“Vamos dar este passo pois, neste momento, vemos uma disputa dos campeonatos por empresas, por grupos investidores e, portanto, corremos o risco de ficarmos muito dependentes desse tipo de iniciativas e investimentos que podem acontecer.” As declarações são da autoria de Rui Alves, um dos decanos líderes do futebol em Portugal: com o findar de Pinto da Costa, ficou como o mais longevo presidente de clube no país, já lá vão 31 primaveras de reinado decepado apenas, e provisoriamente, em 2014, durante um ano, quando se demitiu do leme do Nacional para se candidatar à chefia da Liga.

Salvo essa interrupção, desde 1994 que o engenheiro de profissão é a cara diretiva do clube com casa na Choupana, no alto da ilha da Madeira onde o teimoso nevoeiro se faz de visitante frequente. Rui Alves está a negociar o que a 21 de abril será levado a votação aos sócios alvinegros: vender 60% da SAD do Nacional à ACA Football Partners, uma empresa da Singapura, por 13 milhões de euros, ‘entregando-lhe’ a posição maioritária no capital da sociedade que gere o clube. A ser aprovado, o negócio “fará toda a diferença”, defendeu o presidente ao “Jornal da Madeira”, esta quinta-feira.

Há números que secundam a lógica estimada por Rui Alves. Entre os 18 clubes que jogam esta época na I Liga, apenas um, o Estrela da Madeira, tem um plantel com valor de mercado inferior ao do Nacional da Madeira: o portal “Transfermarkt” avalia a equipa da Reboleira em 15,2 milhões de euros, colocando os madeirenses nos €16,7 milhões na estimativa, simplificando, que tem em conta o ponderado o preço justo de cada jogador. O Estrela difere do Nacional no essencial do raciocínio da pessoa com maior duração na liderança de um clube - 90% da sua SAD é detida MYFC, uma empresa estrangeira, da área da tecnologia, que tem o antigo jogador Patrice Evra como o investidor mais famoso.

As SAD abertas ao estrangeiro

À semelhança de Benfica, Sporting e FC Porto, os ditos grandes do futebol nacional que mais lucram com receitas de direitos televisivos, mais vezes vão ao pote dos prémios das competições europeias, mais interesse geram e maiores receitas de bilheteira usufruem, e por aí fora, o Nacional não possui investimento estrangeiro na sua SAD. Sem dispor dos recursos dos três papões da bola em Portugal. Mas vários são os clubes do principal campeonato com presença estrangeira na sua SAD.

Logo abaixo do trio que mais adeptos arrasta, 29,60% do capital social do SC Braga pertence à Qatar Sports Investment, o dono do Paris Saint-Germain conhecido por os seus bolsos endinheirados não parecerem ter fundo. E a SAD do Vitória tem 29% das suas ações nas mãos da V Sports, um fundo presente também no Aston Villa, da Premier League, mas cuja relação com o clube vitoriano chegou a estar bloqueada pela UEFA e daí a presença da empresa ter sido reduzida dos iniciais 46%.

Por aí abaixo na tabela do campeonato, os exemplos sucedem-se: 85% da SAD do Famalicão é da israelita Quantum Pacific Group; 80% das ações do Rio Ave são posse de Evangelos Marinakis, dono do Olympiacos e do Nottingham Forest; o Estoril Praia é gerido pelo MSP Sports Capital, um fundo norte-americano, desde 2019; o Boavista tem Gérard López como acionista maioritário e o Casa Pia tem como acionista maioritário a MSD Capital, empresa de Robert Platek, igualmente dono do italiano Spezia. Bruno Vicintin, um empresário e engenheiro brasileiro, comprou 55,8% das ações da SAD do Santa Clara, em 2022; um compatriota seu, Rubens Takano Parreira, é o dono da imberbe AVS SAD.

Desta proliferação vem a “disputa dos campeonatos por empresas” designada por Rui Alves. Ainda estranhos a investimento de empresas vindas de fora estão Benfica, Sporting e FC Porto, depois o Gil Vicente, o Moreirense, o Arouca, o Farense e, talvez por pouco tempo, o Nacional. Por enquanto, pois as notícias de potenciais interessados ou sobre supostas negociações já rondam quase todos estes clubes.

Os sócios do Nacional já foram chamados a comparecer, a 21 de abril, a uma assembleia-geral convocada para votar a entrada da ACA Football Partners na SAD. O grupo tem sede em Singapura, o seu CEO chama-se Hiroyuki Ono e nas redes sociais dedica-se a partilhar publicações do Torremolinos ou do Charlon, respetivamente clubes da 4.ª divisão espanhola e da 3.ª inglesa que são propriedade da empresa. E do seu objetivo, traçado no site oficial: “Formar uma ‘multi-club ownership’ para ligar a Ásia e a Europa.” Lá apresenta como prioridade “construir fundações para o crescimento sustentável dos clubes” que detém “enquanto simultaneamente desbloqueia o potencial das equipas e das comunidades”.

O contrário do que parece ter feito na Bélgica. Em novembro último, a ACA Football Partners anunciou a venda da sua posição acionista no KMSK Deinze, clube então a competir na 2.ª divisão do país - um mês volvido, um tribunal de Gent decretava a sua falência, em plena temporada. A “RTBF”, um canal de televisão belga, noticiou que a empresa já deixara de “contribuir para o orçamento em setembro”, deixando o clube numa situação que o investidor seguinte, ao qual vendeu a sua participação na SAD, foi incapaz de resolver. A existência do Deinze cessou assim, a meio da época.

E é na direção da ACA Football Partners que Rui Alves, presidente do Nacional, pretende dar um passo.