A escura, mas não muito fria Turim é sala de operações para o zerozero nestes dias. O nosso portal está presente na cidade transalpina para acompanhar o desfecho da primeira fase da Liga dos Campeões para o Benfica. Um desfecho que, se as águias não forem capazes de obter um bom resultado no recinto da Juventus, pode ser definitivo.

Terça-feira passada em viagens. Um avião para Barcelona, outro para Milão e um par de horas mais até chegar à cidade italiana mais portuguesa desta semana, Turim. Um dia de correria que nos levou ao Juventus Stadium, in extremis, para escutar as antevisões de Bruno Lage e Nicolás Otamendi. Posteriormente, um jantar rápido no primeiro estabelecimento que encontrámos. O cansaço era muito, a fome nem por isso, portanto o menor dos trabalhos possíveis para encontrar somente algo que fosse capaz de aconchegar o estômago.

Na verdade, a nossa fome nos dias vindouros é outra. São as histórias que nos saciam a larica. E acredite, Turim está recheada delas e o Torino está sempre presente. Já nos tinham alertado previamente que em Turim é o bordeaux que prevalece e foi preciso apenas meia dúzia de horas no território para o perceber.

O zerozero encontra-se em Turim. @Daniel Sousa/zerozero

Finalizados os trabalhos no Juventus Stadium e morto o apetite, somos surpreendidos com a melhor história do dia. Recorremos ao serviço de TVDE para chegar ao alojamento que será quartel-general do zerozero nas próximas noites e a viagem, ainda que curta, é longa no enriquecer do conhecimento em relação à cultura desportiva que deste lado se vive.

Encontramo-nos com o querido Mario, um motorista afável, de cabelo grisalho e provavelmente já bem dentro dos sessentas. As nossas dificuldades com o italiano rapidamente nos denunciam. «Fala inglês?», pergunta. Agora sim, já nos estamos a entender.

O inglês de Mario não é muito melhor do que o nosso italiano, mas diz-se que menos com menos, dá mais e lá nos entendemos, nós no inglês e Mario num inglês misturado com italiano quando algum vocábulo lhe escapa. A conversa decorre e não escondemos o que viemos cá fazer: «Sou jornalista em Portugal, estou cá para o jogo».

«Portugal, Portugal... Portogallo?». Sim, isso mesmo! Portogallo. Pergunta-nos que jogo é esse que estamos a falar. «Juventus - Benfica, amanhã», respondemos. Ainda mal tínhamos terminado quando a resposta lhe sai rapidamente: «Juventus não!». Pontapé de saída para a conversa.

Bola em nossa posse e o passe surge na forma de um «já nos tinham avisado que Turim é Torino». Melhor assistência era impossível. Mario engatou de imediato: «A Juventus já existia. O Torino nasceu numa rua, com pessoas sentadas numa cadeira, a discutir. 'A Juventus, a Juventus'... nada de Juventus, aqui é Torino», diz-nos. E assim foi. O Torino nasceu e tornou-se a bandeira da cidade.

«O Torino era o clube das pessoas normais, o clube do povo. A Juventus só tem dinheiro, mas o coração de Turim é do Torino». A cada palavra que é dita, conseguimos sentir a emoção na voz. Mario já viu muito, mas nunca pôde ver o Grande Torino. Vive, ainda assim, na sua memória pelas histórias que o pai lhe passou.

«Antes, o Torino ganhava tudo. Depois caiu um avião e tudo mudou. A cidade toda chorou. Eu não vi, mas o meu pai presenciou o Grande Torino e contou-me», disse-nos. A tristeza com que nos fala do período mais cinzento da história do clube dá para sentir, assim como a energia que rapidamente recupera quando se desfez em elogios a Valentino Mazzola, o capitão da malograda equipa que pereceu no desastre de Superga. Mazzola é figura de culto e as suas histórias são também resistentes ao tempo e vão de geração em geração.

A viagem está quase a terminar. Afinal, dura pouco mais do que um quarto de hora. Ao falar de Superga, aproveitamos para intervir. «Foi depois de um jogo com o Benfica», dizemos. «Exatamente! Já estive em Lisboa». E que tal? «É bonita, mas o mar é bravo e não dá para nadar!».

Estamos mesmo a chegar ao hotel. Mario diz-nos que restos do avião que transportava o Grande Torino e que embateu na Basílica de Superga podem ser vistos numa pequena cidade chamada Saluzzo, a cerca de uma hora de Turim. Pelo menos, foi isso que percebemos. O vocabulário inglês do nosso companheiro de viagem não permite que a mensagem seja tão clara como outras, mas acreditamos que foi isso que disse.

Chegámos ao destino, prontos a recarregar as baterias para uma quarta-feira que se prevê recheada. Mario despede-se de nós à boa maneira de Turim: «Forza Toro!». «Forza Toro!», dizemos de volta. Ciao, Mario.