Gyökeres levou a bola em diagonal da esquerda para o meio. À sua frente derraparam uma série de camisolas amarelas, quase que se atropelando umas às outras. Com muito esforço e parte da equipa derramada no chão, o enxame conseguiu aliviar. A multiplicação de defesas resolveu um problema momentâneo, mas não há milagres e um Arouca laico, que perdeu a fé em Cristo e vendeu por seis milhões de euros ao Al Sadd, sabê-lo-á muito bem.

Quando se oferece um brinquedo novo a uma criança, o intuito é desempacotá-lo e proceder ao seu manuseamento. Há quem a tente impedir dizendo que primeiro é preciso estragar o velho antes de começar a usar o novo. O oposto é incentivar a experimentação. Foi preciso Rúben Amorim encontrar um equilíbrio entre as duas filosofias. Poupar, sim. Avizinha-se a estreia na Liga dos Campeões, contra o Lille, e há que minimizar os riscos. Agora, era preciso desembrulhar um onze que fosse um seguro contra todos os riscos de perder pontos em Arouca.

Ousmane Diomande, Hidemasa Morita, Geny Catamo e Eduardo Quaresma saíram do onze em relação ao clássico diante do FC Porto. Também Vladan Kovačević caiu da equipa inicial, mas, no caso, foi uma lesão a afastar o guarda-redes sérvio. Foram mais as mudanças atrás do que à frente. 26 segundos e Matheus Reis viu Jason Remeseiro passar-lhe nas costas e quase complicar o desejo de credibilidade da renovada retaguarda leonina.

Gonçalo Inácio atuou como central do meio, no trio flanqueado por Zeno Debast e Matheus Reis, o que significa abrir uma caixa mágica ao nível da primeira fase de construção. Os fusíveis do Sporting formavam abrilhantadas ligações interiores e exteriores. A aguardar na zona cinzenta, o espaço onde os defesas dividem a responsabilidade da marcação e o atacante tem possibilidade de conseguir encarar a baliza contrária, Pedro Gonçalves controlava os fios da marioneta. A atração que gerava quando recebia a bola aliviava o condicionamento a Nuno Santos, feito por Tiago Esgaio, Loum e Fukui. As subidas do lateral verde, branco e preto eram pretexto para dominar a linha de fundo e cruzar para a área. Geovany Quenda, como ala do lado contrário, cumpriu o requisito do sistema e atacou a zona de finalização. Também o quase internacional mais jovem por Portugal foi bloqueado pela solidariedade arouquense.

O Sporting apresentou um jogo transversal, pendular: tudo o que nascia num lado era aproveitado no outro. Desta vez pela direita, Francisco Trincão forçou a entrada perante Jose Fontán. A bola decidiu-se pelos pés do extremo que a levantou para Pedro Gonçalves como se de um passe de futevólei se tratasse. Nico Mantl foi batido pela primeira vez.

Tudo passou a correr como as ondas quando a maré está a encher, isto é, por cada vez que o Sporting ia, voltava invadindo um pouco mais o território do Arouca. Acumulavam-se então boas oportunidades. Muito porque Gonzalo García, o técnico uruguaio do Arouca, não conseguiu transmitir aos jogadores que o Sporting usa o pseudo-conforto do adversário como fonte de rendimento. O sétimo classificado do último campeonato pensou ter equilibrado o jogo, mas estava só em vias de ser arrombado nas costas da linha defensiva. Gyökeres, numa exibição que estava a ser trapalhona, passou a ter espaço para se experimentar nas corridas de velocidade como o compatriota Mondo Duplantis. Adaptado ao novo contexto, Gonçalo Inácio ignorou Pedro Gonçalves entre linhas e fez um passe longo para Nuno Santos. Loum acabou por fazer um vistoso golo de calcanhar anulado por fora de jogo do ala.

O segundo golo do Sporting merecia ser algo melhor do que um penálti marcado por Gyökeres após mão de Fukui na área. Já com Maxi Araújo em campo – na estreia, atuou como ala, a fechar à esquerda na linha de cinco –, Francisco Trincão foi messiano na forma como, sozinho, furou no corredor central, com a bola e o pé esquerdo em clima de lua de mel, e fez o 0-3 num lance taumatúrgico.

O Arouca esgotou nos primeiros segundos as manifestações de interesse na baliza de Franco Israel. Depois disso, só Alfonso Trezza tentou de forma tímida alcançar algo mais. O Sporting continua invicto e líder isolado do campeonato. Para já, a maré ainda não parou de encher.