Joan Laporta regressou à presidência do Barcelona em março de 2021, 11 anos depois do término do da sua primeira passagem (durou de 2003 a 2010). Os adeptos receberam o retornado líder de braços abertos, após viverem o ‘inferno’ com Josep Maria Bartomeu, que tratou de arruinar as finanças do conjunto catalão, além de colocar a instituição num patamar abaixo em termos de ‘status’ no futebol europeu. Embora ainda seja considerado um ‘tubarão’, o Barça passou a ser menos temido que o Real Madrid, o Manchester City ou o Bayern Munique, por exemplo. Aparentava estar a viver uma ‘milanização’, termo que se tronou popular durante a segunda década do séx. XXI.

A vitória de Joan Laporta foi esclarecedora, atingindo uma maioria absoluta (54,28%), à frente de Victor Font (29,99%) e Toni Freixa (8,58%). Acima de tudo era o triunfo do saudosismo. O dirigente levou o Barcelona à glória durante sete anos, conseguindo competir de igual para igual com o Real Madrid, sendo um dos coautores da grande etapa dos culés durante este século, sob a liderança em campo de Pep Guardiola, que no campo contava com artistas como Andrés Iniesta, Xavi Hernández, Sergio Busquets, Gerard Piqué, Carles Puyol entre muitos outros. Acima de todos, Lionel Messi. Isto sem contar com outros magos que não fizeram parte dessa geração, mas que espalharam magia pelo Camp Nou como Ronaldinho Gaúcho ou Thierry Henry.

O presidente tinha conseguido escrever uma história bonita durante sete anos e o Barcelona viveu parte da sua era dourada com o advogado no ‘poder’. Os sócios tinham a esperança que Joan Laporta conseguisse repetir o feito de 2003, onde apanhou um Barcelona igualmente numa má fase (embora não estivesse tão mal como em 2021), ainda a viver a ressaca do mandato de Joan Gaspart, que provou ser bom vice-presidente, mas um terrível presidente. Em resumo, as expetativas eram altas.

Passaram-se praticamente quatro anos desde a noite da consagração de Joan Laporta e o Barcelona não vive um domínio europeu, nem espanhol. Está até bem longe de qualquer um desses patamares, pese a conquista da Supertaça de Espanha nos últimos dias frente ao Real Madrid. O atual mandato resume-se à conquista de uma La Liga, uma Taça do Rei e duas Supertaças, um palmarés manifestamente curto, dadas as expetativas que se foram criando ao longo do tempo. Afinal, o Real Madrid continua a ser o protagonista, a equipa que triunfa internamente e externamente e que consegue contratar os jogadores que quer, sem ter qualquer tipo de problema ao nível financeiro. Há vários pontos, além destes, que podem explicar porque é que o mandato de Joan Laporta no seu global é negativo e com poucos rasgos de genialidade.

Comecemos pelo mercado de transferências, onde o Barcelona tem protagonizado mais momentos patéticos do que boas movimentações. A direção sabia plenamente que o momento financeiro da instituição não era positivo e por isso optou por aquisições a ‘custo zero’, enchendo o plantel de jogadores experientes e com um salário elevado, sendo que nem todos encaixaram na perfeição no projeto. A sua primeira grande aquisição deu-se no verão de 2021, comprando Ferran Torres ao Manchester City por 55 milhões de euros, uma verba claramente exagerada para a qualidade do internacional espanhol, que nem sequer é titular. Além do jogador formado no Valência, Joan Laporta trouxe ‘livres’ Eric García, Sergio Aguero, Memphis Depay ou Pierre-Emerick Aubameyang (este na janela de inverno). Nenhum deixou a sua marca pela Cidade Condal (Eric García ainda faz parte do plantel e Aguero sofreu um problema de saúde que levou à sua retirada). Porém, o mercado de verão de 2021 trouxe-nos um grande alerta sobre o presidente: Lionel Messi terminou contrato e rumou a Paris.

