Ele salta para a água e tudo parece suspender-se, o tempo e o espaço. Jincheng Guo segue como um torpedo até ao outro lado da piscina, a cabeça namorando com o limbo que separa a primeira linha da água com a superfície, sem nunca o romper, usando-o a seu favor numa aerodinâmica que parece, ao mesmo tempo, digna das mais avançadas pesquisas universitárias ou de apenas de simples estudos empíricos da escola da vida.
O atleta chinês, de 23 anos, foi uma das figuras maiores dos Jogos Paralímpicos de Paris, que terminaram no domingo. Levou para a China seis medalhas, quatro delas de ouro, nos 50m livres, 50m mariposa, estafeta mista 4x50m livres 20 pontos e estafeta livre 4x50m estilos 20 pontos - bateu ainda dois recordes mundiais individuais nas duas primeiras provas. Tudo graças a uma técnica incomum, que diz ter desenvolvido desde miúdo para agora bater recordes mundiais e ganhar medalhas na categoria S5, destinada a nadadores sem extremidades. Jincheng não tem braços, perdeu-os num acidente quando tinha apenas 5 anos.
Quando nada, Jincheng Guo parece protegido, com a cabeça como que envolta numa bolha de ar que evita a resistência frontal da água. Essa bolha só é rebentada, nas distâncias de 50 metros, para uma única respiração, antes de Guo voltar para o seu casulo aquático, para a sua técnica quase imbatível, fluída e rápida, como se fosse um míssil lançado dentro de água, constante e sem oscilações no tronco, propulsionado pela força do batimento das pernas do atleta chinês, que parecem um pequeno motor.
Depois de brilhar nos Mundiais de Manchester, há um ano, também com seis medalhas, a glória paralímpica de Guo surgiu numa categoria S5 que a China tem dominado, fazendo o pleno no pódio nos 50m livres, 50m costas e 50m mariposa masculinos. O nadador nascido há 23 anos na província de Hebei foi uma presença bem notória na Arena La Défense, de Paris, também por não usar touca - prefere rapar o cabelo antes das provas - ou qualquer fato de banho mais tecnológico, optando apenas um curtíssimo calção de banho. Como se quisesse passar uma mensagem de que não precisa de qualquer ajuda para dominar.
Herói de si próprio
Um trabalhador incansável, assim descreve Liu Zhenzhai o seu pupilo. O treinador de Guo diz que, na preparação para Paris, o atleta nadava mais de 10 quilómetros por treino e que, “apesar da alta intensidade” que colocava em cada sessão, “nunca se queixou de estar cansado”, sublinhou ao jornal chinês em língua inglesa “Global Times”. A técnica de Guo pressupõe longos segundos em apneia, com a cabeça praticamente submersa, algo que o atleta também trabalhou nos últimos anos. Ao mesmo jornal, o atleta diz que precisou de ir “até aos limites em cada treino” para conseguir estender o tempo que consegue estar debaixo de água sem respirar. “Sempre ao ponto que quase sufocar antes de voltar a respirar”, confessou.
De acordo com o diário, Guo treinava de dia na piscina e à noite trabalhava exercícios específicos de respiração, usando uma bacia cheia de água. Gradualmente, conseguiu aumentar o tempo em apneia de um minuto para quase dois, logrando também reduzir o número de respirações a cada 50 metros de três para apenas uma, maximizando, assim, a sua técnica.
Já na juventude, quando a natação passou a ser um trabalho diário e intenso, de horas e horas de dedicação, Jincheng Guo não se limitava à piscina, encontrando tempo para estudar vídeos dos melhores nadadores do mundo, sempre à procura de melhorar. Por não ter braços, foi aprendendo a usar os pés, fosse para nadar mais rápido que todos os rivais ou para as tarefas mais corriqueiras do dia a dia. “O que as mãos conseguem fazer, os pés também podem. O que os outros podem fazer, eu também posso. Quero ser o meu próprio herói”, disse Guo ao “Global Times”.