*com Vítor Hugo Monteiro

Que a venda das SAD começa, cada vez mais, a ser uma realidade em Portugal, todas as pessoas sabem. O Leixões é mais uma das instituições que vive, e não é de agora, com vários problemas financeiros, que limitam e, de que maneira, a evolução do clube.

Nesta equação entra uma componente especial: os bebés do mar não são um clube qualquer do futebol português. Apresentam uma excelente massa humana e adeptos fieis, que, sem dúvida, acompanham o clube em qualquer situação. Numa altura em que o Flamengo parece cada vez mais perto de adquirir a formação de Matosinhos, alguns adeptos começam a demonstrar resistência e relutância a estes avanços.

Além de toda a teoria, a voz de quem realmente viveu e vive o Leixões comporta um peso diferente. Sendo assim, o zerozero falou com Nuno Silva, atleta com mais jogos disputados pelo clube, e João Costa, adepto que acompanha o futebol e as modalidades há dezenas de anos.

Uma nova era?

Como dito acima, os problemas financeiros do clube de Matosinhos são de conhecimento público. É aqui mesmo que o dinheiro de um possível comprador pode entrar. Ao que o nosso portal pôde apurar, os donos do Flamengo, entre outras coisas que serão referidas ao longo da reportagem, prometem ter todos os ordenados em dia, com subsídios de férias diluídos nesses mesmos ordenados. Algo que, antigamente, não era uma realidade.

Mas, primeiro que tudo, por que razão quererá o Flamengo comprar o Leixões, ou melhor, a percentagem da Playfair, empresa que detém cerca de 56,3 por cento da SAD? Em resposta a esta indagação, João Costa não deixou dúvidas: «Eles, provavelmente, estarão com expectativa para perceber de que forma se conseguem engrandecer. Pretendem expandir a marca, parece-me.»

Para João Costa, esta visão do clube brasileiro poderá, também, estar apoiada nos elevados níveis de imigração brasileira em Portugal: «Penso que poderão ter o objetivo de andar à boleia da imigração que têm cá. Eles gostam de futebol, isso percebe-se, e podem ter o objetivo de os fazer acompanhar o Leixões em Portugal. Entre Nuno Silva e João Costa a opinião é unânime: o Flamengo é um clube gigante, arrasta muita gente e tem muito poder.

Nuno Silva a disputar a bola @Rui da Cruz

Sobre a tal situação económica débil referida acima, o histórico jogador leixonense recordou uma época difícil: «Num ano em que houve uma transição de presidente, ficamos com seis meses de salários em atraso em 2003 ou 2004. Acabámos a época com 15 jogadores, muitos foram saindo por ordenados em atraso. Foi muito complicado para mim, enquanto capitão, motivar os meus colegas. É impossível que o clube tenha bons resultados.»

Como sabido, mais recentemente, em maio de 2023, os bebés do mar viram um ponto ser-lhes subtraído quando ainda estava na luta pela manutenção na II Liga. Esta decisão foi tomada em resposta a incumprimentos salariais relativo a 2021/2022.

Além disso, o Leixões vê, consecutivamente, o seu licenciamento junto da Liga de Clubes ameaçado devido a outras equipas, como já é habituée no futebol português, colocarem providências cautelares. Há a problemática, ainda, de os leixonenses já terem estado proibidos de registar novos contratos na FIFA, também devido a dívidas.

Tudo isto, ao que soube o zerozero, poderá estar perto do fim, sendo que este acordo promete trazer mais estabilidade. Desde garantias de cumprimentos orçamentais na Liga e com todos os plantéis profissionais à promessa de colocação de jogadores de qualidade, com alguns atletas que não têm espaço no Flamengo.

«O Leixões nos últimos anos tem sido notícia pelos maus motivos, sempre com salários em atraso e ainda o ano passado perderam pontos por isso. Se vierem para ajudar, é um ponto positivo», afirmou Nuno Silva, deixando claro que é importante que o clube seja cumpridor.

Segundo conseguimos saber, a ideia não passa por retirar espaço, também, ao jogador português. Com todas estas promessas, também surgem grandes ambições: os novos investidores desejam colocar o Leixões na I Liga em duas ou três temporadas (máximo) e em competições europeias num período de quatro ou cinco épocas.

A resistência de quem tem (muita) alma

Apresentados estes dados iniciais, ficam, claro, no ar perspetivas de grande sucesso, mas existem outros fatores. Os adeptos do Leixões são apaixonados e, nos últimos dias, têm existido várias manifestações contra a venda ao Flamengo. Foram, na passada quinta-feira, exibidas várias tarjas em protesto, atirando em várias direções. Em uma delas podia ler-se: «Para os nossos bebés nem um tostão... Vão e não voltem de Fão»

Esta é uma clara alusão à compra do Complexo de Fão que, ao que o nosso portal conseguiu saber, já foi pago na sua totalidade, tendo o valor de um milhão e meio de euros. Esta foi uma forma de evitar juros. Nuno Silva diz perceber a resistência destes adeptos: «Compreendo. O Leixões é especial e os adeptos são apaixonados. Há maus exemplos de SAD e isso assusta-os. Tudo depende dos moldes do negócio. Se for tudo bem feito, não precisam de estar preocupados.»

qO Leixões é um gigante adormecido
Nuno Silva, atleta histórico do Leixões SC

«Hoje em dia todos os clubes de futebol precisam de um parceiro e o Leixões não é diferente. Desde que o Flamengo venha para ajudar e ser um parceiro, respeite os adeptos e a identidade do clube, vejo com ótimos olhos a entrada de investidores. Vão elevar o nome do Leixões, fazer equipas competitivas, vão melhorar as infraestruturas e isso tudo é positivo para o Leixões», disse Nuno Silva, mostrando concordância com uma possível venda.

