13 de outubro de 1976. Aconteceu há 48 anos. George Best chegara aos 30 e os seus melhores tempos tinham passado. Não era só a idade, o alcoolismo deixara-o muito desgastado, uma sombra de si próprio. O Manchester United dispensara-o, jogava no Fulham, na segunda divisão inglesa, depois de passagens por Escócia e Estados Unidos (Los Angeles Aztecs, o quinto clube em dois anos, depois de deixar Old Trafford).
Antes de um Holanda-Irlanda do Norte em Roterdão, a contar para a fase de qualificação para o Campeonato do Mundo, o jornalista holandês Bert Nederlof foi encarregado de escrever um perfil da grande estrela e viajou até Londres para assistir a um encontro de Best pelo seu novo clube diante do Southampton. O excelente driblador norte-irlandês tinha desaparecido, não poderia ser ele em campo. Chamou-lhe uma «super-estrela caída».
Outro jornalista, o britânico Bill Elliot, acompanhava no autocarro o Green and White Army na viagem para Roterdão, onde iria defrontar, dois anos depois da fatídica final de Munique para os holandeses, a Laranja Mecânica de Johan Cruijff (e Johan Neeskens, e Ruud Krol, todos no auge). Elliot questionou Best sobre o que achava do capitão dos rivais. A resposta não demorou: «Excecional!» No entanto, o jornalista não estava satisfeito e lançou um «melhor do que tu?». Best riu-se e retorquiu: «Está a brincar, não está? Vou dizer-te o que vou fazer. Vou humilhar Cruijff na primeira oportunidade!»
E depois também meteu a bola entre as pernas de Neeskens e este ficou tão irritado que andou a correr durante os 10 minutos seguintes a tentar pontapeá-lo!
As afirmações do futebolista dificilmente poderiam ser consideradas muito credíveis. Era o primeiro encontro de Danny Blanchflower no banco norte-irlandês e Best não era convocado há três anos para a seleção. Parecia até um pouco fora do peso ideal, apesar de bronzeado pelo sol da Califórnia e cabelo ligeiramente mais comprido.
Não há registos em vídeo de que o fez, apenas testemunhos. Nessa noite mágica, Best voltou a ser um futebolista prodigioso e imparável, guiando a sua seleção a um empate a dois golos.
Cruijff não gostou, claro, porque era realeza como o Bestie.
Mas voltemos a Bill Elliot e à sua descrição do momento em que dois dos melhores futebolistas de sempre se cruzaram em campo: «Aos cinco minutos, Best recebeu a bola na esquerda. Em vez de se dirigir para a baliza, fletiu para o interior, passou pelo menos três holandeses e encontrou o caminho para Cruijff, que estava na direita. Levou a bola até ao adversário, fintou com o corpo duas vezes e meteu-lha entre as pernas. Enquanto correu para a receber mais à frente e seguir para a baliza, ergueu o punho direito para o ar. Só alguns de nós, na bancada de Imprensa, sabíamos o que realmente significava. Johan Cruijff, o melhor do mundo? Estão a brincar? Só um idiota o teria pensado nessa noite!»
A inspiração que a Irlanda do Norte precisava
«Esse era o Bestie», lembrou anos depois Sammy McIlroy, que fazia parte do conjunto britânico nessa noite no De Kuip. «Ele conseguia fazer tudo e mais alguma coisa. Cruijff ficou admirado! E depois também meteu a bola entre as pernas de Neeskens e este ficou tão irritado que andou a correr durante os 10 minutos seguintes a tentar pontapeá-lo! É incrível que o tenha feito a jogadores daquele calibre. Os jogadores não gostaram e o público também ficou irritado.»
McIlroy criou um primeiro golo para Chris McGrath, com a Irlanda do Norte a passar para frente do marcador de forma surpreendente. Krol e Cruijff marcaram de seguido para virar o resultado, mas o suplente Derek Spence empatou muito perto do final.
Spence também recordou essa noite. «Foi para cima de Neeskens e passou-o, vi-o com os meus próprios olhos. Não foi um acaso, porque já tinha dado humilhado toda a equipa de Coventry num jogo de preparação na quarta-feira anterior. Humilhou-os vinte vezes, eu contei. Fez um túnel ao Neeskens e depois ao Cruijff. Não vi o do Cruijff, mas ele fê-lo, uma vez que anos depois o holandês confirmou-o. Costumavam gozar com ele por causa disso. Não gostou, claro, porque era realeza como o Bestie. Ele foi uma inspiração para nós nessa noite», descreveu à Radio BCC Ulster.
A Holanda só não ganharia esse jogo na caminhada para a Argentina, onde chegaria a nova final e perderia novamente, outra vez com a equipa da casa, tal como quatro anos antes, diante da Alemanha.
Na Irlanda do Norte, ainda se recorda essa noite de Roterdão como um milagre. Best só resistiria mais uma ano na seleção. O alcoolismo agudizava-se. A carreira continuou a saltar entre Estados Unidos e a Escócia e até depois a Austrália, antes de pendurar definitivamente as botas, no Tobermore United, no seu país, em 1984.