Joan Laporta não foi capaz de manter o símbolo máximo do clube, considerado por muitos o melhor do sempre e que era o protagonista da equipa há vários anos. Gostando mais ou menos do Barcelona, é obrigatório admitir que isto foi um sinal de fraqueza da instituição e acima de tudo do seu presidente, que sempre demonstrou vontade em continuar com Lionel Messi no plantel:

«(A renovação) está a progredir bem. O que é certo é que estamos muito felizes por ele. Todos os Culés, todo o Barça, toda a Catalunha e penso que todo o mundo do futebol está feliz por Messi ter ganho a Taça América. Além disso, ele mereceu-o», referiu Joan Laporta em julho de 2021. A verdade é que Lionel Messi foi confirmado no PSG a 10 de agosto. Um dos grandes objetivos do mandato caiu por terra nesse dia.

O Barcelona manteve a sua postura no mercado nas épocas seguintes, com a chegada de mais nomes sem qualidade para integrar o plantel, mas que estavam livres, como Marcos Alonso, Héctor Bellerín ou Franck Kessié. Pese este fator, há margem para elogiar as chegadas de Robert Lewandowski (acompanhado com o seu salário principesco e com tendência a aumentar de ano para ano, algo inconcebível para com conjunto em recuperação financeira) ou Raphinha.

Porém, a ‘cereja no topo do bolo’ ocorreu no verão de 2024, com a contratação de Dani Olmo. Estando já esmiuçada e bem a questão dos problemas com a sua inscrição, vale a pena olharmos para o plano desportivo. Não está em causa a qualidade do internacional espanhol, que tem uma qualidade muito acima da média e seria titular em 99,9% de todas as equipas do planeta. Até ao momento são 16 encontros, com seis golos e uma assistência. Contudo, durante todas as semanas de junho, julho e agosto, quando se falava em necessidades de mercado do Barcelona a maioria dos analistas apontava a posição de extremo esquerdo como o ‘calcanhar de Aquiles’. Dani Olmo não é extremo esquerdo.

Quem conhece a situação financeira do Barcelona sabe perfeitamente que os blaugrana apenas poderiam fazer um investimento forte no mercado. Nico Williams foi apontado desde cedo e cumpria os requisitos: jovem, fazia uma bela dupla com Lamine Yamal, aparentava ter o ADN necessário. O seu preço também era conhecido: 58 milhões de euros, o valor da sua cláusula de rescisão com o Athletic, que não iria baixar decerto as suas pretensões.

«É claro é um jogador de que gosto, e muito. Nesta altura podemos dar-nos ao luxo de contratar Nico Williams. Hoje podemos considerar uma contratação como a do Nico», admitiu o próprio Joan Laporta à Catalunya Radio em agosto de 2024.

Com isto questiono: qual a necessidade de prescindir da aquisição de Nico Williams para se investir em Dani Olmo? Deco (que também tem estado aquém enquanto diretor desportivo) defendeu a ideia de que o basco não quis rumar à Catalunha, mas se a necessidade era um extremo esquerdo, porque não se avançou por alguma das alternativas? Raphinha revelou-se um extremo esquerdo de elevada qualidade (durante a sua carreira atuou maioritariamente à direita), fazendo com que o problema fosse esquecido, mas Joan Laporta não era um mago para o saber durante o verão.

Foram investidos 55 milhões de euros para retirar Dani Olmo do RB Leipzig, para um posto em que existia Pedri (Pablo Torre e Gavi), que se adaptou muito bem ao duplo-pivot de Hansi Flick. Além disso, tocando levemente na questão da inscrição do médio ofensivo, como é que é possível realizar um investimento pesado (numa instituição em crise) num atleta que poderia rescindir quatro meses depois, caso essa fosse a sua vontade (porque todos sabíamos que Andreas Christensen ia recuperar e que o Barcelona estaria a viver o problema que o próprio criou)?

