Um Benfica de alta rotação vergou o Atlético Madrid com um 4-0 na noite desta quarta-feira, na segunda jornada da fase regular da Champions League. Na Luz, com mais de 62 mil nas bancadas, os encarnados rubricaram a melhor exibição na era Bruno Lage, num encontro onde o Atlético Madrid nunca esteve sequer em condições de discutir os três pontos.
Este era, na minha opinião, o segundo grande teste de Bruno Lage, uma vez que já tinha escrito aqui que o primeiro tinha sido frente ao Estrela Vermelha, por diferentes motivos, mas sobretudo pelo ambiente que se costuma viver em Belgrado e pelo facto de, até então, a equipa sérvia não perder um jogo oficial em casa desde 2023, tendo apenas perdido, na altura, com o Manchester City.
Ora, sendo assim, este era o segundo grande teste do técnico de 48 anos, depois do regresso ao Benfica, após o despedimento de Roger Schmidt, tendo pela frente um Atlético de Madrid de altos e baixos La Liga, onde é o atual quarto classificado, com quatro vitórias e quatro empates em oito rondas já disputadas.
Mas é por Roger Schmidt que eu quero começar a falar do jogo: duas das piores marcas do final do técnico germânico foram a inflexibilidade tática e a dificuldade em gerir Di María. A verdade é que, neste jogo com o Atlético, Lage marcou a diferença em ambos os aspetos: desenhou um plano com nuances — múltiplas funções para Carreras, Aursnes ou Aktürkoğlu — e não eternizou Di María, sacando o máximo de rendimento do jogador.
Quanto aos onzes, o regresso de Alexander Bah promoveu o também regresso de Tomás Araújo ao centro da defesa, relegando assim António Silva para o banco, no 4-2-3-1 de Bruno Lage. Le Normand era um dos ausentes no lado “colchonero”, devido a lesão, no 3-4-3, facilmente maleável e camaleónico para um 3-4-2-1, de Diego Simeone, que dava muita mobilidade a Ángel Correa, Antoine Griezmann, Julián Álvarez, os homens da frente. Destaque, ainda. para o regresso de Jan Oblak e Axel Witsel à Luz, eles que jogaram no Benfica, tal como Reinildo, que atuou na equipa B dos encarnados. O moçambicano fazia a ala esquerda dos espanhóis juntamente com Samuel Lino, antigo jogador do Gil Vicente.
Os primeiros instantes do jogo permitiram perceber desde logo que o Benfica não iria oferecer a iniciativa ao Atlético de Madrid, colocando as linhas bastante subidas e apresentando uma reação à perda de bola que encaixava com uma pressão alta muito eficaz e neutralizava o adversário. Os encarnados poderiam ter inaugurado o marcador ainda dentro dos dez minutos iniciais, com Vangelis Pavlidis a rematar contra Witsel para depois cabecear para uma enorme defesa de Oblak, e o golo acabou mesmo por aparecer.
Ainda dentro do primeiro quarto de hora, a pressão alta do Benfica deu frutos. Os encarnados recuperaram a bola em zona adiantada e Fredrik Aursnes aproveitou a desorganização defensiva dos espanhóis para encontrar Aktürkoğlu à entrada da grande área: o turco recebeu, enquadrou-se e atirou rasteiro na cara de Oblak para voltar a marcar. De forma natural, os “colchoneros” procuraram reagir ao golo sofrido, com o Benfica também a juntar os setores, e Samuel Lino assustou com um remate à meia-volta que saiu ao lado.
Contudo, as águias queriam mostrar que a chama do primeiro quarto de hora não foi mero fogo de vista. O Atlético, experiente nestas andanças, tentou agigantar-se e responder no outro lado do campo, mas a equipa de Lage esteve sempre mais confortável (e, sobretudo, competente) que a de Simeone. Além do plano do treinador, valeu o dinamismo de jogadores como Álvaro Carreras (brilhante exibição) e Aursnes, que permitiram à equipa respirar e subir por ambos os corredores. Aliás, permitam-me destacar a forma como Carreras evolui desde a época passada: dá conforto em zonas de construção, sai de cabines telefónicas e ajuda à frente, acumulando ações repletas de requinte técnico. No entanto, este também foi um jogo de afirmação do ponto de vista defensivo.
