Os donos não têm que bater à porta ou pedir licença para acederem aos seus aposentos. É um direito atribuído ao cuidador do lugar. Seria injusto que quem limpou o pó ao globo não pudesse entrar de rompante. Portugal, o vigente campeão, regressou ao Mundial, aquele que conquistou em 2021 e que é seu por direito. Não se descalçou à entrada, sentou-se no sofá e refastelou-se com as pernas esticadas em cima de uma goleada ao Panamá (10-1), em jeito de quero, posso e mando.

É senso comum: o campeão tem um alvo nas costas. Há quem tenha aguçados projéteis para lhe arremessar, outros, desprovidos de instrumentos ofensivos, têm que se deslocar até ele para picarem o ponto. Como a distância entre Portugal e Panamá é grande – em termos físicos, mas também ao nível de argumentos na quadra – a seleção nacional nem teve que se esquivar a qualquer golpe na estreia no grupo E.

Jorge Braz tinha pedido uma “entrada à Portugal”. Quando enunciado, o conceito parecia algo abstrato. Em Tashkent, no Uzbequistão, percebeu-se que o selecionador nacional estava a falar de uma demonstração completa do compêndio de soluções. Ou seja, Portugal não deixou nada por mostrar. O primeiro golo nasceu de uma jogada individual de Pany Varela. O segundo de um desenho coletivo que agregou Tiago Brito, Fábio Cecílio e Afonso Jesus finalizado de calcanhar por este último. O terceiro nasceu de uma bola parada estrategicamente pensada, com bloqueios e combinações que levaram à finalização bombástica de Bruno Coelho.

O que mais podia ser explanado? Segurança defensiva. Aí, Portugal também se impunha. Sobretudo, existia controlo sobre Ruman Milord, dono de um pé esquerdo que merecia mais consideração do que qualquer outro atado aos jogadores do Panamá. Do alto da exigência de Jorge Braz, ver Erick Mendonça a ter que deslizar para, à entrada da grande área, cortar um lance perigoso, já terá sido visto como um erro. O único golo sofrido também merecerá desaprovação.

Portugal voava e do sovaco da asa via golos a surgirem em catadupa. O guarda-redes Jaime Peñazola deixou três vezes a bola passar entre as pernas, compensando Tomás Paçó, Afonso Jesus e Kutchy com golos resultantes do espírito de produção massiva de situações de perigo. A amplitude inconveniente dos membros inferiores levou o guarda-redes do país encalhado na ponte entre a América do Norte e a América do Sul a ser substituído ao intervalo. Portugal ia vencendo por 8-0 graças também à potência das intenções de Erick Mendonça e André Coelho.

Alex Caparros - FIFA

Era altura de dissecar os registos em busca da maior vitória de sempre num Mundial. Essa pertence à Rússia quando, em 2008, venceu as Ilhas Salomão por 31-2. A rédea estava solta, mas não dava para ir tão longe.

Jorge Braz também mudou o porteiro da baliza. André Correia rendeu Edu, nada ameaçado enquanto esteve em quadra. O guarda-redes do Benfica não pôde dizer o mesmo. Ajoelhado no chão, cometeu penálti sobre José Yearwood e Alfonso Maquensi reduziu.

Inesperado era que, num jogo com tal diferença entre as equipas, Zicky Té se tenha mantido fora da lista de marcadores. Do mesmo modo, o técnico também não arriscou em situações de 5x4 que prolongassem os ataques e permitissem gerir a condição física dos jogadores com bola. Para já, o 4x0 parece ser o sistema preferencial de Portugal.

André Coelho bisou no arranque da segunda parte, mas os golos de Portugal não ficaram por aí. Para acabar em beleza, Pany Varela, o jogador do Al Nassr que foi decisivo na final do Mundial 2021, fez o 10-1 com um golpe de calcanhar suspenso no ar. O primeiro teste foi ultrapassado. Segue-se o Tajiquistão (quinta-feira, 16h, RTP1) no caminho para o déjà vu. Só na última jornada da fase de grupos, contra Marrocos, é que se espera que a seleção nacional seja verdadeiramente posta à prova, mas nunca fiando...