Joan Laporta está a mostrar que conta com um doutoramento em ‘empurrar os problemas para a frente’, iludindo os adeptos com o seu discurso simpático, puxando ao sentimento. Porém, nem todos são cegos, surdos e mudos e as vozes de contestação existem no seio do clube. O ‘caso Dani Olmo’ é o espelho máximo da gestão algo despreocupada da direção (mesmo com o jogador e Pau Víctor inscritos temporariamente), que é avisada todos os mercados por Javier Tebas sobre as condicionantes do Barcelona nas janelas de transferências. Quiçá se os salários dos jogadores chegados a ‘custo zero’ não ocupassem tanto espaço no orçamento, a situação seria diferente.

A formação tem sido chave no projeto do Barcelona e é de facto o melhor que se pode retirar deste mandato. Contudo, será este um triunfo exclusivo de Joan Laporta? A verdade é que os jogadores começaram a ser promovidos por parte dos treinadores, devido á necessidade de completar convocatórias. Xavi Hernández foi provavelmente o maior responsável neste aspeto, também ele produto da La Masia. Joan Laporta deixou progressivamente de apostar em atletas livres, porque os jovens da cantera conseguiam desempenhar a mesma função, com melhores resultados.

Alejandro Balde revelou-se o nome ideal para ocupar o lado esquerdo da defesa, mesmo com a presença de Marcos Alonso no plantel, acabando o experiente jogador por ser usado mais como central até sair sem glória.

Pau Cubarsí acabou por transformar-se no novo patrão da defesa com apenas 17 anos e existiam elementos mais experientes a lutarem pelo lugar. Lamine Yamal sempre se soube que era um diamante em bruto e o herdeiro (mais um) de Lionel Messi, mas pensava-se o mesmo de Marc Casadó ou Juan Bernal (lesionado gravemente)? As convocatórias do Barcelona contam com vários jogadores da formação semanalmente, mesmo que sejam para completar a ficha de jogo. Hansi Flick, tal como Xavi Hernández, verificou que a formação culé tem os elementos suficientes para montar um elenco e que as contratações, a existirem, devem ser pontuais. Possivelmente a visão de Joan Laporta e Deco era diferente, especialmente a do dirigente espanhol no começo do mandato. As bancadas do Lluís Companys vibram com o surgimento de novas promessas a cada jornada que passa e os jogadores sabem que se se esforçarem mais tarde ou mais cedo terão a sua oportunidade, como Toni Fernández, que já se estrou, com apenas 16 anos de idade.

Joan Laporta é o responsável pela contratação de Hansi Flick, que se está a revelar uma aposta certeira. Porém, é igualmente o culpado pelas saídas de Ronald Koeman e de Xavi Hernández. Se a do neerlandês tem pouca história, com o ex-Benfica a demonstrar que não tinha qualidade para estar num emblema da suposta elite, a do antigo médio deu muito que falar, com uma demissão, um retrocesso e um despedimento, que provou a pouca clareza em termos de caminho para o futuro da própria direção.

Xavi Hernández anunciou que sairia do Barcelona no verão de 2024 no dia 27 de janeiro, uma decisão que causou algum espanto no universo barcelonista, embora a equipa não vivesse uma boa fase nas competições. Contudo, depois de 13 encontros sem perder, a ideia perdeu o efeito, com o próprio Joan Laporta a ser um dos responsáveis pela continuidade do antigo internacional espanhol:

«O Conselho de Administração foi unânime em relação à sua continuidade. O Conselho de Administração e os adeptos do Barça têm plena confiança em Xavi. Manter a estabilidade de um projeto é bom», disse o próprio Joan Laporta no dia 24 de abril de 2024.

