*com Diogo Organista Pereira

Há momentos que ficam para sempre na memória de um jogador. Um golo ao cair do pano; um campeonato ganho nos últimos segundos; o primeiro hat-trick da carreira. No caso de Lamela, jogador do Juventude da Póvoa, a última premissa, alcançada no jogo frente ao FC Cabaços, teve um sabor ainda mais especial. O motivo? A imprevisibilidade da vida.

Justificou cedo a primeira titularidade da época com três golos de rajada antes da meia hora de jogo , num momento inesquecível dentro das quatro linhas. No entanto, cinco minutos volvidos erguia-se a luminosa placa, que viria a ditar o ponto final na partida para o camisola 18.

Questionámo-nos sobre os motivos da decisão do técnico Diogo Macieira. Questões físicas? Problemas disciplinares? Longe disso... O destino obrigou o experiente avançado a rubricar o poker fora das quatro linhas - na maternidade, horas depois, onde acompanhou de perto o nascimento da sua filha.

Sem conseguir ficar indiferentes ao momento, contactámos jogador e treinador - protagonistas do caso - e mergulhámos nos curiosos contornos deste jogo de domingo da distrital de Braga. no caso frente ao Cabaços.

«Era sempre um risco começar a titular»

«Correu tudo bem, graças a Deus.»

Visivelmente emocionado, mas com um rasgado sorriso. Foi desta forma que João Lamela nos recebeu. Nos primeiros minutos do telefonema, começou por destacar a improbabilidade do acontecimento, visto que começar no onze inicial, por um motivo ou outro, era extremamente difícil de acontecer.

Lamela
2024/2025
3 Jogos 145 Minutos
5 0 0 0 2x

ver mais >

«Pensei que voltaria a ficar no banco, como nos dois primeiros jogos. Era sempre um risco começar a titular, a qualquer momento podia ter de sair. Também apresentei queixas físicas na sexta-feira [dois dias antes do jogo], nem acabei o treino. Até saí mais cedo para fazer gelo», começou por recordar.

Lamela pode bem agradecer ao gelo, quiçá responsável para o visível impacto que teve na partida. Da adrenalina ao nervosismo, passando ainda pela apreensiva saída do relvado, o experiente avançado relembrou - com um tom nostálgico - tudo o que experienciou ao longo dos 35 minutos mais longos da sua carreira.

«Passou-me muita coisa pela cabeça ao deixar o relvado. Fiquei pensativo, estávamos confortáveis no jogo com o 3-0 no marcador e eu até estava bem. Achei que o mister estava-me a poupar e, como não sou um jogador que fica chateado, aceitei logo a decisão, ainda sem saber de nada», revelou.

João Lamela com as cores do Juv. Póvoa @Juv. Póvoa

«Só que depois disseram-me logo o motivo. Estive sempre tranquilo, mas no momento em que me dizem que vai nascer, senti a ansiedade e o nervosismo a aumentar. Só queria sair dali rápido e ir com a minha namorada para o hospital. Nem sequer pensei mais no jogo [risos]», descreveu.

E foi assim que, em poucas horas, Lamela escreveu dois bonitos capítulos- um para os adeptos de futebol e outro para a sua família.

Quisemos saber mais, complementar a narrativa e unificar as duas visões - a de fora e a de dentro do campo. Decidimos então contactar Diogo Macieira, o responsável pela reação, num espaço de segundos, à novidade e transmitir a delicada informação para o futuro progenitor..

«Despacha-te, Lamela! Rebentaram as águas à tua mulher!»

A dar os primeiros passos como treinador, Diogo Macieira irá certamente recordar a partida frente ao FC Cabaços para o resto da sua vida. Num encontro em que as emoções estiveram à flor da pele, foi o responsável pela arrojada estreia de Lamela a titular e garantiu que a decisão foi «mais do que acertada».

