A beleza do futebol está não só na imprevisibilidade da modalidade, mas também nas surpresas que esta tem capacidade de provocar.

Se lhe falarmos do antigo internacional português José Bosingwa e do FC Porto, a ligação é evidente. No entanto, o caso muda de figura se adicionarmos à equação o Joane, clube que milita atualmente no Campeonato de Portugal, o Anderlecht e Christian Katalay, lateral-direito belga-congolês de 25 anos, correto?

Pois bem, uma das partes mais interessantes da profissão de jornalista está precisamente relacionada com o ato de descobrir e contar estas histórias inusitadas.

Na antecâmara do jogo entre o FC Porto e o Anderlecht, a contar para a Liga Europa, o zerozero foi ao encontro do jogador em questão. Para além de ter jogado nos sub-19 do Anderlecht e ter atuado nos campeonatos distritais de Braga ao serviço do Joane, Chris é também sobrinho do antigo lateral de clubes como FC Porto e Chelsea.

Primeiros anos de luxo

À imagem do tio, Christian nasceu na República Democrática do Congo, anteriormente designada por 'Zaire'. No entanto, a história do também lateral-direito no continente africano foi curta.

Lateral nos tempos de Anderlecht

«Nasci na República Democrática do Congo, no entanto fui com os meus pais para a Bélgica quando tinha cerca de seis meses. Cresci lá e comecei a jogar futebol com cinco anos no clube da minha localidade. Entretanto destaquei-me e fui para o St. Liège, onde estive quatro anos. Depois passei dois anos no Anderlecht e acabei a formação no St. Truiden. As minhas duas últimas experiências foram ao serviço do Joane e do US Sandweiler, do Luxemburgo», começou por nos contar o jogador que atualmente está sem clube.

De forma natural, quisemos perceber como foi a experiência de Chris ao serviço do clube que o FC Porto vai enfrentar esta quinta-feira. «Tenho as melhores memórias do clube, que era e continua a ser o melhor da Bélgica, na minha opinião. As instalações são ótimas, o modelo de jogo e de treino para os jovens é também muito bom e fiz vários amigos. Foi realmente um período incrível da minha vida», sublinhou, deixando, ainda assim, um lamento:

«Quando tens o sonho de te tornares profissional e de jogar na equipa principal do teu clube, queres alcançá-lo. Perceber que não tive essa oportunidade foi duro, mas a verdade é que a vida segue e aprendi a lidar com isso.»

Colegas de renome

Sendo o Anderlecht uma dos melhores clubes da Bélgica, é com naturalidade que Christian da Silva Katalay teve como companheiros de equipa vários jogadores de renome. Um deles é um velho conhecido dos adeptos do Benfica.

Christian com o primo Lokonga @Arquivo Pessoal

«O Svilar sempre foi muito bom para a sua idade, nessa fase tinha 16/17 anos e já treinava com a equipa principal. Conheço-o desde tenra idade, quando eu estava no St. Liège jogávamos muitas vezes um contra o outro e depois tive a oportunidade de jogar com ele na seleção sub-16 da Bélgica. Nos dias de hoje ainda temos uma boa relação e desejo-lhe o melhor», asseverou.

Além do agora guarda-redes da Roma, Chris teve também como colega um... familiar: «O Sambi Lokonga [agora no Sevilla] é o meu 'mano', somos primos e crescemos juntos. Conheço a família dele, ele conhece a minha e temos uma relação mesmo muito próxima. Tivemos a sorte de coincidir no Anderlecht e agora ele está a construir uma carreira muito bonita. Outro dos jogadores com quem me cruzei foi o Saelemaekers [Roma]. Na altura ele já era um excelente jogador e era um dos meus melhores amigos. Lembro-me que ele jogava como lateral-direito.»

Portugal pela porta da distrital

Num percurso já por si pouco convencional, Christian acabaria por ingressar no Joane, então a disputar o campeonato Pro-Nacional da AF Braga, em 2021. A mudança da Bélgica para um campeonato distrital em Portugal teve muito dedo do tio Bosingwa.

«Queria ter uma experiência fora do meu país e o meu tio foi importante nessa minha ida para Portugal. A transição foi muito mais tranquila porque ele vive aí e foi sempre ajudando-me. Via-o várias vezes e ele estava presente nos meus treinos e nos meus jogos com frequência. Foi um excelente apoio e ainda hoje comunicamos de forma constante, afinal de contas é o meu tio», vincou, deixando elogios à realidade que encontrou:

Christian aquando da apresentação no Joane @Arquivo Pessoal

«Aprendi muito nesta experiência. Mesmo não sendo uma competição profissional, o nível não era assim tão mau, havia jogadores com bastante qualidade. Tive bons conselhos, fiz bons amigos e foi um bom período na minha vida

Ora, tal cenário deixou-nos curiosos. Como é que um jovem de 21/22 anos ocupava o seu tempo num contexto tão específico? «Na altura vivia num apartamento perto do clube, juntamente com o meu colega Joaquín Ponce. Era engraçado porque ele não falava nada de inglês, mas, com o tempo, fomo-nos entendendo [risos]. Na altura a minha rotina era bastante simples. Acordava sempre por volta das 8h/9h e aproveitava as manhãs para dar umas caminhadas ou fazer ginásio. De tarde ficava por casa a ver televisão ou a ler e depois ia treinar ao fim da tarde», recordou.

Vincando o desejo de regressar à competição já em janeiro- está sem clube desde que deixou o US Sandwiller, do Luxemburgo, no final da temporada passada- Christian aceitou o nosso desafio e lançou um prognóstico para a partida desta quinta-feira: «Vai ser um jogo difícil para ambas as partes, penso que vai ser muito equilibrado. Ainda assim, acredito que o FC Porto vai vencer por um golo de diferença, 1-0 ou 2-1