Todavia, a 17 de maio de 2024 começaram a correr os rumores de que Xavi Hernández não iria permanecer pela Catalunha, numa fase em que já preparava 2025/26. O presidente decidira abdicar dos seus serviços, após o discurso do ex-médio no encontro com o Almería:

«Penso que o Culé, o adepto do Barça, o simpatizante, o sócio tem de compreender que a situação é muito difícil, sobretudo a nível económico, para competir com os principais concorrentes, tanto do Madrid em Espanha como da Europa. Temos uma situação económica que não tem nada a ver com a de há 25 anos, quando o treinador chegava e dizia “quero este e este”. Atualmente não é assim. Não estamos nas mesmas condições que outros clubes que têm situações de fair play muito vantajosas ou uma situação económica muito melhor do que a nossa».

Joan Laporta detestou as declarações de Xavi Hernández e resolveu destituí-lo. Porém, disse alguma mentira? Parece-me que este discurso refletiu a realidade do Barcelona, embora conte com algumas palavras duras.

Xavi Hernández acabou por renunciar a parte da sua indeminização por amor àquela que foi a sua primeira casa por décadas, o que prova em parte o ponto que defendeu. Uma atitude que até poderia ser esperada, mas não deixou de ser bonita, saindo de Camp Nou sem a sua imagem beliscada, embora seja complicado voltar em breve à instituição, pelo menos para o posto de treinador.

Um outro tema que marca o mandato de Joan Laporta é a demora na reforma do estádio. O Camp Nou necessitava de uma reforma, à semelhança do que o Real Madrid fez no Santiago Bernabéu. É um facto que realizar modificações numa arena desportiva demora o seu tempo e tem os seus custos associados. Ainda assim, o objetivo da direção era ter a reforma completa a 29 de novembro de 2024, data em que o Barcelona faria 125 anos. O objetivo não foi alcançado (sendo que a culpa foi colocada na pandemia do COVID-19). Em seguida, ficou ‘prometido’ que os jogadores pisariam o relvado do Camp Nou em seguida à última jornada da primeira fase da Champions League (29 de janeiro de 2025), um prazo que me parece muito complicado de se concretizar.

Existem algumas projeções, confirmadas pela Câmara Municipal, de que o Barcelona regressará a sua casa entre fevereiro e março de 2025. Esta é a indicação que a instituição deu ao órgão. Dadas as circunstâncias podemos antever um novo adiamento e apontar o começo de 2025/26 como uma data realista.

Quem fica mal com isto tudo é a instituição, que prometera uma data que possivelmente saberia que não ia poder cumprir. Os humanos não são máquinas e é natural que haja atrasos. Assistimos a isso todos os dias, não apenas em estádios. Joan Laporta voltou a ter o mesmo comportamento que mostrou em outras áreas, o tal ‘empurrar os problemas para a frente’. A sinceridade teria sido a melhor opção, não criando expetativas nos aficionados. Seria certo que o seu discurso sofreria com críticas, mas resolver-se-ia um ponto que não deixa de ser importante. Claro que quando a bola rolar no novo relvado do Camp Nou tudo isto será esquecido, pelo menos por alguns.

Podemos concluir que os primeiros quatro anos deste mandato de Joan Laporta ficaram aquém do esperado e são vários os aficionados que deixaram de apoiar a atual direção ou que colocaram algumas reticências em manifestar o seu apoio. Existiriam mais aspetos que poderiam ser analisados como o apoio à Superliga Europeia, a possível Moção de Censura, a relação com Darren Dein, o que nos leva a questionar: será que Joan Laporta venceria Victor Font num ato eleitoral hoje em dia? Provavelmente não.

O Barcelona não deixará de ser um histórico, com capacidade para lutar por títulos, como em 2024/25, mas a sua situação está fragilizada e a sua integridade posta em causa. Joan Laporta está a ver a pouco e pouco os muitos pontos positivos da sua primeira passagem a serem apagados da mente dos aficionados. Afinal, não nos podemos esquecer que a última imagem é que fica. Resta saber qual a herança que o dirigente quer deixar a quem vier a seguir.