

Nem só dos melhores jogadores do mundo se faz o circuito masculino do ténis. Este ano de 2025 tem sido pródigo em histórias absolutamente dignas de um conto de fadas. E a primeira semana de Abril não fugiu à regra com dois novos campeões de torneios ATP: o italiano Flavio Cobolli e o norte-americano Jenson Brooksby.
Este ano já assistimos por exemplo à erupção do jovem brasileiro João Fonseca (vencedor do torneio Next Gen de apenas 18 anos e que já ganhou o seu primeiro título no ATP 250 de Buenos Aires) e a quem se auspicia um futuro brilhante, e à ainda mais extraordinária vitória e igualmente primeiro título da carreira do checo Jakub Mensik (de apenas 19 anos), derrotando na final do Masters 1000 de Miami o campeoníssimo sérvio Novak Djokovic.
No caso de João Fonseca, o brasileiro conseguiu ganhar o seu primeiro título em plena capital argentina, derrotando quatro argentinos (!) pelo caminho, não tendo acusado a pressão de jogar em solo rival e de ter a generalidade do público contra si.
Na semana seguinte, no ATP 500 do Rio de Janeiro, acusou claramente os nervos fruto da sua juventude e de toda a pressão que foi exercida sobre si por todo o público brasileiro, não soube gerir as expectativas, e foi eliminado precocemente na primeira ronda, aos pés de um inspiradíssimo francês Alex Muller.
No caso de Mensik, o tenista checo esteve perto de desistir (!) antes do seu jogo da primeira ronda no Masters 1000 de Miami, e acabou ganhando o torneio (seu primeiro título da carreira, impedindo o 100º da carreira do seu mestre Djokovic).
Num percurso absolutamente sublime, derrotou jogadores da craveira do britânico Jack Draper (vencedor este ano do Masters 1000 de Indian Wells), do talentoso francês Arthur Fils, do número um norte-americano Taylor Fritz (top 5 quando se defrontaram) e terminando com uma exibição sumptuosa na final contra o já citado Djokovic.
Nesse torneio, Mensik ganhou todos os tie-breaks disputados, tornando-se o primeiro jogador da história a ganhar todos os tie-breaks disputados num torneio de categoria Masters 1000, demonstrando todo o seu talento e autênticos nervos de aço.
As histórias de Cobolli e Brooksby são absolutamente surreais e igualmente impactantes. Quando entrou no quadro principal do ATP 250 de Bucareste, o jovem italiano vinha de oito (!) derrotas consecutivas em quadros de torneios ATP.
Para termos uma noção do seu péssimo estado de forma e de confiança, Cobolli tinha ganho o seu último jogo num torneio ATP em fins de Outubro do ano passado.
De lá para cá, derrotas consecutivas em primeiras rondas. Precisando de uma grande injeção de motivação e confiança, partiu para este torneio decidido a inverter esse cenário calamitoso, e conseguiu demonstrar todo o seu talento.
A escola italiana do ténis sempre nos brindou com grandes talentos, e neste momento é bi-campeã da Taça Davis. Uma geração de grande talento, em que pontificam nomes como Lorenzo Musetti, Matteo Berrettini e claro está, o número 1 mundial Jannik Sinner.
Cobolli faz parte dessa fornada de grandes talentos do atual ténis italiano, que também dispõe de uma das melhores duplas de pares do mundo em Andrea Vavassori e Simone Bolelli.
Cobolli tem um grande futuro pela frente pois tem apenas 22 anos, mas para além de ter que melhorar na sua tomada de decisão, deve ganhar mais resistência física para poder explanar todo o seu ténis.
Tem pancadas brilhantes no seu arsenal: uma poderosa direita, excelentes amorties, consegue ser bastante sólido do fundo do court, e fez uso de todas essas qualidades para poder conquistar o primeiro título da sua carreira.
Depois de uma primeira vitória sofrida na primeira ronda, com os parciais de 6-4, 4-6 e 6-1 contra o veteraníssimo francês Richard Gasquet (que terminará a sua carreira nesta edição de Roland Garros), ganhou confortavelmente ao austríaco Misolic e ao bósnio Dzumhur. Não podemos dizer que teve um quadro muito complicado, mas confirmou o seu favoritismo e conseguiu com isso o seu lugar na final.
