Na terceira e quarta rondas do torneio masculino do Open da Austrália, o quarteto de candidatos mais fortes à conquista do torneio (Sinner, Alcaraz, Djokovic e Zverev), confirmou o seu favoritismo, não sem que alguns deles tivessem que passar por alguns percalços.
Antes de abordar os jogos dos tenistas acima mencionados, tenho obviamente que falar sobre uma das grandes histórias desta edição do Open da Austrália. E essa grande história envolve um dos jogadores mais entusiasmantes e imprevisíveis das últimas duas décadas: o francês Gael Monfils.
Antes de defrontar Monfils na quarta ronda do Grand Slam australiano, o norte-americano Ben Shelton afirmou que o seu video favorito é um no qual se podem visualizar os pontos mais incríveis da carreira deste extraordinário jogador.
Monfils é daqueles jogadores que não deixa ninguém indiferente e que faz vibrar qualquer amante do ténis. Dispõe de uma enorme variedade de recursos e é daqueles jogadores que quando está ao seu melhor nível, garante um espetáculo inesquecível para todos os adeptos presentes nos grandes estádios a nível mundial.
Já com 38 anos e tendo jogado o seu último Open da Austrália (assumiu na conferência de imprensa posterior ao jogo com Shelton), Monfils realizou uma exibição absolutamente sublime contra o norte-americano Taylor Fritz, onde não faltaram aqueles pontos que só estão ao alcance do génio francês.
Fritz (número quatro mundial e outro dos candidatos ao título) nada pôde fazer para contrariar a qualidade de jogo de Monfils, que se exibiu a um nível estratosférico e produziu um ténis de uma qualidade e intensidade absurdas.
Nem se pode dizer que Fritz jogou mal, mas Monfils estava num daqueles dias em que tudo lhe saía, e mesmo perto da sua exaustão física, teve a capacidade de realizar pontos absolutamente inacreditáveis e de chegar a bolas quase impossíveis.
O jogo terminou com os parciais de 3-6, 7-5, 6-7 (1) e 6-4 a favor do tenista francês. A Margaret Court Arena (segundo maior estádio do complexo em Melbourne) rendeu-se totalmente ao talento de Gael Monfils, que saiu ovacionado por todos os adeptos que assistiram a uma das suas melhores exibições em torneios do Grand Slam. .
Os dois primeiros sets foram de elevada qualidade por parte de ambos os jogadores, tendo sido ambos decididos em tie-breaks extremamente equilibrados, o primeiro ganho por Shelton, o segundo por Monfils. Infelizmente o seu físico cedeu no fim do terceiro set (que foi mais uma vez decidido num tie-break) do seu encontro da 4ª ronda contra Ben Shelton e acabou por desistir no início do quarto, não sem antes deixar mais uma vez pedaços do seu enorme talento.
Ben Shelton segue para os seus segundos quartos-de-final no Open da Austrália depois de derrotar num grande encontro da terceira ronda o bronze olímpico italiano Lorenzo Musetti e vergando agora o endiabrado Gael Monfils, ganhando claramente o direito a sonhar com uma presença nas meias-finais. Defronta uma das grandes surpresas do torneio: o italiano Lorenzo Sonego.
O jogador transalpino (começou este torneio fora do top 50) tem-se exibido a grande nível, mas não posso deixar de referir que a sua progressão no torneio foi bastante beneficiada pelas eliminações prematuras de Daniil Medvedev, Frances Tiafoe, Andrey Rublev, entre outros.
Tem um mérito absoluto naquilo que tem conseguido e jogará os seus primeiros quartos-de-final contra um adversário poderoso, mas a que pode derrotar se mantiver o seu nível exibicional e se fizer um bom uso da sua diversidade de pancadas, pois tem um excelente jogo de rede e sabe quando fazer os amorties para quebrar o ritmo do adversário e desgastá-lo fisicamente.
Shelton é um poço de força, mas por vezes entra numa espiral de erros não forçados. Serão uns quartos-de-final extremamente interessantes e que irão seguramente deixar pontos de belo efeito.
Do mesmo lado do quadro de Shelton e Sonego, surgem os australianos Alex de Minaur e Jannik Sinner. De Minaur tem evoluído muito nos últimos anos e já não é apenas aquele jogador que devolve muitas bolas e o Speedy González do circuito.
Depois de uma exibição pouco conseguida frente ao argentino Francisco Cerundolo, fez uma exibição quase a roçar a perfeição contra uma das grandes surpresas da prova e um talento emergente do ténis mundial: o norte-americano Michelsen, que havia derrotado o antigo finalista do torneio Stefanos Tsitsipas e o russo Karen Khachanov.
