No dia de hoje celebra-se o “Dia Mundial de Saúde Mental” que, no ano de 2024, eleva o tema da “Saúde Mental no Contexto de Trabalho”.

Este é um tema que em boa hora tem tido cada vez maior espaço para reflexão nos diferentes domínios da sociedade, o que revela o alavancar de um primeiro nível de consciência acerca da importância em dar visibilidade a esta matéria com a maior urgência possível.

Até aqui, fantástico.

As coisas começam a complicar-se no domínio da ação.

Por outras palavras, começámos (enquanto indivíduos e organizações) a integrar iniciativas supostamente associadas à saúde mental e à criação de contextos de segurança psicológica muito mais à procura de “likes” nas redes sociais do que com a preocupação de olhar para este tema com a profundidade que merece.

A Saúde Mental transformou-se num assunto “trendy” que se desdobra em múltiplas ações muito frequentemente fúteis e apenas para cumprir calendário ou dar voz ao “síndrome de bom samaritano” de cumprir uma qualquer “boa ação” – um bom exemplo disto são as múltiplas plataformas online ou de “teleconsulta” que são oferecidas à população ou às empresas onde, do lado de lá da linha temos um psicólogo junior, inexperiente e sem qualquer supervisão a ganhar 10€ a hora, ou então, alguém a ler um script de um call center.

E isto, lamento, não é encarar um tema que se sabe que vai ser o maior desafio das próximas décadas (com todas as conquencias psico-sociais que se podem imaginar) com a seriedade que merece.

É sim, e de forma demasiado frequente, agravar ainda mais a situação porque se não tivermos especialistas devidamente legitimados para o efeito a intervir nesta area, o risco de agravar a situação psicológica de quem procura ajuda é real.

Trauma Organizacional

E dentro das Organizações? O que se assiste?

É verdade, multiplicam-se os casos e pedidos de ajuda no que respeita a ambientes tóxicos, à data, disfarçados de altamente conscientes com a saúde mental dos seus colaboradores... porque gastaram uns trocos em meia dúzia de iniciativas sem qualquer impacto.

Diria que é já quase uma especie de “analfebetismo”, à data de hoje, olharmos para os contextos de desempenho (sejam eles uma sala de aula, um treino desportivo ou uma reunião de trabalho numa organização) e não assumirmos, de uma vez por todas que é da responsabilidade de quem lidera cuidar da integridade física e psicológica das suas equipas.

É quase boçal assistirmos ainda, em muitos contextos onde a tacanhez e falta de literacia emocional prolifera, a agressividade e manipulação serem consideradas um exercício de “boa liderança”.

Não o é. De todo.

É mesmo só um exercício de quem tem uma auto-estima tão danificada que precisa sobressair à conta dos outros. E assim o faz, porque lhe é permitido.

Também assistimos a casos mais polidos deste tipo de ambiente tóxico em que, aparentemente, o ambiente é respeitador e seguro, mas onde a diferença entre o que se diz sobre ser respeitador e seguro (mesmo que se usem as palavras e as frases “certas”) e o que as pessoas sentem no quotidiano é tão grande que faz quem lá está sentir uma espécie de dissonância cognitiva - enorme insegurança na interpretação de estímulos claramente ambivalente e antagónicos - que desregula ainda mais o sistema nervoso (e consequente aumento exponencial de doença psicossomática) por permanecer demasiado tempo em “modo incerteza”.

Seria, por isto, muito importante haver a coragem política, no seio das organizações e sociedade em geral, de monitorizarmos o impacto de tais lideranças no que respeita à resposta psicofisiológica de stress crónico, burnout e doença psicossomática e, inclusive, risco de vida de quem é liderado.

Responsabilizamos as empresas pela contaminação de solos e águas... mas não responsabilizamos pela contaminação e toxicidade emocional? Pela divida que se (agiganta e) contrai na saúde publica com as múltiplas baixas por doença psicossomática?

Demasiado absurdo e de uma ignorância profunda acharmos que “porque não se vê... não existe”.

Sensibilização é um passo fundamental, mas a inconsciência (na melhor das hipóteses) ou (má) intenção precisa ser claramente responsabilizada.

Para quando?

Pequenas Ilhas Azuis

Felizmente, em simultâneo com esta avalanche de “praticas trendy”, assiste-se já a um conjunto de organizações (muitas no setor privado), onde a preocupação é já manifesta através de programas concertados e com a profundida e rigor exigiveis (através da intervenção de profissionais séniores e devidamente especializados) para potenciar ambientes verdadeiramente seguros.

Da formação aos colaboradores no que respeita a competências emocionais e de praticas protetoras de bem estar, à especialização de quem lidera nas competências críticas para poder estar emocionalmente regulado(a) e estruturalmente confiante e investido(a) na criação de contextos seguros onde os colaboradores possam, de facto, não só ter um contexto seguro mas onde possam “florescer” nas suas dimensões pessoais e profissionais, vamos já observando de tudo um pouco.

Estas práticas sim, precisam ser disseminadas pois, atuar com legitimidade e seriedade em Saúde Mental exige este rigor de todas as partes envolvidas.