As queixas dos representantes de Portugal nos Jogos Olímpicos Paris 2024 foram um tom discursivo que uniu protagonistas das mais diversas modalidades. Da ginástica ao atletismo, passando pelo ciclismo de pista, vários dos atletas com melhores resultados apontaram o dedo às condições que consideram insuficientes, sobretudo se comparadas com a concorrência.

Filipa Martins, primeira ginasta nacional de sempre na final do all-around, disse faltar “uma estrutura de apoio, um acompanhamento mais diário”; Rui Oliveira, campeão olímpico de Madison, pediu “mais apoio”, o que “às vezes falta”; Pedro Pablo Pichardo, prata no triplo salto, foi o mais contundente, dizendo que “o Governo só olha para o futebol” e detalhando problemas que encontra na preparação diária, nomeadamente carências na pista onde treina.

O Comité Olímpico de Portugal (COP), no entanto, diz sentir que “os atletas reconhecem que o apoio que recebem do COP é um apoio que é significativo para o seu alto rendimento”. A frase é de José Manuel Araújo, secretário-geral da entidade, numa conferência de imprensa de balanço da participação nacional em Paris 2024.

Araújo entende que “todos temos sempre algo mais a pedir”, não olhando para as reclamações “numa lógica de ‘não temos o suficiente’”, mas sim numa lógica de “queremos mais porque queremos dar mais ao país”. “Não temos uma visão negativa das queixas, temos uma visão positiva de impulso ao projeto olímpico”, refere o secretário-geral.

Pedro Pablo Pichardo disse que “um bocadinho” daquilo que “dão ao futebol” bastaria para melhorar a condições. Mas José Manuel Araújo não embarca num discurso de falta de financiamento: “O que vem do Governo para que o COP distribua para o programa de preparação olímpica é, a nosso ver, suficiente. Pode ser mais? Claro que pode ser mais, nós também temos esse espírito de reivindicação e de procurar ter um pouco mais em relação ao ciclo anterior”, explicou o dirigente, que quis “agradecer ao Governo”, pois “as coisas correram bem” quer com o Executivo anterior, quer com o atual.

HUGO DELGADO/Lusa

Com quatro medalhas conquistadas, cumprindo a meta que estava no contrato-programa com o Governo, o COP classifica como “positivos” dos Jogos Olímpicos, diz Marco Alves, chefe de missão de Portugal em Paris 2024. No contrato-programa, estabelecia-se, ainda, o objetivo de 15 classificações entre os oito primeiros, fasquia que não foi alcançada, pois a participação nacional concluiu com 14 presenças entre os oito primeiros. Além das quatro medalhas, houve 10 diplomas.

É, também, sublinhada a “consistência de resultados”. Depois das quatro subidas ao pódio de Tóquio, então a melhor participação de sempre, Portugal volta a obter quatro medalhas, mas conseguindo, mais uma vez, a melhor prestação da história. Se em 2021 houve um ouro, uma prata e dois bronzes, agora houve um ouro, duas pratas e um bronze.

Marco Alves lembra que esta participação nacional trazia “duas medalhas antes de chegar a Paris”, recordando o facto de haver “mais atletas femininas que masculinos”, algo inédito até agora, e de haver “50% de atletas estreantes”.


Sobre a relação com o Governo, Marco Alves indica que, com estes resultados, haverá agora a possibilidade de “capitalizar estes resultados junto do Governo” para dar “cada vez melhores condições aos atletas”. Dando o exemplo de Tóquio, o chefe de missão diz que, na altura, foram feitas “propostas de alteração” ao contrato-programa, sendo “umas consignadas e outras nem tanto”. “Saímos com o espírito de renovar estes votos, de renovar um conjunto de alterações que podem fazer sentido já para preparar os próximos Jogos Olímpicos”, frisa Alves, que assume que “as federações precisam de mais condições para que possamos ter mais atletas a disputar a qualificação”.

Terminado este ciclo olímpico, abre-se outro. Depois dos três anos entre Tóquio e Paris, voltamos ao período de quatro anos até Los Angeles.

Será, portanto, momento de negociar novo contrato-programa entre o COP e o Governo. Marco Alves sublinha as virtudes da “estabilidade” que fornece um documento que dura quatro anos, dizendo que, na próxima versão, gostaria de “ver algumas coisas melhoradas”, ainda que tendo “consciência do país em que vivemos”.

CHRISTIAN BRUNA

O ciclo olímpico que agora se inicia será o primeiro com o novo executivo. Depois de dois dias em que Luís Montenegro esteve com a comitiva nacional em Paris, José Manuel Araújo registou “com agrado” a presença do Primeiro-Ministro: “Há mais de 20 anos que não tínhamos um Primeiro-Ministro a vir à aldeia, a estar nas competições. Entendemos que isso é um sinal para uma política pública na área do desporto mais intensa”, disse.

Há já uma “agenda” para as negociações com o Governo tendo em vista o contrato-programa que vigorará rumo a LA 2028, informa Marco Alves. “Iremos trabalhar para que possam ser criadas cada vez melhores condições aos atletas”, assegura o chefe de missão.

Uma das questões debatidas na conferência de imprensa foi o modelo que se pretende para o olimpismo português. Há países que tentam ter o máximo de atletas participantes em Jogos, não apostando concretamente em nenhuma modalidade, enquanto outros procuram a melhor posição possível no medalheiro, especializando-se e centrando atenções em certos nichos que lhes podem valer muitos pódios.

Com exemplos recentes de êxito no ciclismo de pista ou na canoagem, poderá Portugal seguir mais a via de tentar apostar nesse tipo de nichos para ganhar mais medalhas? Marco Alves diz que essa opção “parte de uma estratégia que não é só do comité”, que é “do país e do Governo”, traduzindo-se em “perceber o que queremos da equipa Portugal nos Jogos”. Mas o chefe de missão tem uma “opinião”: “Termos mais modalidades é termos mais referências, mais atletas, é termos um desporto melhor. A aposta não é feita num nicho que pode potenciar mais ou menos sucesso”, considera.

Portugal estreou-se em Jogos Olímpicos de verão em Estocolmo 1912. Desde então, esteve em todas as edições, tendo conquistado 32 medalhas: seis de ouro, 11 de prata e 15 de bronze.