O desastre de Hillsborough, em Sheffield, teve lugar há 36 anos. Ocorrido a 15 de abril de 1989, quatro anos apenas após a tragédia de Heysel, em Bruxelas, continua a ser um dos episódios mais trágicos e controversos de toda a história do futebol britânico. Durante uma meia-final da Taça de Inglaterra que opunha o Liverpool ao Nottingham Forest, 97 adeptos dos Reds perderam a vida por esmagamento na bancada, 95 no momento e mais dois por sequelas derivadas do incidente.

O trágico evento não marcou apenas a vida das famílias das vítimas, mas também deixou cicatriz profunda na sociedade britânica, revelando falhas significativas nas práticas de segurança nos seus estádios, a maior parte ultrapassados. Nesse mesmo Hillsborough, que era com frequência escolhido na altura para jogos das fases finais da Taça, 38 adeptos tinham ficado feridos num Tottenham-Wolverhampton oito anos antes, o que levara o Sheffield Wednesday, que jogava no estádio, a reestruturar as bancadas (o setor de Leppings Lane End), primeiro dividindo-a em três compartimentos e depois em cinco, quando o clube voltou à Primeira Divisão.

Numa era fortemente marcada pelo hooliganismo, embora não tenha sido esse o caso em Hillsborough, a polícia optou por colocar os adeptos do Nottingham Forest no setor Spion Kop End, com capacidade para 21.000 pessoas. Os do Liverpool entraram para a Leppings Lane End, que albergava 14.600 pessoas, apesar serem em maior número do que os do rival. A afluência foi enorme, houve engarrafamentos nas auto-estradas e vias de acesso, e depois à entrada para as bancadas, devido à existência de catracas (versão antiga dos torniquetes). O início do encontro não foi atrasado, os adeptos começaram a ouvir os jogadores a aquecer no relvado e a polícia então decidiu abrir vários portões onde não havia catracas, aumentando o fluxo de pessoas para as duas bancadas já superlotadas, empurrando-as para a frente contra a grade e provocando o esmagamento.

Quem entrava na bancada não se apercebia do que se estava a passar. Polícia ou seguranças teriam normalmente ficado na entrada do túnel de acesso a esta se as divisões centrais alcançassem a total capacidade e dirigido os adeptos para os compartimentos laterais, mas não o fizeram, por razões nunca totalmente explicadas. O problema não foi detetado por ninguém, além dos afetados. A atenção da maioria das pessoas tinha sido absorvida pelo jogo, que começou à hora prevista. Já eram 15h06 quando o árbitro, Ray Lewis, depois de ter sido avisado pelas autoridades e de ver adeptos a começarem a subir a grade para escapar do esmagamento, parou o jogo durante alguns minutos. Nesta altura, um pequeno portão na grade tinha sido arrombado e alguns adeptos escapado por aí. Houve quem continuasse a subir a grade e ainda outros a serem puxados dessa bancada para a West Stand. Com a pressão das pessoas, o muro desabou.

O relatório oficial do Governo foi publicado um ano depois. Eram apontadas culpas aos adeptos do Liverpool e a alegados abusos no álcool e na violência. Afinal, Heysel tinha sido há apenas quatro anos, com o duro castigo da UEFA associado. No entanto, estes recusaram durante anos responsabilidade no desastre.

O Guardian escreveu recentemente que, após décadas de luta por justiça, as famílias das vítimas continuam a exigir responsabilidade e reconhecimento das falhas que levaram ao desastre. A investigação oficial, que resultou numa nova inquirição em 2012, concluiu que as vítimas não cometeram qualquer erro e que as autoridades falharam em garantir a segurança adequada no estádio, que também já revelava sinais de deterioração, embora fosse dos poucos considerados aptos para receber encontros de elevada importância. O inquérito concluiu que o colapso do sistema de segurança, combinado com uma resposta inadequada das forças de segurança, foram factores cruciais para a tragédia. Além disso, o painel independente que o elaborou determinou que o primeiro relatório oficial havia sido «adulterado» pelo Governo de Margaret Thatcher, a fim de desviar as culpas para os torcedores do Liverpool. O Daily Telegraph acrescentou que a polícia pesquisou os registos criminais das vítimas para «manchar a sua reputação», que 116 dos 164 relatórios de agentes foram alterados para remover «comentários desfavoráveis» e que nunca houve provas de que os apoiantes do Liverpool estariam sob a influência de bebidas alcoólicas.

Em 17 de março de 2015, o comissário de polícia encarregado da segurança no estádio, David Duckenfield, admitiu que a sua decisão de abrir uma entrada durante o jogo foi a causa direta da morte de 97 adeptos. Foi em novembro de 2019 ilibado pelo Tribunal de Preston, após julgamento de seis semanas. O júri considerou que Duckenfield estava inocente do crime de negligência grave, depois de a acusação ter alegado uma «responsabilidade pessoal».

O Times, também em artigos recentes, destacou que, apesar dos avanços nas normas de segurança nos estádios britânicos desde o desastre de Hillsborough, muitos adeptos e ativistas ainda sentem que não se fez o suficiente para honrar a memória das vítimas. O uso de tecnologia moderna e a implementação de medidas de segurança mais rigorosas foram passos positivos, porém a luta por justiça continua a ser uma prioridade para as famílias afetadas. Além disso, o impacto do desastre de Hillsborough é sentido não apenas no futebol, mas também na forma como as autoridades lidam com as multidões e a segurança em eventos públicos.

As lições aprendidas com este evento trágico foram fundamentais para moldar as políticas de segurança em estádios em todo o Reino Unido, mas as vozes das vítimas e dos seus familiares permanecem centrais na narrativa sobre a responsabilidade e a segurança no desporto. À medida que se aproximam os 40 anos do desastre, as famílias das vítimas continuam a lutar por um reconhecimento adequado e pela implementação de reformas que garantam que uma tragédia semelhante nunca mais ocorra. A memória dos 97 permanece viva, e a busca por justiça e verdade continua a ser uma questão de grande relevância na sociedade britânica.