As provocações de Donald Trump chegam a todo o lado. Até ao desporto. Na quinta-feira, na sua Truth Social, onde se tem dedicado a escrever as maiores alarvidades, o presidente norte-americano virou-se para o hóquei no gelo. Ou melhor, usou o hóquei no gelo para atacar, mais uma vez, o vizinho Canadá.

“Vou telefonar à GRANDE equipa norte-americana de hóquei para os incentivar para a vitória contra o Canadá que, COM IMPOSTOS MUITO MAIS BAIXOS E MUITO MAIS SEGURANÇA, se tornará um dia, talvez em breve, no nosso querido e muito importante 51.º estado”, começou por escrever Donald Trump na sua já habitual verborreia em caixa alta, num longo texto em que ainda chamou “governador” ao primeiro-ministro Justin Trudeau, numa óbvia provocação ao líder do governo do Canadá, país a quem Trump impôs duras tarifas comerciais, entretanto adiadas.

Antes de tudo, o contexto. Esta semana, a NHL, liga de hóquei em patins que junta equipas do Canadá e Estados Unidos, deveria realizar o seu habitual all-star, com os melhores jogadores da competição. Mas este ano, nem por acaso, a NHL optou por baralhar o formato, tornando-o numa espécie de batalha entre países. O jogo das estrelas transformou-se assim no Torneio das Quatro Nações, com os jogadores a competirem não por conferências mas sim pelas suas bandeiras.

Sem surpresa, os países escolhidos foram os Estados Unidos, Canadá, Suécia e Finlândia, as quatro nacionalidades mais representadas na liga - na verdade, há mais jogadores russos do que finlandeses na NHL, mas por motivos óbvios, que provavelmente se tornarão irrelevantes para Trump em breve, uma seleção russa não teve luz verde da organização.

Maddie Meyer

Pois bem, Canadá e Estados Unidos chegaram à final do torneio. E mesmo que num primeiro embate, na primeira fase do torneio, os EUA tenham batido o Canadá, Donald Trump, na sua arrogância, talvez se tenha esquecido que o Canadá é mesmo a grande nação do hóquei no gelo a nível mundial, até porque nunca ninguém ganhou tantas medalhas de ouro olímpicas (9) e tantos campeonatos do mundo (28). A NHL, apesar de hoje ser uma liga com muito mais equipas dos Estados Unidos do que do Canadá, tem origens canadianas. E mais de 42% dos jogadores da NHL são canadianos, contra os menos de 30% de norte-americanos.

Um jogo que em tempos seria apenas mais um embate entre duas nações rivais no desporto, mas amigas, tornou-se, assim, e à conta da política, num espectáculo de patriotismo e, no final, numa chapada para o presidente dos Estados Unidos.

E começou logo no hino nacional do Canadá. No TD Garden de Boston, a cantora Chantal Kreviazuk fez uma pequena alteração à letra para responder ao acinte de Donald Trump. Em vez de “o verdadeiro amor patriota está em todos nós”, Kreviazuk cantou “o verdadeiro amor só está em nós”, numa tradução livre. Mais tarde, nas redes sociais, a cantora confirmaria que a mudança foi propositada.

O jogo foi feito de emoções e reviravoltas. Mas menos violento do que o primeiro encontro, em que aos nove segundos já tinham acontecido três cenas de pancadaria entre os jogadores. Na quinta-feira, o Canadá começou a ganhar, os Estados Unidos viraram para 2-1, com os canadianos a empatarem 2-2 antes do fim do tempo regulamentar. Seguiu-se prolongamento com morte súbita, com o guarda-redes do Canadá a fazer algumas defesas heróicas antes de Connor McDavid marcar o golo da vitória canadiana.

O triunfo foi muito mais do que desporto e Justin Trudeau não demorou a ter a última palavra. Após o final do jogo, o primeiro-ministro canadiano escreveu no X: “Não podes tomar o nosso país - e não podes tomar o nosso desporto”. Já Donald Trump nada mais postou sobre hóquei no gelo desde a derrota.