Na final, a tarefa era hercúlea, pois esperava-o o argentino Sebastián Baez, um dos maiores especialistas de terra batida da atualidade. Um jogador que já ganhou seis títulos em terra batida e que vinha de ser campeão do prestigiado ATP 500 do Rio de Janeiro e de fazer final no ATP 250 de Santiago.
Um jogador de baixa estatura, mas que se transcende e iguala forças quando joga neste piso, onde a frescura física, jogo de pés e a força mental são determinantes para se ser bem sucedido.
Durante esta final, cedo se percebeu o quanto Cobolli queria este primeiro título, tendo sido extremamente consistente e bastante cirúrgico nos pontos mais importantes do jogo (foram apenas três os pontos que os separaram no total).
Fazendo uso da sua variedade de jogo, conseguiu retirar da linha de fundo (habitual zona de conforto do argentino) um errático Baez, que acabou por ceder com os parciais de duplo 6-4.
O tenista argentino ainda esboçou uma reação, tendo conseguido salvar seis (!) match points e instalando certamente algumas dúvidas na cabeça de Cobolli, que viu como um marcador confortável de 5-2 com 2 quebras de serviço, se esfumava num abrir e fechar de olhos.
Servindo a 5-4 no segundo set, Cobolli conseguiu aguentar a pressão e não deu qualquer hipótese no seu jogo de serviço, fechando com um ponto sensacional, com um lob de belo efeito, aproveitando a baixa estatura do tenista argentino.
Atirando-se para a terra batida de Bucareste, festejou assim o primeiro título da sua carreira, e eu arrisco-me a dizer que caso continue a trabalhar o seu serviço e melhore a sua condição física, poderá ter sido o primeiro de uma carreira bastante interessante e muito exitosa.
https://x.com/TennisTV/status/1908867778641064400
Se a história de Flavio Cobolli é digna de todos os elogios, esgotam-se-me as palavras para falar daquilo que Jenson Brooksby conseguiu no ATP 250 de Houston, igualmente disputado em terra batida.
E a sua história de vida deve ser sempre enaltecida e destacada. Brooksby nasceu com autismo e aos 4 anos não dizia uma única palavra. Essa condição neurológica não o impediu de lutar pelo seu sonho e se tornar tenista profissional.
Uma lição de vida e a prova de que tudo é possível se acreditarmos e trabalharmos para fazermos as coisas acontecerem.
Em Houston, começou por jogar a fase de qualificação porque recebeu um convite da organização. Entrou no torneio como número 507 (!) do mundo e acabou vencendo o primeiro título da sua carreira de forma brilhante.
Com essa classificação à entrada para o torneio, tornou-se no terceiro campeão ATP com pior ranking da história e o primeiro jogador a vencer o torneio de Houston vindo da fase de qualificação.
Em Julho de 2023, a carreira de Brooksby (que chegou a estar no top 40 mundial e que já havia jogado 3 finais em torneios ATP), sofreu um duro revés com uma suspensão de 18 meses por ter falhado três testes anti-doping.
Essa suspensão foi eventualmente reduzida para 13 meses e levantada em Março de 2024, mas essa suspensão, surgiu após uma grave lesão no pulso direito, que fez com que Brooksby ficasse sem competir por mais três meses, tendo reaparecido no início deste ano no Open da Austrália, onde veio a ser facilmente derrotado pelo seu compatriota Taylor Fritz.
O percurso de Brooksby foi ainda mais sinuoso do que o de Cobolli. Salvou match points em três jogos da sua caminhada até ao triunfo final. O primeiro jogo no qual teve de o fazer, foi na sua primeira partida da fase de qualificação contra o argentino Federico Gómez.
Ultrapassou a fase de qualificação depois de ter ganho o seu último jogo dessa fase de uma maneira mais tranquila o seu compatriota Patrick Maloney.
Já dentro do quadro principal, Brooksby derrotou na primeira ronda o japonês Taro Daniel em dois sets relativamente fáceis (por duplo 6-4) e nos oitavos-de-final demonstrou que já estava perto de atingir um nível condizente com o seu talento, obtendo uma excelente vitória diante do chileno atual top 30 mundial Alejandro Tabilo (salvando três match points pelo caminho) ao fim de quase três horas de jogo.