Continuando, os encarnados construíam a três, com Bah a subir na direita assim que a equipa tinha a bola e Álvaro Carreras a ficar mais fixo perto de Otamendi e Tomás Araújo, funcionando praticamente como terceiro central e oferecendo multiplicidade de saídas. Aktürkoğlu tinha claras missões defensivas, para ajudar o lateral espanhol a controlar as subidas de Marcos Llorente, e Aursnes era o responsável pelo apoio a Bah no lado contrário, libertando, soltando Di María e pressionando Samuel Lino, que foi o elemento mais esclarecido do Atlético de Madrid durante a primeira parte.
Diego Simeone foi forçado a mexer à passagem da meia-hora, trocando o lesionado Llorente por Molina, e Lino ficou muito perto de empatar com um cruzamento que saiu muito puxado à baliza e acabou por bater na barra de Trubin. Já nos descontos, apesar de os colchoneros terem beneficiado de um período de maior domínio na ponta final da primeira parte, Pavlidis esteve muito perto de aumentar a vantagem ao acertar no poste na cara de Oblak.
Ao intervalo, Diego Simeone fez três substituições e tirou Koke, De Paul e Griezmann para lançar Conor Gallagher, Sørloth e Javi Serrano, mudando por completo o meio-campo e colocando um avançado de maior propensão para a exploração da profundidade. Com menos de dez minutos disputados, porém, o cenário ficou ainda melhor para o Benfica: o árbitro da partida foi chamado ao VAR para analisar um lance entre Giménez e Pavlidis na área, assinalou grande penalidade e Di María, na conversão, aumentou categoricamente a vantagem.
A pressa de chegar ao golo roubou discernimento ao Atlético Madrid, uma equipa partida entre os que atacavam e os poucos que defendiam. Muito espaço aproveitado pelo Benfica para contra-atacar. Enquanto pôde, foi valendo Oblak a travar as imensas investidas encarnadas.
Ainda assim, notava-se que era uma questão de tempo até aparecerem mais golos na Luz. Como é óbvio, nada do que acontecia era do agrado de Simeone, que, para esgotar as substituições, fez entrar Giuliano Simeone para o lugar de Julián Álvarez. Pergunto-me, até, como é possível ver Diego Simeone a perder em todos os parâmetros e estatísticas técnico-táticas e a substituir Rodrigo De Paul, Griezmann e Julián Álvarez. Tirar de campo todos os jogadores que podiam oferecer algum tipo de pensamento diz o essencial sobre o trabalho do treinador. Já não é, há muito, por falta de investimento no plantel, muito pelo contrário, diria, até.
Por outro lado, Bruno Lage, muito enérgico no banco, sentia que o jogo estava controlado, mas que era preciso algo mais na frente, pelo que retirou Di Maria, Pavlidis e Akturkoglu para lançar Rolheiser, Amdouni e Beste.
Assim, Bah ainda foi a tempo de marcar, cabeceando ao segundo poste na sequência de um canto cobrado pelo lateral alemão, aos 75 minutos. Já perto do fim e com os “colchoneros” completamente derrotados e perdidos em campo, depois de Reinildo (muito castigado, sempre apenhado em inferioridade) fazer falta sobre Amdouni na área, Kökçü converteu mais um penálti e fechou a goleada. Bruno Lage ainda lançou António Silva e Leandro Barreiro, colocando Tomás Araújo na direita, e já nada mudou até ao fim, ainda que, a fintar os cacos da moral do Atlético Madrid, Rollheiser ainda tenha acertado na barra.
O Benfica goleou o Atlético de Madrid na Luz, impondo a primeira derrota da temporada aos espanhóis, e leva agora duas vitórias em duas jornadas da Liga dos Campeões. Numa noite europeia perfeita, Bruno Lage passou com distinção neste tal segundo grande teste desde que substituiu Roger Schmidt e, entre exibições memoráveis de Álvaro Carreras, Aursnes ou Aktürkoğlu, mostrou que o segredo esteve na importância de perceber que era crucial não dar um centímetro de espaço à equipa de Diego Simeone, até porque o Benfica não precisava de treinador para vencer a maior parte dos jogos, mas, isso sim, para não ser anticompetitivo contra adversários do mesmo nível.