«Já se estava a adiar, os médicos diziam que a qualquer momento a namorada dele poderia entrar em trabalho de parto [risos]. Então, para prevenir, todas as semanas deixava-o no banco. Correu bem, não precisou de sair de rompante e então mudei a decisão», começou por dizer.

qEstava endiabrado, quando marca os três golos dissemos que a filha ia nascer naquele dia. Nem dois minutos se passaram...
Diogo Macieira

«Era o primeiro jogo em casa para o campeonato, queria ganhar e pensei que, caso acontecesse algo, só tinha que fazer uma substituição, não era grave. E foi isso mesmo que aconteceu [risos]. Deu perfeitamente para justificar a titularidade», sublinhou.

Questionámos o jovem treinador sobre os detalhes da experiência, isto na visão de quem vivenciou, na primeira fila, o desenrolar da ação. Desde a animação e no momento do hat-trick, até aos suores frios promovidos por uma única chamada. Um cenário digno de thriller.

«Foi caricato. Quando ele marca os três golos, dissemos que estava endiabrado, que a filha ia sentir e que ia nascer naquele dia. Nem dois minutos se passaram quando o telemóvel dele começa a tocar. Vimos que era a namorada dele a ligar e nem quisemos acreditar, ficámos boquiabertos e em suspense», descreveu.

Diogo Macieira no jogo frente ao FC Cabaços @Juv. Póvoa

«Atendemos e transmitiu-nos logo que o nascimento estava para breve, porque as águas tinham rebentado. Que coincidência... Sem tempo a perder, mandei o [André] Bonjardim aquecer porque comecei a pensar que tinha de tirar o Lamela do campo o mais rápido possível», detalhou.

Perante este cenário cinematográfico, fora das quatro linhas, era impercetível algo mais do que a ingénua saída de Lamela, «cabisbaixo» pela madrugadora substituição. Por entre os gritos e a confusão vivida nas bancadas, Macieira contou-nos que tentou entoar o motivo para dentro de campo com o objetivo de aligeirar a substituição.

«Ele saiu cabisbaixo. Claro que achou que o motivo da saída prendia-se com a gestão de esforço, marcou três golos e o jogo estava quase fechado. Estava muito barulho no kartódromo e também nas bancadas, por causa dos bombos e das gaitas. Quando entendi que ele não estava a perceber, gritei 'Despacha-te, Lamela! Rebentaram as águas à tua mulher' [risos]. E resultou», confidenciou.

Juventude da Póvoa e a «mística sem igual»

Uma história, duas narrativas - com visíveis diferenças -, mas com um aspeto em comum, enaltecido por ambos durante os diálogos. A mística vivida no clube é o que destaca, para os intervenientes da reportagem, o emblema que opera nas distritais de Braga dos demais clubes.

Para Diogo Maceira, é uma equipa especial que «com pouco faz muito» e mantém um espírito muito positivo: «É um clube que merece atenção. Saíram muitos jogadores, os mais experientes, mas o núcleo duro manteve-se. Existe uma mística, são todos amigos, existe uma união especial que fortalece o grupo. São acolhedores e facilmente se criam laços cá dentro.»

Sobre o positivo arranque de temporada, Lamela revelou que o segredo passa pela união vivida dentro do balneário e, questionado sobre o regresso aos relvados, contou-nos que já está ansioso.

Plantel a receber indicações antes do confronto com o FC Cabaços @Juv. Póvoa

«Desde que saí do SC Braga desliguei-me um bocadinho do futebol. Sempre gostei, mas nunca foi a mesma coisa. Mudei a mentalidade quando saí de lá. Mas, nestas divisões, o que dá gosto é a união do grupo, motiva-me a vir para os treinos, gosto de jogar e de estar com a equipa. O balneário é a coisa mais importante nas distritais», enalteceu.

«Regresso aos relvados? Não vai ser no próximo jogo, mas muito para breve. Já estou com o bichinho outra vez e só passou uma semana [risos]. Estou sempre motivado. O clube tem sido espetacular comigo e com o grupo, estou agradecido.»

Podem ser incomuns, mas histórias como esta acontecem e mais perto do que pensámos.

A próxima? Pode surgir novamente no seio do Juv. Póvoa! Isto porque Diogo Maceira, treinador do conjunto de Braga, confidenciou-nos que irá ser pai dentro de mês e meio.

Quem sabe se o momento insólito não se volta a repetir...