Mauro Jerónimo, treinador de 37 anos, esteve durante seis no Vietname. Depois de passagens por China e Taiwan, conta a A BOLA como foi a experiência no PVF, da segunda divisão, que tinha como objetivo o desenvolvimento de jovens jogadores no país, que é, segundo o técnico, «fanático» pelo futebol.

Saiu recentemente do PVF, do Vietname. Como é que isso sucedeu?

Estive, no clube em si, seis anos e oito meses, três anos com a equipa principal. Isso em 2019. Não foi algo que estivesse planeado, porque estamos a entrar na segunda fase do campeonato. Infelizmente, a visão do clube, a meio caminho, mudou um pouco. E a visão que o clube tem agora não vai de encontro à minha.

O nosso clube é um clube recente no Vietname. Tem, talvez, 15 anos de vida. Foi um clube fundado pela pessoa mais rica do Vietname, o Primeiro-Ministro, na altura, com o objetivo de desenvolver jogadores jovens para o futebol e para exportar para o resto do mundo. Essa foi a visão do clube. Estamos na segunda divisão. Nos últimos dois anos, o objetivo foi tentar subir à Primeira Liga, mas sempre com a base de jovens da academia, formados no clube, porque, no momento, 80% ou 90% dos jogadores são formados na academia. O projeto foi sempre feito dentro desses moldes, tanto que há jogadores que estão comigo há mais de cinco anos. Entretanto, o clube decidiu mudar um pouco essa visão, em termos de contratar jogadores mais velhos e pôr mais de lado a parte do objetivo real do projeto, que é, passo a passo, chegar lá a cima, mas sempre com a mesma filosofia de jogo, de treino. Isso alterou-se. Para mim, foi um aspeto negativo. No Vietname conhecem o PVF por isso mesmo. Tínhamos essa identidade bem vincada e o clube perdeu um bocadinho isso com a mudança de visão. Eu e o Presidente não estávamos de acordo em vários sentidos. Quando assim é, também não vale a pena. Estamos a percorrer um caminho em que as duas partes não estão alinhadas, tanto o treinador como a direção.

Foi para o Vietname depois de estar no Taiwan. Como surgiu essa oportunidade?

Estava na China a trabalhar na altura. Estive com a seleção do Taiwan durante seis meses, mas estava na China, ou seja, ia à seleção, depois voltava ao clube onde estava. Nessa altura, eu conheci o Philippe Troussier, foi treinador aqui, foi selecionador do Japão no Mundial 2002, na África do Sul, treinou em Marselha, é um treinador já com uma grande carreira no futebol. Conheci-o num jogo de treino, veio ver a minha equipa a jogar, gostou do meu trabalho. Mais tarde, recebeu essa proposta como diretor para fazer a ponte entre a Federação do Vietname e o PVF e convidou-me para me juntar a ele, deu-me a responsabilidade de ficar com os sub-19. Já tinha estado na China, que não é uma cultura assim tão diferente da do Vietname e, depois de me informar do que é a vida no Vietname em termos de paixão pelo futebol, em termos de ambição para evoluir, isso motivou-me imenso. E as condições de trabalho que também foram apresentadas são de topo. Vim para ficar um ano e já estou há seis.

Numa entrevista falou sobre questões culturais, como a alimentação ou os horários. Sentiu que foi preciso implementar algumas questões que levassem a mais rigor no trabalho?

Não, para mim não é tanto o rigor. São culturas. Acho que já ouvi que, na Arábia Saudita, que os jogadores não tomam banho todos no balneário. Existem determinados traços culturais que cada país, cada cultura tem... É tão diferente da nossa, da Europa, que quando olhas pela primeira vez, podes ficar com a sensação de que falta profissionalismo. Mas não creio que seja isso. Nós treinadores às vezes também queremos estar confortáveis. Não queremos fazer coisas que não estamos habituados a fazer, sair da nossa zona de conforto. Esses impactos culturais fazem o treinador sentir que não está a controlar as coisas como deve ser. Aqui acontece isto, então, obviamente, há determinados aspetos que, independentemente da cultura, tentas sempre, pelo menos, implementar uma parte. Não podes mudar muito, é possível. Aos poucos fomos alterando. Como a faixa etária dos meus jogadores é mais jovem, a média de idade é de 22 anos, são jogadores que ainda não têm hábitos de jogador mais velho. Então, fomos mudando aos poucos. Também fiquei cá muito tempo. Se tivesse ficado cá um ano ou dois, possivelmente não teria mudado nada. Mas passo a passo fomos mudando, mas sempre respeitando um outro aspeto cultural que eles têm, que não vale a pena estarmos a batalhar, que no final das contas não será isso que vai fazer ganhar o jogo no sábado ou no domingo.

E o que é que mudou?

Por exemplo: os jogadores não têm hábito de balneário. Vão para o ginásio, fazem o pré-treino e, dali, vão para o campo. Não tinham o hábito de passar pelo balneário, de ter o grupo junto, naquele ambiente a que estamos habituados. Normalmente aqui, como os jogadores vivem dentro do clube, porque o clube tem um hotel, os jogadores vivem lá dentro. A maioria dos jogadores, mesmo casados e que têm filhos, vão a casa ao fim de semana depois do jogo. Durante a semana normalmente ficam lá. Hanói é uma cidade muito grande, com 11 milhões de habitantes, e a distância entre o centro de treinos e o centro da cidade ainda é distante. Depois, considerando o tráfego, podes levar duas horas e tal no carro. Então, os jogadores optam por ficar a dormir lá, então criam esse hábito de sair do quarto diretamente para o ginásio, para o campo e não há estrutura do balneário. Fiz questão de alterar isso, porque acho que é fundamental, até para mim, para poder depois comunicar com os jogadores. Fui implementando esse hábito. No início não foi fácil, mas agora creio que os jogadores já fazem as coisas de uma forma muito natural. E acredito que eles conseguem perceber os benefícios que isso lhes traz, em termos de concentração para o treino.