Desde os 18 anos que, todos os domingos, Paulo Catarino calça as chuteiras e vai aprimorar a arte de marcar golos sem sair da grande área. 35 épocas, 31 clubes e mais de 300 golos depois de ter começado a carreira como sénior no Grupo Desportivo Recreativo 1º Maio, o ponta de lança continua no ativo na 1.ª Divisão Distrital de Setúbal, ao serviço do Botafogo de Cabanas.  

Aos 52 anos, depois de uma carreira com capítulos em todas as divisões do futebol nacional e distrital, motivado pelo nascimento do neto e pelos sinais do corpo, Catarino começa a pensar em pendurar as companheiras de uma vida: «Esteano foi mais uma desintoxicação deste vício. Imaginar o fim custa muito, mas já me vou mentalizando que o corpo não permite que pense em mais aventuras.» 

O avançado, que nasceu no mesmo ano de Rui Costa e Luís Figo, explica porque é que ainda não se estreou pelo 32.º clube da carreira: «Eu não tenho jogado praticamente nunca, porque ao fim de semana, tenho os jogos do meu filho para ver. Fiz um acordo lá com o treinador que este ano seria só mesmo uma vez ou outra, só para fazer a despedida.»  

Ao fim de 35 anos de carreira, 19 dos quais enquanto profissional, a retirada do teatro com relva dos sonhos não é tão pesada para Catarino, porque o apelido continua em campo, vestido de verde e branco.  

Filho de goleador sabe marcar  

Paulo Catarino acredita que o golo é genético e o filho Pedro não consegue contrariá-lo. Uma lesão grave no joelho na transição entre o futebol de formação e a carreira como sénior travou-o durante um ano e meio, mas não impediu que começasse a ganhar cartel como matador, na primeira divisão distrital de Setúbal, em 2022.

Em janeiro de 2023, os destinos de pai e filho cruzaram-se no Comércio e Indústria. Paulo, à data treinador-adjunto do clube setubalense (enquanto continuava a jogar no Montinho dos Pegos na AF Santarém), recorda a experiência com estranheza: «Eu não consigo separar a parte de ser pai da parte de ser treinador. E ele para mim é sempre meu filho, seja no campo, seja no treino, seja onde for.»  

Pedro defende que o pai tem perfil de treinador, mas reconhece a dualidade da experiência: «Às vezes, no treino, quando tinha uma dúvida, dizia pai. Nunca lhe consegui chamar outra coisa. Mas foi muito bom porque estava perto do meu ídolo». 

Apesar de, inicialmente, ter hesitado mudar-se para o clube treinado pelo progenitor, o ponta de lança mudou mesmo de ares e, embalado pelo colo paternal, marcou 13 golos até junho. No final da época, recebeu a chamada de uma vida. 

O destino de Pedro Catarino estava traçado a partir do momento em que nasceu durante a única temporada na qual o pai jogou na Primeira Divisão, logo ao serviço do Vitória de Setúbal, em 1999/2000. 23 anos depois, o apelido Catarino voltou a ser estampado naquela camisola verde e branca, desta feita no Campeonato de Portugal. 

Numa época em que alternou entre a equipa principal e a B, Pedro atingiu o céu a 2 de dezembro de 2023, quando marcou o golo inaugural da vitória sadina frente ao Oriental (2-0), dois minutos depois de ter entrado no relvado do Estádio do Bonfim. «Não há palavras para descrever esse momento. Foi o único jogo que o meu pai não foi, porque foi jogar. Quando acabou o jogo, estou ao telefone com ele, com as lágrimas a escorrer», conta o avançado de 24 anos, que tem o momento do golo eternizado no corpo. 

No final da temporada, o Vitória de Setúbal garantiu dentro das quatro linhas a promoção à Liga 3, mas por não cumprir os requisitos financeiros necessários para obter licenciamento para disputar a competição, caiu para a segunda divisão distrital de Setúbal. 

