Agora é que vai ser. Finalmente, o Benfica tem um presidente-adepto e um treinador-adepto. A mulher do treinador é adepta, os filhos do treinador são adeptos. Suponho que o tratador de relva seja adepto. Só os adeptos é que não parecem ser muito adeptos. O adepto-adepto está em vias de extinção, substituído pelo adepto-presidente, o adepto-treinador, o adepto-CFO.
E o adepto-presidente, que passou anos a reclamar por um presidente-adepto, que sentisse genuinamente o clube, agora lamenta o sentimentalismo do presidente-adepto e sente vergonha alheia perante as emoções do treinador-adepto que está preparado para tudo, para as grandes batalhas que se avizinham, menos para que, numa conferência de imprensa, lhe falem dos filhos que, não sei se já vos tinha dito, são adeptos, ou filhos-adeptos ou adeptos-filhos.
Por falar na apresentação do treinador-adepto, a cerimónia teve qualquer coisa de fúnebre. Imagino que não tenha sido organizada pelo departamento de comunicação do clube, mas por funcionários da Servilusa. O presidente-adepto e o treinador-adepto pareceram relativamente vivos, sim, mas com a energia de um paciente que acabou de acordar de um coma prolongado. E preocupantemente chorosos, como duas pessoas a recuperar de desgostos amorosos e que juntam as respetivas infelicidades. O presidente-adepto falou dos sucessos pretéritos do treinador-adepto num tom elegíaco. Só faltou uma coroa de flores e um cartãozinho de saudade eterna. “Bem-vindo de volta, bem-vindo à tua casa”, disse o presidente-adepto, que poderia ter acrescentado, sem que se notasse uma grande diferença, “descansa em paz”.
Talvez a missão de entusiasmar os adeptos, os adeptos-adeptos, com a apresentação de um treinador nesta fase do campeonato superasse a capacidade de ilusionismo retórico. Nem que contratassem os organizadores da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos e pusessem um coro de drag queens a entoar o hino do Benfica, contratassem cuspidores de fogo e dessem palco a um diabo vermelho enfeitado com uma mitra episcopal haveria alguma comoção e entusiasmo. Mas, caramba, há mínimos. Ninguém quer ver a apresentação de um treinador, mesmo de um treinador-adepto que saiu escorraçado do clube e nunca mais ganhou nada, e imaginar que a banda sonora perfeita seria o requiem de Mozart.
Os benfiquistas desconfiam que o grande erro foi terem elegido um ídolo para presidente. Quando o presidente era sócio de outros clubes, havia sempre um escape emocional, a teoria do Cavalo de Troia: “ah, aquele bandido está ali a sabotar o Benfica”. Se ele estava lá para se servir do Benfica e não para servir o Benfica ao menos havia uma explicação racional para os erros, os negócios obscuros, as escolhas duvidosas. Mas quando a cadeira da presidência é ocupada pelo maior ídolo do clube nos últimos trinta anos, quando o amor do presidente é inquestionável e comprovado pela abundância de lágrimas derramadas, então a única explicação é a incompetência.
Durante anos, Luís Filipe Vieira foi acusado de não perceber nada de futebol. A vantagem de Rui Costa, além do benfiquismo à prova de bala, era ser um homem do futebol, conhecer o futebol por dentro, as dinâmicas do balneário, os ambientes dos grandes clubes, no relvado e nos gabinetes. Mas há perceber de futebol e perceber de futebol. Por isso Rui Costa pode saber tudo de futebol e não perceber nada de futebol. Estranho? Nem por isso. Veja-se o caso de Frederico Varandas. Em comparação com Rui Costa ou André Villas-Boas, Varandas está ao nível do indivíduo que, a assistir a um jogo, pergunta quem é a bola. No entanto, tem tomado decisões tão geniais como os passes com que Rui Costa abria avenidas nas defesas contrárias. Não saber nada de futebol também é saber de futebol. Para isso basta ser um bocadinho menos presidente-adepto e ser um bocadinho mais presidente-presidente.