. Desde que se tornou membro do front office dos Mavericks, em 2021, desenvolveu interesse em contar com “The Brow” no plantel. Segundo Chris Haynes, outra figura famosa na arte perscrutar os bastidores, há dois anos que o desejo se tornou mais vincado.

Pelinka, que nunca ponderou libertar o poste, quando ouviu que os Mavericks estavam dispostos a ceder Dončić (bem como Maxi Kleber e Markieff Morris), foi obrigado a pensar no caso, embora, no momento em que atendeu o telefone, tenha achado que era uma piada. Assim, os Lakers não tiveram pudor em incluir também Max Christie e uma escolha de primeira ronda do Draft de 2029. Tudo isto se terá passado nas costas de LeBron James, um dos melhores jogadores de sempre afamado por fazer uso do estatuto para inferir nas decisões diretivas dos franchises por onde passa.

Nico Harrison tem sido acusado de ser a única pessoa satisfeita com o desfecho. Os adeptos dos Mavericks desfizeram-se em pedidos de desculpa a Dončić. “O tempo vai-me dizer se estou certo”, disse o dirigente. “Queremos criar uma cultura e acreditamos que os jogadores que trazemos exemplificam isso. A defesa ganha campeonatos e estamos a trazer um dos melhores jogadores two-way [com capacidade de defender e atacar] da liga”.

Abdicando de um jogador de 25 anos, o plantel dos atuais campeões da Conferência Oeste passa a estar assente em dois elementos acima dos 30 anos. Nico Harrison pensa num “futuro daqui a três ou quatro anos” e considera que Anthony Davis “se enquadra na cronologia da equipa”.

Tim Heitman

Luka Dončić foi selecionado pelo Atlanta Hawks com a terceira escolha do Draft de 2018. No entanto, foi de imediato trocado para os Mavericks, a única equipa que, até aqui, conhecia na NBA. Antes de rumar a Los Angeles, o base deixou uma mensagem a Dallas, a “casa longe de casa”. “Pensei que ia passar a minha carreira toda aqui e queria muito dar-vos um campeonato”, partilhou. “Obrigado por partilharem a minha alegria nos nossos melhores momentos, mas também por me levantarem quando mais precisei.”

As reações surgiram por toda a liga. Neste “lugar selvagem” que é a NBA, Kevin Durant, há 18 anos nestas andanças, ainda consegue ser surpreendido. “Nunca pensámos que o Luka Dončić fosse trocado com a sua idade, a meio da época. Se ele pode ser trocado, toda a gente pode.” A notícia chegou a Devin Booker sem apelido pelo que o também jogador dos Phoenix Suns pensou tratar-se de Luka Garza, poste dos Minnesota Timberwolves com ínfimos reconhecimentos face ao homónimo esloveno que ganhou o prémio de Rookie do Ano, foi cinco vezes All-Star – tantas quantas esteve no quinteto ideal da liga –, ganhou o prémio de MVP das finais da Conferência Oeste e conseguiu ser uma vez o melhor marcador da NBA.

Os logros para já alcançados deixaram muitos rendidos. Mark Cuban, um dos donos dos Dallas Mavericks que não esteve envolvido nas negociações que levaram à saída de Dončić, jurou que, se tivesse que escolher entre a mulher ou manter Luka na equipa, as pessoas o iam encontrar no escritório dos seus advogados a preparar o divórcio. A esposa estará feliz (ao menos alguém).