Atentar a Leandro Barreiro durante 15 minutos, no caso também o primeiro quarto de hora do jogo, é observar uma pequena contradição com pernas. Recebe um passe de costas, nos arrabaldes do meio-campo, sem parecer antes olhar à volta, e o passe de primeira que tenta dá só de raspão na bola e ela vai ter com um adversário. Depois, com a área à vista, fora do alcance dos defesas e escondido nos ângulos mortos dos médios, recolhe outro passe e tenta logo desviá-lo de calcanhar para Arthur Cabral quando sozinho estava para receber, virar-se para a baliza e decidir o que fazer à vontade. São dois exemplos de más decisões.
Pouco depois, de novo no lugar certo, posicionado onde devia, uma bonita jogada chegou a Barreiro quando ele estava de frente para a baliza, felizardo de tanto espaço, só com a linha defensiva pela frente. Mas, tão livre de vigias, não correu um pouco com a bola para tentar atrair um adversário, fixá-lo e arranjar melhores condições para dar o passe que precipitadamente tentou rasgar em Di María, intercetado por um deslizante Duplexe Tchamba que se juntou à festa das precipitações. Mas não é esse o ponto, é-o sim o que brotou no seguimento: ligado à corrente, reagindo de pronto ao corte, o jogador do Benfica atacou a ação e chegou primeiro à bola, antecipando-se ao segundo toque com que o central do Casa Pia ia sacudir a bola dali.
Foi penálti, que diligentemente e emulando o jeito de um amigo argentino seu, Ángel Di María converteu em câmara lenta (14’). Era 0-1 para o Benfica e, era aqui onde queria chegar, surgia a compensação vinda de ter Leandro Barreiro no papel híbrido onde cabe no Benfica: ser um terceiro médio, de preferência afastado das zonas onde as jogadas começam a ser pensadas, por necessidade puxado mais para a frente, nas costas do avançado. Por ali a sua energia serve na pressão alta e reação à perda; e para estar também na órbita de Di María, onde se desmarca nas costas, por dentro ou na frente do mais talentoso da equipa para dele desviar atenções. O jogo mostrava o que os encarnados ganham e perdem ao terem-no em campo.
Pouco importará a Bruno Lage, confesso admirador do luxemburguês com raízes angolanas que muito corre. O treinador há lhe elogiou a atitude, o esforço e vários atributos, como o “índice de trabalho”, que antes havia em simuladores de futebol para computador. Mas, estando em campo, destapa o Benfica noutras coisas.
Arthur Cabral já rematara um par de vezes e vestira duas cuecas a adversários no meio-campo, Aktürkoglu por sua vez dera a provar a trave à bola com uma tentativa em jeito, de primeira, como lhe é mais conveniente, a castigar um mau passe de José Fonte na defesa, quando o Casa Pia destapou as fragilidades do Benfica lá atrás - não inteiramente atribuíveis a Leandro Barreiro, só em parte justificáveis por ele.
Sendo um dos três do meio-campo, impreparado para se dar à saída de bola e de costas para quem o pressiona, a equipa tem de inventar soluções. Uma delas é pedir-lhe que arraste marcações, talvez livrar de arrelias um Florentino também pouco confortável a escapulir-se de pressão nas costas, ou tentar abrir espaços a Kökçü e mais alguém que apareça a compensar as carências de uma equipa no momento em que precisa de conviver com um adversário a chateá-lo nos primeiros passes perto da sua baliza. Aos 32’, o previsível que era a bola entrar num Di María que baixara o seu posicionamento, sem muito afinco, para receber na saída de bola, coincidiu com o murcho passe de António Silva, que foi intercetado por Beni Mukendi e sobrou para Cassiano. Com os defesas afastados para saírem a jogar, o avançado pôde ajeitar a bola de primeira à baliza para o empate. O pé direito de Tomás Araújo estava a ver tudo do banco de suplentes.
Outro susto houve, igualmente vindo de um mau passe no primeiro terço do campo - de Kökçü, para trás e quando rodeado por adversários - que originou um remate de Nuno Moreira na cara de Trubin. Ainda daria um livre a beijar a área porque Otamendi o varreu após este chutar. Por muito que durante muito tempo o Benfica tivesse gente a combinar entre linhas no ataque, juntando os extremos e Barreiro, mais Kökçü a criar superioridades dentro da passividade do bloco do Casa Pia, a equipa era frágil a sair da própria área.