João Costa, por sua vez, pensa que este negócio não será necessário e que não apresenta segurança: «Honestamente, penso que o Leixões não precisa disto. O Leixões não é só um clube de futebol, tem para cima de 20 modalidades e é um clube virado para a formação de jovens. Obviamente o futebol é a modalidade maior, mas somos mais do que futebol. Aliás, o voleibol é a modalidade que contribui mais com títulos de momento. Se eu queria ver o Leixões nas grandes competições? Quero. Mas não acho que este seja o caminho. Acho que com comunhão de esforços entre clube e SAD, conseguimos devolver o Leixões à I Liga. Competições europeias seria mais complicado, mas com algo bem projetado não seria impossível.»

A alma do clube @Catarina Morais / Kapta +

«Ainda agora li pelos jornais que vai avançar a compra de um complexo desportivo a 50km de Matosinhos. Não faz sentido, muito pela dimensão que o clube tem. Provavelmente, no concelho de Matosinhos existiriam oportunidades de conseguirem alguma infraestrutura. Com esse dinheiro que têm para investir, fariam algo 'dentro de portas'. Não vão olhar para a formação, também é preocupante. O Leixões é um clube formador, sempre apostou nas camadas jovens e não percebo a visão deles quanto a afastarem-se de Matosinhos. Não há interesse em investir nas camadas jovens. Os clubes tiram muitos dividendos de uma boa formação», acrescentou o adepto leixonense.

Segundo informações que o nosso portal conseguiu obter, Fão, em Esposende, vai mesmo servir de base para a equipa A, sub-23 e equipa B. Constatamos, também, que o plantel principal está a estagiar em Peniche, em boas condições, de modo a preparar a próxima época.

Nuno Silva, que quando questionado pelo o seu melhor momento no clube apontou para uma final da Taça de Portugal, sugeriu que os jogadores do atual plantel devem estar com boas expectativas: «Acho que eles estarão com uma boa expectativa. Acho que o jogador não tem de estar preocupado, vão melhorar-lhes as condições de trabalho e, se calhar, as condições salariais. Acho que deverão estar positivamente agradados pela notícia.»

Uma identidade e património a respeitar

«Se respeitarem a identidade, os nossos adeptos e a formação do Leixões, é bom. Claro que vão querer meter cá jogadores deles, mas o clube tem a ganhar. Vão fazer uma equipa para subir à I Liga, querem andar outra vez na ribalta e isso só se conquista com dinheiro, atualmente», reiterou o ex-atleta do Leixões, em conversa com o zerozero.

Esta é uma bela maneira de iniciar a temática que toca na identidade do clube. Aliás, que melhor maneira do que com um atleta que entrou em campo com este símbolo por mais de 400 ocasiões (!). Ao fim e ao cabo, o Leixões, mesmo estando afastado da I Liga desde 2009/2010, continua a ser a 15ª equipa com mais participações no escalão máximo do futebol português.

Dizem que do passado vivem os museus, mas os bebés do mar foram e continuam a ser um clube altamente representativo. Posto isto, neste possível acordo com o Flamengo, o zerozero recolheu informações que apontam no sentido de não haver nenhum tipo de alteração na identidade. O emblema mantém-se, as cores, o emblemático Estádio do Mar, o nome e até a ligação à cidade. O objetivo passará, sobretudo, por melhorar as condições do clube, de modo a voltar a atrair adeptos. O Flamengo quererá, ainda, explorar a possibilidade de trazer mais adeptos brasileiros que vivem em Portugal para apoiar o projeto.

@Rogério Ferreira / Kapta+

As melhorias de condições referidas, segundo apuramos, passam por obras de melhoramento (que já decorrem) no Estádio do Mar, visando ter condições para receber jogos das competições europeias. De referir, também, que o processo da venda está perto da finalização burocrática, estando a ser ultimados alguns pormenores da negociação. André Castro continuará na presidência da SAD durante a transição, ou mesmo definitivamente. Na próxima segunda-feira existirá uma sessão de esclarecimento do mesmo para com os associados interessados em perceber os detalhes.

Para João Costa, um negócio bem satisfatório seria, eventualmente, um que deixasse património para a posterioridade: «O estádio precisa de remodelação, têm de pagar a hipoteca do mesmo contraída à SAD, tem de ser construído um centro de estágio que fique para o futuro do Leixões, independentemente das pessoas que estão agora. Se deixarem obra feita, consigo compreender o investimento externo. Tudo o que for não for algo deste género, não pode ser. É esse o meu receio. Vejo muito maus exemplos noutros clubes. Aliás, só conheço um bom exemplo, que é o do FC Famalicão, que realmente tem obra feita.»

Nuno Silva trata a identidade do Leixões como algo absolutamente único: «O Leixões é um gigante adormecido. Os sócios e os adeptos fazem o clube, neste momento estão um pouco afastados, precisam de voltar a ajudar e a apoiar. O próprio clube e o SAD andam de costas voltadas, era preciso haver uma sintonia boa. Só quem joga no Leixões é que sente. É uma instituição mesmo especial de representar. Só passando por lá se consegue entender.»

A identidade, definitivamente, é algo que nenhum fundo de investimento pode comprar, mas isso não será um problema num clube como o Leixões. Com gestão bem feita e cuidadosa, sempre sem esquecer o adepto e a sua mentalidade bairrista, não há maré que faça este Leixões morrer na praia.