Está a servir cada vez melhor, as suas pancadas quer de esquerda quer de direita, são cada vez mais potentes e terá o apoio massivo das bancadas no jogo contra Sinner, a quem nunca derrotou nos seus nove (!) encontros anteriores.
Sinner não se tem apresentado ao seu melhor nível, e apesar de ir vencendo os seus jogos, ainda não tem convencido. Ganhou o seu encontro de terceira ronda de forma relativamente simples contra um adversário acessível como o norte-americano Marcos Giron.
Mas no encontro da quarta ronda contra o dinamarquês Holger Rune, o italiano acusou as fortes temperaturas registadas nos últimos dias em Melbourne (mais de 30 graus e sensação térmica de mais de 40 graus no campo), e sofreu um golpe de calor, que se não fosse pelo facto do talentoso dinamarquês Holger Rune estar igualmente longe do seu melhor estado de forma, poderia ter feito com que as aspirações de Sinner fossem seriamente comprometidas.
Houve momentos em que foi notório o sofrimento em que Sinner se encontrava, quase dando a sensação de que podia desmaiar a qualquer momento, e tivesse que desistir de um torneio no qual defende o título.
Conseguiu dobrar o cabo das tormentas, Rune acusou igualmente o desgaste do seu jogo da terceira ronda contra o sérvio Kecmanovic (ganho em cinco sets, no qual o dinamarquês teve que recuperar de uma desvantagem de dois sets a um), e não conseguiu por isso mesmo aproveitar as evidentes limitações físicas de Sinner, que acabou por ganhar o encontro com os parciais de 6-3, 3-6, 6-3, 6-2.
Apesar de ser super favorito contra De Minaur, terá de jogar o seu melhor ténis para levar de vencida o tenista da casa, que quererá evitar certamente uma penosa 10ª (!) derrota consecutiva e que saltará para a pista extremamente motivado e sem nada a perder. Prevejo um encontro bastante equilibrado e decidido em pequenos detalhes.
Não haverá melhor ocasião e contexto para derrotar Sinner, e o tenista australiano está bem ciente disso. Veremos se será capaz de levar o encontro para uma batalha física, no qual as forças se equiparem.
Na parte inferior do quadro, dois dos grandes destaques do torneio têm sido o alemão Alexander Zverev (que ainda procura conquistar o seu primeiro título de Grand Slam) e o norte-americano Tommy Paul.
Zverev tem tido um percurso muito tranquilo, mas os seus adversários não tem sido de um elevado grau de exigência, fazendo com que por um lado se encontre fresco fisicamente (o que pode ser decisivo nas rondas finais), mas também ainda não foi suficientemente testado para se perceber qual é o seu atual estado de forma e se pode mesmo considerar-se um dos grandes candidatos à conquista do troféu.
Zverev é o atual número 2 mundial, tem um dos melhores serviços do circuito, é dotado de uma esquerda deliciosa e é um jogador extremamente sólido quer de esquerda, quer de direita. Perdeu um set no seu encontro de 4ª ronda contra o virtuoso francês Ugo Humbert, mas tem tido exibições dominadoras e onde se tem desgastado pouco mental e fisicamente.
Já consegue estar muito presente em longas trocas de bola e melhorou imenso o seu jogo de rede, mas continua a falhar nos momentos decisivos, como na final de Roland Garros do ano passado, onde esteve a ganhar por dois sets a um contra Carlos Alcaraz, e voltou a fraquejar, não tendo conseguido o tão ambicionado primeiro título do Grand Slam.
Já bateu várias vezes à porta da glória eterna, mas ficou sempre aquém das expectativas.
Será desta vez que quebra essa malapata e se tornará um vencedor de Grand Slam? Ténis tem mais do que suficiente para o conseguir.
Nos quartos-de-final defronta Tommy Paul, com quem perdeu nos dois encontros anteriores. Paul teve um encontro de primeira ronda duríssimo contra o australiano O’Connell, a quem apenas conseguiu derrotar ao fim de quatro horas, num encontro em que foi forçado a jogar cinco sets.
Nas rondas seguintes, defrontou um Kei Nishikori visivelmente limitado fisicamente (vinha de ganhar depois de mais uma das suas famosas reviravoltas épicas) e os espanhóis Carballes Baena e Davidovich Fokina (este igualmente limitado fisicamente depois de vir de ganhar dois encontros em cinco sets), não podem servir de barómetro para atestar as reais possibilidades de Tommy Paul poder voltar a umas meias-finais em Melbourne Park (que já alcançou em 2023).
