Stuart Baxter chega ao Bessa para arrebitar o Boavista na classificação e fugir ao último lugar da Primeira Liga. Restam-lhe apenas cinco jornadas para o conseguir, sendo que o primeiro lugar de salvação direta está à distância de oito pontos. O play-off é outro caminho para a sobrevivência, mas também essa opção está a cinco pontos. Quanto ao que falta jogar, os axadrezados ainda vão encontrar dois adversários diretos, Farense e AFS. No entanto, os remanescentes encontros são diante de FC Porto e Sporting.

O treinador de 71 anos parece ter o caminho para a manutenção planeado com base em “estacionar muitos autocarros”, assim explicou ao jornal sueco “Sportbladet”. “Veremos se o Gyökeres consegue trepá-los.” Admite que não pode “entrar e mudar muitas coisas”, apenas alguns “detalhes táticos importantes”.

Ao longo de uma carreira a celebrar 40 anos, iniciada no Orebro SK da Suécia, Stuart Baxter terá adquirido capital humano suficiente para provocar no Boavista o efeito de uma manobra de reanimação. Em 2023, fez o mesmo com o Helsingborgs IF. À quinta jornada, a histórica equipa do país nórdico não tinha qualquer vitória na Segunda Divisão. Foi nessa altura que Baxter foi contratado, entrou em ação e conseguiu o primeiro triunfo de uma permanência custosa no escalão.

Ganhar a um dos primeiros classificados, o GAIS, com poucos dias de treino, Baxter relembrou os tempos de selecionador nacional, papel que desempenhou na Finlândia, na África do Sul e em Inglaterra (sub-19). Nessa altura, “só tinha os jogadores durante seis dias antes de uma partida muito importante”, o que o obrigou a ser um “atirador de elite” para não perder o escasso tempo de preparação com excrescências. Ainda assim, nessa mesma conferência de imprensa disse confiar no tempo: “Buda disse que o sucesso é como lamber mel de uma espada afiada. Se lambermos muito e muito rápido, cortamos a garganta.”

picture alliance

A língua aguçada a certo ponto influenciou-lhe o rumo da carreira. Em 2021, quando estava no Odisha FC, foi despedido devido a declarações que o clube indiano considerou “completamente inaceitáveis”. “Não sei quando vamos ter um penálti. Acho que um dos meus jogadores teria que violar alguém ou ser ele próprio violado se quisesse ter um penálti”, disse o treinador numa entrevista ao canal Star Sports.

O Boavista é a 18.ª equipa de Stuart Baxter, escocês que passou por nove países e três continentes desde que é treinador. “Talvez seja uma ego trip.” Junto do “The Guardian”, refletiu sobre a sua queda para o nomadismo e por aceitar os trabalhos que ninguém quer. Na primeira passagem pela seleção da África do Sul, foi-lhe altamente recomendado por Carlos Queiroz, seu antecessor, que não aceitasse o projeto. “Há veneno ali e talvez estejas a saltar para lá”, terá dito o português de acordo com a publicação britânica. Confirmou-se. Nessa altura, em 2004, Baxter dava treinos em campos com a relva a 1,20m e balizas sem postes.

O primeiro contacto que Stuart Baxter teve com Portugal deu-se ainda na década de 80, quando foi adjunto de Malcom Allisson no Vitória FC, de Setúbal, que tinha nomes como Manuel Fernandes ou Rui Jordão. Mais tarde, talvez tenha sido uma visita ao Porto que lhe salvou a vida. Era ele quem orientava o Vissel Kobe, em 1995. Habituara-se a sentir a terra fazer-lhe cócegas nos pés durante os treinos. Porém, a 17 de janeiro desse ano, as turras entre as placas tectónicas provocaram mais de 300 mil desalojados e 6.434 mortos. Nunca se saberá o que podia ter acontecido a Stuart Baxter se não estivesse em Portugal, como conta o “Daily Mail”, a negociar a contratação de Ziad, avançado tunisino que pertencia ao Vitória SC, de Guimarães.

Etsuo Hara

No Bessa, Baxter terá um plantel que se juntou para uma espécie de blind date. Desbloqueado o impedimento de inscrever jogadores, o Boavista contratou dez jogadores que estavam livres no mercado. Mesmo sem a química ideal, construída através de uma época inteira a competir lado a lado, as panteras conseguiram desde aí duas das quatros vitórias que têm no campeonato e venceram em casa pela primeira vez na época.

Será difícil que aos adeptos seja servido um futebol com purpurinas. Aliás, se assim fosse, talvez o eleito para suceder a Lito Vidigal fosse outro. Num dos maiores sucessos da carreira, Stuart Baxter conseguiu a proeza de ser campeão sueco com o AIK, em 1998, com um ataque subnutrido: 25 golos, o pior do campeonato.

Não foi fácil convencer os adeptos do AIK. O arranque enferrujado, que incluiu um período de sete jogos sem ganhar, valeram-lhe ameaças e os filhos foram perseguidos na escola. Por precaução, recambiou a mulher para uma zona remota no sul da Suécia para a manter protegida.

Foi na capacidade defensiva que baseou os êxitos. Nessa mesma temporada, não concedeu mais do que 15 golos. Do mesmo modo, quando conquistou duas vezes o campeonato sul-africano com os Kaizer Chiefs, sofreu apenas 21 e 14 golos, em 2012/13 e 2014/15, respetivamente.

É filho de pais escoceses, apesar de ter nascido em Wolverhampton. Quando lhe perguntam a nacionalidade, responde o seguinte: “Se me chamam para um emprego na Escócia, dizem que sou escocês. Se me chamam para um emprego em Inglaterra, dizem que sou inglês. Eu chamo-me a mim mesmo europeu.” Nunca teve oportunidade de treinar na Premier League e disse ao “The Guardian” que é porque em Inglaterra não o veem como um “estrangeiro exótico” ou “um grande cavaleiro inglês numa armadura brilhante”.

“Noutros lugares sou exótico e atraente, mas em casa não sou.”