Com o clube de uma vida relegado para o sexto e último escalão e mesmo com propostas bem mais vantajosas para ficar no CP, Pedro não hesitou, permaneceu no clube e até já envergou a braçadeira de capitão: «Eu lutei , tantos anos para conseguir realizar o meu sonho que era fazer um golo no Estádio do Bonfim com a camisola do Vitória.... Neste momento já não me consigo ver a jogar com outra camisola. Enquanto me quiserem, eu vou estar aqui para representá-los da melhor maneira que sei.» 

Na primeira temporada da travessia sadina no deserto, Catarino tem sido a principal figura com 27 golos marcados- melhor marca da carreira- que alimentam o primeiro lugar sadino, com apenas uma derrota em 21 jogos disputados.  

O ponta de lança de 24 anos defende que o clube sadino tem todas as condições para seguir o exemplo do Belenenses, que em cinco anos passou do fundo dos distritais para as competições profissionais: « Vou acreditar sempre. Setúbal é uma cidade lutadora. O Vitória vai voltar ao lugar que é dele, e que nunca perdeu em campo.»

Com um filho recém-nascido, Pedro abandonou a carreira de futebolista a tempo inteiro e arranjou um emprego adicional para continuar a dar estabilidade financeira à família, ao mesmo tempo que dava continuidade ao sonho verde e branco.  

Face às decisões de carreira tomadas pelo filho, Paulo Catarino é o pai mais feliz do mundo: « Ele abdicou de tudo para poder jogar no clube que era o sonho dele desde menino. Orgulho-me muito das decisões que ele tomou como homem porque ele nunca pensou no dinheiro. Viu o clube cair numa situação impensável, na última divisão do país, e nem sequer hesitou.» 

«No futebol só vale a pena assim, o dinheiro um dia acaba. Se calhar não está a ganhar aquele que merecia, mas está feliz, e isso é o mais importante para qualquer pai e mãe» refletiu Catarino, que 25 anos antes, com tudo acertado para rumar ao Getafe, recuou no último segundo para representar o Vitória de Setúbal, na Liga.

«Não tive a sorte de apanhar treinadores que tivessem apostado em mim. Provavelmente teria ficado a minha carreira toda aqui (V. Setúbal)», lamentou Catarino, que, ainda assim, rejubila com o único golo marcado de verde e branco. A 14 de novembro de 1999, o ponta de lança, então com 28 anos, saiu do banco para dar a passagem ao Vitória aos oitavos de final da Taça de Portugal, frente ao Vilafranquense (2-1). 

Bom fim de Catarino à vista 

Enquanto Pedro Catarino marca golos por diversão, Paulo começa a preparar a estreia pelo Botafogo de Cabanas e o fim de carreira... que ainda pode ser adiado. Caso a equipa de Palmela, atualmente a dez pontos da zona segura da tabela, garanta a manutenção na 1.ª divisão distrital, Catarino pai vai assinar por mais um ano, para terminar a carreira no templo da família.  

«Se acontecer esse milagre, jogo nem que seja dois minutos só para terminar onde eu sonhei. Senão, termino este ano e fico feliz à mesma. Não tenho frustração nenhuma no futebol, foi uma carreira humilde, mas muito bonita», analisou o veteraníssimo, em paz com o facto de ter chegado aos 300 golos na carreira, como tinha prometido à mãe antes desta falecer. O ponta de lança de 52 anos só tem uma mágoa: nunca ter jogado na mesma equipa que o filho. 

Apesar de não terem sido colegas de equipa, quis o destino que o Botafogo de Cabanas fosse o convidado da apresentação do Vitória de Setúbal aos sócios, a 28 de setembro. Pai e filho tiveram a oportunidade de jogar uns minutos um contra o outro no teatro de todos os sonhos da família Catarino. 

Pai e filho unidos por uma ligação umbilical pintada a verde e branco, assente num amor sem divisão ao Vitória de Setúbal e aos golos.