Essa vitória foi importantíssima para aumentar os índices de confiança de Brooksby e para que entendesse que ainda era possível voltar ao seu melhor nível, e que conseguia competir com jogadores do top 50 mundial.
Nos quartos-de-final, recuperou de set abaixo para ganhar ao igualmente americano Kovacevic, com os parciais de 2–6, 6-3 e 6-4, sendo que o esperava nas meias-finais o primeiro cabeça-de-série do torneio e recentemente top 10 mundial Tommy Paul.
Tommy Paul é um jogador fantástico, com uma direita muito potente e um grande serviço, mas Brooksby com a sua capacidade de se aguentar em longas trocas de bola e com o seu estilo counterpuncher (termo usado na gíria do ténis para um jogador que passa rapidamente da defesa para o ataque, aproveitando a potência da bola do adversário), conseguiu desmontar o jogo de Paul e acabou por levá-lo de vencida ao cabo de quase três horas de jogo, e salvando novamente um match point.
Brooksby chegava assim à sua primeira final ATP ao fim de mais de dois anos, e quando muitos (e provavelmente o próprio Brooksby), já pensariam que seria bastante difícil conseguir voltar à ribalta e poder lutar por títulos.
O estilo de Brooksby é muito peculiar, não tem uma pancada que defina o seu jogo. Não tem um grande serviço, mas sabe usá-lo de uma forma eficiente, não tem um grande jogo de rede nem uma grande técnica, mas defende-se muitíssimo bem, e é extremamente inteligente em campo, fazendo uso da profundidade da sua bola e belíssima resposta ao serviço.
Essas características fizeram com que conseguisse derrotar de forma inesperadamente fácil o sempre entusiasmante mas igualmente irregular Frances Tiafoe, numa final não muito bem jogada, nomeadamente por Tiafoe.
Brooksby podia inclusive ter resolvido o primeiro set mais cedo, pois esteve a ganhar por 4-0 com duas quebras de serviço acima, mas deixou essa vantagem escapar e Tiafoe ainda conseguiu equilibrar a contenda fruto do seu enorme talento.
Sem tantos momentos de desconexão, Tiafoe tem tudo para ser top 10 mundial e poder disputar os títulos mais importantes, mas é de uma inconsistência e indolência que chega a desconcertar os espectadores, irritando os adeptos presentes e os que o vêm pela televisão, como é o meu caso.
Aproveitou isso mesmo Brooksby para quebrar novamente o serviço do seu conterrâneo e vencer o set por 6-4. O segundo set foi uma mera formalidade para o renascido Jenson Brooksby, que sem ser brilhante, foi mais sólido nos seus jogos de serviço e respondeu muitíssimo bem ao serviço de Tiafoe, sendo agressivo e jogando de forma muito profunda nos seus jogos de serviço.
Brooksby conseguiu confirmar a quebra de serviço conseguida no sexto jogo do segundo set e adiantar-se para 5-2, colocando toda a pressão no experiente mas desinspirado Tiafoe, que parece que só se exibe ao melhor nível em torneios Masters 1000 e do Grand Slam.
Brooksby conseguiu quebrar o serviço de Tiafoe e beneficiando de mais um erro não forçado do seu compatriota, conquistou dessa forma o primeiro título da sua carreira.
Uma vez ultrapassado o cabo das tormentas, certamente que o ano de 2025 será o começo de uma segunda carreira de Brooksby, que necessitava deste título para confirmar tudo aquilo que sempre se esperou dele, quando irrompeu pelo ténis mundial no ano de 2021, tendo atingido a 4ª ronda do Open do Estados Unidos, vendo esse percurso fantástico apenas interrompido por Novak Djokovic, que viria a ser finalista desse torneio depois de ter ganho os restantes 3 Grand Slam nesse ano.
Tem apenas 24 anos e ainda vai muito a tempo de aumentar o seu palmarés, e de se tornar um jogador bastante incómodo e perigoso para os melhores jogadores do mundo.
Tanto Cobolli e Brooksby são lufadas de ar fresco e a prova de que o ténis está bem e recomenda-se.