Quanto menor é a área de jogo, menos a régua pode escorregar. O desenho da bola parada só fica perfeito se os passes não se desviarem um milímetro da rota definida e os bloqueios conseguirem lavrar as imediações do rematador. Em concomitância com a execução perfeita, há a necessidade de que os cinco pensadores em quadra tenham acesso telepático e instantâneo à base de dados de jogadas.

No estúdio do arquiteto Jorge Braz, a ponta de carvão do lápis deve desfazer-se na lisura da folha. O papel memoriza as indicações que mais tarde passará aos jogadores sobre o que devem fazer nas reposições de bola executadas do meio-campo para a frente. No Mundial do Uzbequistão, Portugal tem assimilado bem tamanha minúcia. É um luxo para o selecionador poder fazer correções atómicas na sua equipa. Tomás Paçó fez questão de manter semi-aberto o casaco que vestiu durante a cerimónia protocolar. Reluzia no peito do internacional português a lustrosa insígnia de campeão do mundo. Do ponto de vista macro, há pouco que possa aprender quem atingiu tal estatuto.

A vitória de Marrocos sobre o Panamá (6-3) estreitou as ambições de Portugal para o duelo com o Tajiquistão. O primeiro lugar do grupo E era impossível de ser garantido na segunda jornada. Sobrava assegurar desde já o apuramento para os oitavos de final. A seleção nacional oscilou entre navegar no nível só por si alcançável e expor-se a momentos de subserviência. Entre reforçar o que já tinha aplicado frente ao Panamá (10-1) e evoluir noutros aspetos, Portugal acabou por ganhar ao Tajiquistão (3-2), garantindo o acesso à fase a eliminar onde também já estão Paraguai, Brasil, Tailândia, Argentina, Marrocos, Irão e França.

Alex Caparros - FIFA

Quanto ao que foi recalcado da primeira para a segunda jornada do grupo E, Pany Varela deu continuidade à eficácia portuguesa na bola parada ofensiva. Para não arriscar que a dúvida quanto à tendência do marcador se prolongasse para lá do desejável, a seleção adiantou-se antes de estarem cumpridos dois minutos de jogo.

Desta vez, já habituado ao ambiente da Humo Arena, Zicky Té elevou o rendimento. Sempre que recebia a bola, os marcadores diretos sentiam que tinham que contornar o globo para chegar ao bolso onde o pivô guardava a bola. Um comboio de três jogadores do Tajiquistão tentou abreviar a volta ao mundo, mas quando a concluíram, o jovem de 23 anos já estava a marcar o segundo golo.

O resultado não era dilatado ao ponto de Jorge Braz poder trocar o guarda-redes como fez contra o Panamá. Ainda assim, à exceção de André Correia, todos os outros jogadores foram utilizados. Alargar a vantagem era prioritário para evitar surpresas. Kutchy fez uma assistência perfeita, mas o passe cheio de cócegas transmitiu ao pé de Afonso Jesus um desconforto que o fez atirar por cima.

Alex Caparros - FIFA

Como essa, outras oportunidades se sucederam para Portugal até que Komrov Aliev carregou no botão play dos adeptos do Tajiquistão – país que faz fronteira com o Uzbequistão – que reproduziu o som do festejo. Desta vez, foi Portugal a ser ferido através de um canto. A equipa de Pairav Vakhidov recorreu ao guarda-redes subido e sonhou, durante um minuto e 18 segundos, com o empate.

Numa fase da partida em que a diferença entre a segunda seleção do ranking da FIFA e a 34.ª foi arrasada, o defensor de Kutchy tentou obter um mandado de captura para travar o ala português, mas não o conseguiu utilizar. O ala rematou e o guarda-redes, Firuz Bekmurodov, deixou a recarga à disposição para Erick voltar a colocar a vantagem em dois golos. Restou então a Portugal ser arguto e mover as peças para evitar sofrer com o 5x4 do Tajiquistão. Num momento de relaxamento, a dois segundos do fim, Bakhtiyor Soliev, de calcanhar, voltaria a marcar para o conjunto asiático.

Ganhando a Marrocos na última jornada e garantindo o primeiro lugar do grupo, Portugal vai jogar nos oitavos de final com o segundo classificado do grupo D, poleiro que será discutido por Espanha e Cazaquistão. Traduzindo, se tudo correr normalmente, a seleção nacional terá um desafio hercúleo logo na primeira eliminatória. Se a equipa de Jorge Braz for superada por Marrocos e acabar em segundo lugar, terá como oponente o vencedor do grupo F, Irão ou França.