Algures ao minuto 60 do jogo com o Casa Pia, o Dragão ensaiou aquela parada e resposta típica dos estádios felizes. Um lado gritava “Porto”, o outro ripostava mais alto, o cântico voltava depois à casa de partida e assim sucessivamente durante alguns segundos. Não foi a efervescência que Vítor Bruno pediu na véspera, fazendo check a mais um recanto esconso do prontuário da língua portuguesa. As clareiras azuis nas bancadas, e foram muitas, são como feridas abertas mas, naquele momento, de alguma maneira, o público do Dragão deu tréguas aos seus jogadores, depois de quatro jogos sem ver a equipa ganhar.
Otávio, pouco depois, agradeceria aos adeptos com uma inusitada bomba ao poste, momento esotérico por se tratar de um central, mas por essa altura havia já algum descanso. Entre as bancadas e Vítor Bruno, em dia de aniversário, a desviar-se de um presente armadilhado se o resultado não aparecesse. Voltando à efervescência, ainda falta muita ebulição a este FC Porto, mas a vitória por 2-0, pelo menos, estanca a hemorragia. E, a brincar, a brincar, deixa o FC Porto, que tantos deram por arrumado, a 3 pontos da liderança do Sporting.
Quando os adeptos se sentiram livres o suficiente para cantar, o FC Porto acabava de marcar dois golos em três minutos, afastando fantasmas. Na 1.ª parte, principalmente a partir dos primeiros 20 minutos, que foram verdadeiramente entediantes, o FC Porto foi pouco a pouco conseguindo encontrar vias para a baliza por entre a linha de cinco montada por João Pereira, o outro João Pereira, este treinador do Casa Pia. Samu teve então duelo muito particular com João Goulart, açoriano com nome de antigo presidente do Brasil (também ele com sangue açoriano e também ele, diz-se, bom de bola), com o defesa dos visitantes a secar de todas as maneiras e feitios os intentos goleadores do avançado espanhol.
Nehuen Pérez, à passagem da meia-hora, apareceu ao segundo poste para responder a um cruzamento em bicos de pés de Galeno. Patrick Sequeira, guarda-redes dos gansos e outra das figuras da 1.ª parte, fechou a porta ao golo. Foi a melhor oportunidade do FC Porto numa 1.ª parte, em geral, boa, mas longe de fantástica. O Casa Pia, por seu turno, não virava as costas ao ataque e ia molhando o bico nas transições. Antes do intervalo, a combinação entre Nuno Moreira, Cassiano e Livolant quase dava golo, o francês juntou o indicador ao polegar ao ponto de apenas um fio de ar estar entre eles, porque o sinal de “foi por um bocadinho assim” é universal.
O plano do Casa Pia, de fechar bem, não errar na organização defensiva e arrancar para o contra-ataque, levou um sério tiro no porta-aviões logo a abrir a 2.ª parte e com isso o jogo definiu-se. Aos 51’, Ruben Kluivert deu por isso a deseja ter os pés do pai quando viu o seu passe vertical ir parar aos pés de um jogador adversário. Seguiu-se uma grande combinação entre Fábio Vieira, Pepê, Samu e Fábio Vieira novamente, com o atacante português a aproveitar a desorganização auto-infligida do Casa Pia para marcar.
O processo de aparecimento de espaços acelerou rapidamente, como seria de esperar. O Casa Pia aferrou-se à bola, tentado fazer pela vida, mas três minutos depois do primeiro golo, num contra-ataque, Pepê descobriu o ponto-ótimo entre a correria de Samu e um possível fora de jogo para lançar o espanhol no momento certo. O avançado, depois de uma fase de grande frustração, voltou a ser decisivo, com uma assistência e um golo.
Ainda sem permitir muito ao Casa Pia, talvez tenha faltado ao FC Porto uma atitude mais trailblazer perante um adversário ferido. Talvez não se possa pedir tudo de uma vez. Ajuda também ter, na baliza, um guarda-redes de exceção: nos últimos 15 minutos, Diogo Costa ofereceu ao jogo duas incríveis defesas, das que desafiam os limites dos reflexos humanos. Sem elas, fica por saber se este FC Porto teria tremido. É possível que sim, mas para o aniversariante Vítor Bruno e para a crise que pairava, nem é bom saber.