Ainda na parte inferior do quadro, vamos ter uma final antecipada. Quando saiu o sorteio, todos os adeptos do ténis salivaram com a possibilidade de um bombástico encontro dos quartos-de-final entre o sérvio Novak Djokovic e o espanhol Carlos Alcaraz, e é isso que irá acontecer nos próximos dias.
De desfecho imprevisível mas com ligeiro favoritismo para Alcaraz, considero que será um daqueles jogos épicos. Ao seu melhor nível, Djokovic é quase imbatível nos courts de Melbourne Park e a Rod Laver Arena é o seu lugar encantado.
Ganhou o torneio por 10 (!) vezes e quer-se tornar no maior vencedor de torneios de Grand Slam, ultrapassando o recorde da tenista Margaret Court. Neste momento estão empatados com 24 Grand Slam cada um, e Djokovic está ciente de que esta poderá ser uma das suas últimas oportunidades de ganhar o tão ambicionado 25º Grand Slam, e distanciá-lo ainda mais da discussão de quem é o melhor tenista de todos os tempos.
Alcaraz chega a este encontro dos quartos-de-final pleno de confiança e bastante fresco para esta batalha, apesar de ter tido um encontro complicado de 3ª ronda contra o tenista nacional Nuno Borges (que ainda lhe conseguiu ganhar um set).
Borges exibiu-se a muito bom nível e obrigou Alcaraz a jogar ao seu melhor nível no quarto set, para evitar ter que jogar um sempre perigoso e traiçoeiro quinto set.
O número um nacional sai de Melbourne com duas vitórias muito boas contra adversários de bom nível (Alex Muller e Jordan Thompson), e deve estar de consciência tranquila, pois viu-se derrotado por um tenista que é superior em todos os capítulos do jogo, e que persegue a história em Melbourne.
No entanto, o encontro da 4ª ronda foi uma espécie de treino em competição para Alcaraz. O britânico Jack Draper é um tenista extremamente talentoso (tendo recentemente alcançado as meias-finais do Open dos Estados Unidos), mas chegou ao encontro com Alcaraz com mais seis horas em court do que o prodígio espanhol, fruto do fato de ter ganho todos os seus anteriores encontros em cinco sets, com um grande desgaste físico e alta tensão competitiva.
Desistiu depois de perder os dois primeiros sets (7-5 e 6-1 a favor de Alcaraz), sabendo que seria impossível ganhar três sets perante um portento físico como Alcaraz, e tendo Draper atingido o limite do seu corpo.
É claramente um tenista a ter em conta no futuro, mas tem que ser mais consistente e trabalhar mais fisicamente, para evitar tantas lesões e poder chegar a encontros de elevado grau de exigência na plenitude das suas capacidades.
Depois de duas primeiras rondas pautadas por exibições nada convincentes (contra o norte-americano Nihesh Basavareddy e contra o português Jaime Faria), Djokovic tem melhorado de jogo para jogo, tendo conseguido vitórias autoritárias e bastante sólidas contra dois adversários checos, que têm galgado posições no ranking mundial nos últimos anos.
Tomas Machac foi presa fácil no encontro da 3ª ronda para Djokovic, que obteve uma vitória expressiva com os parciais de 6-1, 6-4 e 6-4, sendo que na 4ª ronda, o adversário era igualmente da República Checa.
Jiri Lehecka chegava ao Open da Austrália sem derrotas este ano e com o título de Brisbane no bolso (beneficiando da desistência do gigante americano Reilly Opelka), mas não conseguiu apresentar a resistência que se esperava antes do encontro começar.
Acusou a pressão de jogar na Rod Laver Arena, e foi totalmente dominado por Djokovic, que fez a sua melhor exibição até ao momento, ganhando novamente em três sets com os parciais de 6-3, 6-4 e 7-6 (4).
Djokovic tem subido de forma e se Alcaraz quiser chegar às suas primeiras meias-finais em Melbourne e continuar a perseguir o Grand Slam de carreira com apenas 21 (!) anos, terá que se exibir ao seu mais alto nível para levar de vencida um tenista a quem já derrotou quatro vezes (duas delas na final de Wimbledon), mas com quem sofreu uma das derrotas mais dolorosas da sua carreira: a final olímpica.
Será certamente um daqueles jogos que prenderá ao ecrã milhões de espectadores, e cujo resultado vai depender muito do estado em que se apresente Alcaraz, que não poderá ter aqueles célebres momentos de desconexão, pois Djokovic vai exigir dele a máxima intensidade do primeiro ao último ponto.
Vem aí uma final antecipada. Os dados estão lançados para mais um capítulo de uma das novas rivalidades do ténis, que irá opor o melhor jogador de todos os tempos e o jogador mais entusiasmante do circuito mundial.