Os gansos que voam há anos para longe do seu ninho em Lisboa à espera de obras mostraram, em Rio Maior, trabalho afincado do treinador. Obrigado a ficar sentado no banco por não ter o IV Nível que o deixe dar indicações nos jogos, João Pereira instrumentalizou uma equipa hábil a sair curto de trás, com os médios a darem-se ao jogo com toques certos para deixar alguém com a bola e de frente para o jogo. Uma e outra vez, o Casa Pia projetou os alas nos timings certos para ameaçarem os laterais do Benfica em situações de um para um. A primeira parte acabara com o Casa Pia a crescer.
Uma expansão confirmada, nestes moldes, na segunda. Com uma incursão área dentro, Gaizka Larranzabal ameaçou Álvaro Carreras, baralhando as coordenadas a um lateral que há dias tão norteado estivera a tratar de Lamine Yamal, do Barcelona. Duas realidades separadas por universos, mas foi de uma de várias corridas do ala basco na profundidade que surgiria o remate certeiro de Nuno Moreira, de primeira a emendar um cruzamento (60’) do homem nascido em Bilbao. Era o Casa Pia, sem nomes espampanantes, a equipa mais capaz a ligar uma área à outra.
Os do Benfica roçavam a indiferença. As receções primorosas e ocasionais passes a rasgar de Di María não sobreviveriam ao intervalo. Aktürkoglu desperdiçava bolas com passes sem nexo ou deixava as jogadas morrerem se lhe exigissem uma receção mais desafiante. Leandro Barreiro corria. Apenas o turco rendeu a guarda após o golo, deixando Andreas Schjelderup entrar em campo ao mesmo tempo que Vangelis Pavlidis, por troca com Florentino. Além de correr, Barreiro ficava para defender o meio-campo, o risco a mandar que só sobrasse Kökçü para o ajudar nessa tarefa.
O Benfica precipitou-se contra o adversário, muitos jogadores iam para a frente, às vezes todos eles a invadirem imediatamente a área quando a bola estava em Di María. Cediam a um vício antigo, banalizando o estímulo dado ao argentino para tirar um cruzamento e nada mais. Mágico sem cartola, do canhoto será sempre possível brotar um coelho da chuteira esquerda, mas é do mais previsível para os adversários o truque ser este quando a urgência aperta. Mesmo quando o desinspirado e insípido Ángel saiu, os últimos 10 minutos mantiveram a insistência dos encarnados pelo flanco direito. E o criativo, este esquálido, loiro e bem mais jovem, estava do outro lado.
Nas raras bolas que visitaram Schjelderup, o norueguês não fintou, nem encarou o adversário. Tão pouco tentou combinar com alguém. Simplesmente tentou cruzar, como à direita o fizeram Bah e Aursnes, que fez de extremo a acabar, ou ao centro o tentou Kökçü. O remetente era indiferente quando a semelhança entre todos era o cruzamento esperançoso em cair num dos dois avançados. Parecia a única forma possível de tentarem chegar à baliza. Primeiro teriam de existir na área que o Casa Pia protegeu sem grandes problemas pelos ares, com os seus três centrais - e, sobretudo, com calma.
Imune a nervos e calafrios, os serenos gansos ainda fariam o terceiro golos, já nos descontos, quando reciclaram outra bola despejada pelo Benfica para lançarem Max Svensson. O filho de andebolista esperou pela chegada de Jérémy Livolant, o carrasco que aplicou o castigo por entre as pernas do desamparado Trubin. A história fechar-se-ia pouco depois: há 86 anos (desde 1938/39), ainda o seu fundador Cândido de Oliveira cá andava, que o Casa Pia não vencia o Benfica. Outras estórias acentuaram-se também, porque desde agosto que os gansos não perdem um jogo na sua casa emprestada.
À sua o Benfica regressará cabisbaixo, com os queixos afundados no peito e não puxados acima por uma mão, como Bruno Lage, a meio da semana, instruíra os jogadores a fazerem no meio da roda que de quando em vez forma no relvado. Na ressaca da derrota contra o Barça, na Luz, gritou-lhes palavras. No esquizofrénico desfecho dessa partida da Liga dos Campeões, o treinador queixou-se da “lição cruel” aplicada pelo futebol, das injustiças cósmicas, da mão invisível que tira em vez de dar. Mas o Benfica, este sábado, perdeu porque foi pior do que o Casa Pia. E de Rio Maior saiu a jeito de poder acabar a jornada a seis pontos da liderança do Sporting.