Imaginávamos nós, no começo do ano, que os heróis do mar não só se apurariam para os quartos de final do Campeonato do Mundo, pela primeira vez na história do andebol nacional, como o fariam com um registo invicto? Pela qualidade e historial dos adversários que se cruzaram no caminho da seleção portuguesa, arrisco-me a dizer que seriam muito poucas as pessoas a fazer tal previsão. Bem, o “main round” terminou, Portugal está nos “quartos” e deu-nos muitos motivos para sorrir.

Depois de uma campanha afirmativa na ronda preliminar, a culminar na liderança do grupo E, a armada lusa esperava três jogos, dois deles muito complicados para assegurar a passagem à fase eliminar do Mundial. Primeiro, diante da Suécia, para depois encontrar a Espanha, seleções essas que, em conjunto, somam seis títulos da competição. Portugal nunca havia sequer superado o décimo lugar.

Vikings vs. heróis do mar: paridade total

Diante da Suécia, Portugal encontrava um plantel bastante completo, com uma simbiose de jogadores com um elevado poderio antropométrico, para além de atletas que se destacam pela velocidade e capacidade técnica nos lances de um contra um. Entre tantas estrelas, Jim Gottfridsson surgia com preponderância, muito pela temporização e ponderação que dá ao ataque sueco, conseguindo também criar situações para ele próprio brilhar.

No decorrer do confronto, as dificuldades foram muitas. Albin Lagergren, lateral direito do SC Magdeburg, causou mossa na defesa lusitana, estando exímio no capítulo da finalização. Do outro lado do campo, a muralha defensiva sueca não facilitou a tarefa aos portugueses. No final, valeram as iniciativas individuais dos irmãos Costa (Martim e “Kiko”) para que a seleção portuguesa não deixasse a Suécia fugir no resultado. A dupla de laterais terminou com cinco tentos cada, tendo oferecido outros tantos a Luís Frade, o melhor marcador e MVP do encontro.

Do ponto de vista coletivo, há que destacar um ponto determinante para que a armada lusa garantisse o empate: a pressão defensiva e as seis interceções. A circulação de bola sueca nunca pôde estar confortável, resultando em vários turnovers convertidos em golo pelos heróis do mar. Leonel Fernandes registou dois roubos de bola e Victor Iturriza quatro.

No lance final, a Suécia até chegou a introduzir a bola nas redes lusitanas, mas depois de o tempo se esgotar. O resultado final foi de 37-37, estando dado um importante passo rumo aos quartos de final.

O duelo ibérico

Até ao dia 24 de fevereiro, Portugal nunca havia derrotado os vizinhos de Espanha num jogo oficial. Contando todos os embates entre as duas seleções, os portugueses sorriram apenas por uma vez, num particular de 2021. A história alterou-se nesta edição do Campeonato do Mundo, num duelo em que os heróis do mar até estiveram a perder por quatro. Contudo, viram-se, mais à frente, a liderar por seis golos de diferença.

As dinâmicas ofensivas lusitanas esperavam um adversário diferente do habitual. Um estilo de jogo caracterizado pela profundidade da sua defesa que, durante grande parte do encontro, fez com que a Espanha assumisse defesas distintas do habitual sistema 6-0. Vimos, por várias vezes, um 5-1 com Ian Barrufet a pressionar a circulação da primeira linha de Portugal, abrindo espaço para iniciativas de um contra um, aspeto do jogo favorável à armada lusa.

A partir da igualdade a 19, Portugal disparou para a liderança e nunca mais olhou para trás (algo que tinha apenas acontecido uma vez no encontro, com o 7-8). Desta vez, a chave para o duelo esteve numa dupla formada em conjunto no Colégio dos Carvalhos: Francisco Costa e Diogo Rêma. No ataque, “Kiko” marcou de todas as formas e feitios. Falhou apenas um de nove remates. Na baliza, Rêma não começou de início, mas, nos 40 minutos em que defendeu as redes portuguesas, registou uns excelentes 38% na perante os remates espanhóis, para um total de 12 defesas. No final, o guardião foi distinguido com o “Player of the Match”.

Estava feita história. Portugal vinculou um lugar na fase eliminar da competição, bem como a melhor classificação de sempre, garantidamente superior ao décimo posto da edição passada.

Só mais um para o posto número um

Com a passagem já no bolso, faltava apenas definir o adversário da próxima fase. Caso Portugal terminasse o “main round” na liderança, teria de preparar um confronto com a Alemanha. Para isso, bastava um empate diante do Chile, num encontro, teoricamente, menos complicado que os anteriores. No cenário menos favorável, os heróis do mar ficariam no segundo lugar do grupo III do “main round”, esperando, então, pela tricampeã mundial, a Dinamarca, uma seleção que se tem apresentado a um nível bastante superior de todas as restantes nações.

No encontro em causa, a seleção nacional não deixou dúvidas. Venceu categoricamente, com uma margem de 18 tentos, a mais larga registada pelos orientados de Paulo Jorge Pereira. Curiosamente, surgiu daqui o milionésimo de Portugal em Campeonatos do Mundo, bem como o jogo com mais golos portugueses em Campeonatos do Mundo (bateu os 42 frente à Austrália, em 2003). 46-28 foi o resultado.

Francisco Costa voltou a destacar-se, com nove golos em onze tentativas. Para além do jovem de 19 anos, Salvador Salvador distinguiu-se pela forma como assistiu os seus companheiros. No final do jogo, teve, até, direito a elogios do selecionador nacional, que caracterizou o atleta do Sporting CP como aquele que “resume a alma da equipa”.

Do duelo diante dos chilenos, ficam gravadas as estreias a marcar de Miguel Oliveira (dois) e Ricardo Brandão (cinco), dois jovens que conquistaram a medalha de prata no ano passado, no Europeu sub-20.

O primeiro lugar é português!

Depois de cinco vitórias em seis partidas, os adeptos da seleção nacional olham esperançosos para aquilo que os heróis do mar ainda podem conquistar no Mundial. A tarefa não será fácil, mas fazer tombar gigantes já parece ser hábito. Na próxima quarta-feira, a formação lusa tentará repetir a proeza, desta vez com a Alemanha pela frente. Toca a sonhar!