Há momentos que definem a carreira de um futebolista. No caso de Johannes Johan Neeskens não há dúvidas: o penálti marcado pelos Países Baixos na final do Mundial de 1974 frente à Alemanha. Os germânicos até viriam a dar a volta, vencendo por 2-1 e erguendo o troféu, mas este terá sido o único Campeonato do Mundo em que o vencido ficou mais famoso que o vencedor.

Aquele penálti representou a afirmação de um futebolista que era muito mais que um médio robusto e simultaneamente inteligente: foi ele, e não o Johan principal (Cruyff) a assumir a responsabilidade, a confirmação de um estatuto muito superior ao cognome Johan II que recebeu no Barcelona, onde esteve cinco anos (1974 a 1979), coincidindo em quatro com genial compatriota.

Neeskens morreu ontem, aos 73 anos, de causas por apurar, na Argélia, no âmbito do programa World Coaches, com a missão de levar conhecimento a zonas do globo mais carenciadas. Fazia parte do projeto desde 2012, em representação da Federação Neerlandesa de Futebol, entidade responsável pela divulgação da má notícia: «No campo como jogador e depois como treinador, Neeskens ficou conhecido pela sua tenacidade. Mas quem o conheceu bem teve a sorte de ver um cidadão do mundo e um homem de família gentil.» Van Wolfswinkel, antigo avançado dos leões, fazia parte dessa família -  Johan era seu sogro.

Neeskens deixa um legado enorme: foi considerado um dos melhores jogadores neerlandeses de sempre e lembrado como uma lenda do Ajax  e do Barcelona. Pela equipa de Amesterdão venceu três Taças dos Campeões Europeus (em quatro anos foram 10 o total de títulos) e nos catalães uma Taça das Taças (1978), feito à data celebrado como uma Champions devido à menor dimensão europeia à época dos blaugrana.

Mas foi esse tempo que deixou marca indelével  no futuro: o Futebol Total de Rinus Michels criado no Ajax e posteriormente transferido para a seleção (a tal que ficou famosa: porque pode ter perdido um jogo mas ganhou o respeito mundial por inventar um novo conceito, mesmo que tenha perdido também em 1978, na Argentina) foi exportado para a Catalunha. Cruyff trataria mais tarde do resto, revolucionando a cultura do clube e influenciando todo o futebol do século seguinte.

CONTRA O FUTEBOL MODERNO

Apesar de ter ganhado menos no Barcelona do que no Ajax, foi na Catalunha que criou muitas raízes, embora a sua saída da Catalunha não tenha sido a mais airosa: rezam as crónicas que Neeskens recebeu guia de marcha porque um dia se recusou a passar o... papel higiénico ao mítico presidente Josep Lluis Núñez numa altura de aperto do dirigente.

Regressaria 30 anos depois, como adjunto de Frank Rijkaard, momento que viria a marcar a história do clube: primeiro, pela conquista da segunda Champions do Barça, em 2005/2006 (a primeira fora com Cruyff no comando técnico, em 1991/1992); depois, pelo lançamento de um jovem da cantera de la Masia chamado Lionel Messi. «Isso é algo que nunca irei esquecer», dizia, com a mesma nostalgia com que recordava os sete anos passados ao lado de Johan I.

Tempos que o próprio considerava que nunca se iriam repetir, nomeadamente a possibilidade de um clube como o Ajax poder voltar a ganhar uma Liga dos Campeões. «Isto mudou muito, dentro e fora de campo», lembrava, apontando as diferenças entre os mais e menos abastados, sucedendo o mesmo nas bancadas com os preços que impedem o «futebol das famílias». O futebol popular, como ficou conhecido no século XX, morreu. E ontem desapareceu mais um dos seus grandes intérpretes.