- Vamos começar pelo princípio. Como surgiu esta oportunidade de ser selecionador de São Tomé e Príncipe?
- Através de um contacto de um vice-presidente da Federação. Tinha ouvido falar de mim através de dois jogadores da Seleção de São Tomé que eu treinava na Irlanda do Norte. Disse-me que o meu nome era falado há dois anos na federação e fez-me o convite. Que aceitei, foi tudo fácil e rápido.
- O que o seduziu neste convite?
- Seduziu-me ser uma seleção, treinar uma equipa que representa um país. Era uma experiência completamente nova para mim…
- Curiosamente, acaba por ser uma situação inédita de partilha de funções com outro selecionador…
É verdade. Eu chego ao aeroporto de São Tomé e, além do vice-presidente da Federação, tenho à minha espera um outro treinador que me é apresentado como sendo o selecionador local. Confesso, a minha cabeça começou a ficar meio baralhada. Que história é esta de um selecionador local? Houve uma reunião e aí foram traçadas todas as linhas. Eu fui nomeado selecionador da diáspora, ou seja, de todos os jogadores a atuar fora de São Tomé, o selecionador local acompanhava e convocada os jogadores a jogar no país. Era o Adriano Eusébio, que o ano passado foi treinar o Sporting da Praia, ficando agora eu sozinho no cargo. O Adriano ficou um grande amigo que muito prezo.
- Num país pequeno e com os constrangimentos normais em termos financeiros, que condições é que é possível reunir para que consiga fazer o melhor trabalho possível?
- Um dos maiores constrangimentos é não podermos usar o nosso estádio nacional, que, para corresponder às normas da CAF, está em remodelação há dois anos. E, em África, jogar em casa é muito mais impactante do que na Europa, por exemplo. O público é mesmo o 12.º jogador… Nós fizemos alguns jogos incríveis no nosso estádio nacional. Recordo-me, por exemplo, um contra o Gana, em que acabamos por perder 1-0, mas foi um grande jogo entre duas seleções de valores tão diferentes…. Por exemplo, foi um orgulho para mim ter um jogador da Distrital de Lisboa a marcar o Thomas Partey, que estava a sair do Atlético de Madrid para o Arsenal…. Mas, no nosso estádio e no nosso país, conseguimos equilibrar um jogo contra o Gana!
- Não podendo jogar em São Tomé, porque escolheram Marrocos?
- Como temos muitos jogadores em Portugal, dá-nos essa vantagem de minimizar o desgaste das viagens. Depois, porque temos uma excelente relação com a federação de Marrocos. Por fim, porque Marrocos fez um grande investimento em infraestruturas desportivas de topo, estádios e centros de estágios. Tanto que, com muitas seleções de África a não poderem jogar nos respetivos estádios nacionais, não raro vemos sete ou oito seleções a escolher Marrocos para os seus jogos….
- Que tipo de ajudas recebem de Portugal?
- Normalmente, a maior parte das ajudas ao nível da federação portuguesa é feita de forma informal, com base nos conhecimentos pessoais que temos… Os contactos entre federações existem, mas mais informais. Além disso, há uma união das Federações de Futebol de Língua Portuguesa, que até tem sede em Cascais, mas da qual a Federação Portuguesa de Futebol nem é oficialmente membro. Reconheço que a federação portuguesa ajuda, repito, de forma mais informal. A maior ajuda de todas, no entanto, chega de Marrocos.
- O que é mais urgente neste momento?
O primeiro passo que está a ser feito é, sem dúvida, a remodelação do nosso estádio nacional e do centro de estágio em São Tomé e Príncipe. Outro passo, já dado, um campeonato nacional de sub-15, já os jogadores mais habilidosos chegam aos 16 e já estão nas equipas seniores. São Tomé tem muitos jovens com muita qualidade, que jogam à bola ainda hoje descalços na rua. Logo, precisaríamos também de escolas de futebol bem organizadas e com critérios científicos de trabalho. Finalmente, um investimento em mais e melhores equipamentos desportivos. O campeonato em São Tomé ainda se joga em pelados e mesmo nos relvados não falamos de relva topo de gama…
- São Tomé e Príncipe caiu nas pré-eliminatórias à fase de qualificação para o CAN de 2025. Dois empates com o Sudão do Sul travaram o percurso, numa eliminatória caricata..
- … porque nem São Tomé e Príncipe nem o Sudão do Sul tinham estádio próprio certificado pela CAF. Logo, as duas federações apontaram Marrocos como casa emprestada. Fizemos dois jogos no mesmo estádio, em campo neutro. No calendário aparecíamos como anfitriões no primeiro jogo e empatámos a um golo. No segundo jogo, repito, no mesmo estádio, empatámos a zero como se fosse o Sudão do Sul o anfitrião. Como ainda valia o golo fora como critério de desempate, ficámos pelo caminho. Injusto. Tanto que a própria CAF compreendeu a injustiça e decidiu adotar a regra que já tinha sido adotada em todos os outros continentes: os golos foras deixaram de contar como critério de desempate.
- É possível a São Tomé ambicionar estar presente na fase final de uma CAN?
Estamos a evoluir bastante. Com as bases que estão a ser lançadas pela Federação, acredito que nos próximos cinco anos estaremos numa CAN. Para já, os nossos objetivos é começar a somar vitórias, ganharmos esse hábito. Temos um povo que ama o futebol e está sedento de ter orgulho na seleção. A maneira como se vive o futebol é uma coisa extraordinária. Tenho jogadores no campeonato de Portugal, em clubes pequenos, que depois chegam à seleção, são acarinhados pelo povo e sentem um orgulho tão, mas tão grande…
- O futuro profissional vai continuar ligado a São Tomé e Príncipe?
- No futebol não se podem fazer muitos planos. Mas gostava de continuar em São Tomé, pelo menos até conseguirmos um histórico apuramento para a CAN. Digo mais: não tenho tatuagem nenhuma no corpo, mas se conseguir colocar a seleção na CAN vou tatuar o símbolo da Federação no meu braço. Que até é muito parecido com o símbolo do país, com o falcão e o papagaio, mas em vez do globo é uma bola de futebol. Depois, no futebol ou fora do futebol, São Tomé e Príncipe vai ser para sempre…