Não haverá muito para salvar nesta época do FC Porto (embora o mau possa sempre ser pior), mas enquanto houver uma bola, uma baliza e um talento, algo mágico pode acontecer. O minuto 5 do Casa Pia-FC Porto, jogo absolutamente pouco memorável, entrará num qualquer panteão de grandes momentos desta I Liga. Porque Rodrigo Mora é puro futebol. A roleta com que tirou José Fonte, campeão da Europa, mais 24 anos em cima, da jogada; como, em esforço, ainda conseguiu rematar para o golo valerá, por si só, a vitória suada do FC Porto por 1-0, voltando assim a equipa de Martín Anselmi aos triunfos, depois do copioso clássico da última jornada.

Não consta que Zinedine Zidane saiba onde é Rio Maior, mas o seu espírito esteve ali presente, na técnica do miúdo, casada com a ousadia quase insolente de quem sabe pintar um quadro com as chuteiras. O pé resvalando na bola, os olhos postos na baliza, o adversário derrotado perante o impossível. A melhor homenagem àquele por quem no início do jogo se fez um minuto de silêncio: Rodrigo Mora até pode não vestir as cores de Aurélio Pereira, mas era por causa de meninos como Rodrigo Mora que Aurélio Pereira continuava a parar em qualquer parque onde visse miúdos a brincarem com uma bola.

Num mundo de analytics, data, e outros termos em estrangeiro, Mora é rua, é descaramento, é desplante.

E enquanto houver Rodrigo Mora há esperança para o FC Porto, ferido de morte há uma semana em pleno Dragão, levantado do chão por um miúdo de 17 anos que não quer olhar para o passado. Será à volta dele que este FC Porto terá de se reconstruir.

Nunca o Casa Pia-FC Porto chegou a níveis minimamente parecidos à zinedinezidanice que Mora fez naquele curto espaço na área casapiana, mas houve uma reação pós-clássico. Depois de um primeiro lance de perigo da equipa da casa, fruto da linha defensiva muito subida, pronta a arriscar, o FC Porto partiu para uma 1.ª parte interessante, com muita chegada à área do adversário, aproveitando também o espaço dado pelo Casa Pia, bem atacado pelos dragões.

Gualter Fatia

As boas movimentações em organização defensiva, algumas delas seguramente de cunho de treinador, não encontraram, no entanto, um casamento perfeito na hora da finalização. É como se faltasse a este FC Porto a frieza das equipas verdadeiramente poderosas, alguém que se aferre à jogada e a leve até ao fim. Mais talento, porque Mora só há um, e mais qualidade. E sem marcar nos vários lances que construiu na 1.ª parte, o FC Porto foi para a 2.ª vulnerável, face ao momento do clube, face à falta de opções para manter a rotação.

As saídas de Pepê e Rodrigo Mora, a meio da 2.ª parte, compreendem-se pelo esforço dispendido, mas a partir daí o FC Porto deixou de controlar o jogo com bola, como tantas vezes fez nos primeiros 45 minutos. A entrada de Samu para o lugar do titular Deniz Gul obrigou o Casa Pia a cuidados redobrados na área, mas o espanhol esteve quase sempre trapalhão. E, com o aproximar do fim do jogo, o assédio do Casa Pia à área do FC Porto tornou-se constante.

Ainda assim, faltou à equipa de João Pereira, que perdeu muita qualidade individual no último mercado, um pouco mais do que as arrancadas laterais de Larrazabal ou a luta constante de Cassiano, trabalhador nato, mas a quem falta instinto matador. A qualidade de jogo decaiu muito nos últimos 30 minutos e a roleta de Mora tornou-se quase mal empregada num jogo tão atabalhoado - mas ainda bem que existiu.