
Com apenas 10 adversários do outro lado, as chances de António Silva entregar a bola a alguém vestido de preto eram um pouco mais ínfimas. Vejamos a perfeição da imperfeição. A calinada do central foi tão grande que o passe saiu certíssimo para Raphinha, por acaso, alguém que viajou com a comitiva catalã. Geralmente, há um nós e um outros. O sentido comunitário do internacional português sobressaiu e não se pode condenar tamanha bondade. É o velho dogma: dar a quem tem menos.
De facto, o Barcelona estava sem Pau Cubarsí desde os 22 minutos e agradeceu a oferta. Um fulgurante remate do brasileiro voltou a decidir o jogo, como tinha acontecido da última vez que esteve no Estádio da Luz (4-5). Agora, na segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, o Benfica tem que fazer no Montjuïc aquilo que não fez na Luz, ou seja, marcar e ser cruel.
Aquele que esteve quase a ser o momento da noite justifica-se da seguinte forma. Ter a linha defensiva a transbordar os limites do aconselhável é um fetiche de Hansi Flick. A altimetria dos jogadores mais recuados é um embuste no qual o Barcelona confia durante todos os minutos de todos os jogos em todas as competições. Como qualquer estratégia nesta modalidade onde, por mais que queiram, 22 indivíduos são incapazes de cobrir a totalidade de uma área de 105 metros de comprimento por 68 de largura, tem boas e maus acordos com o destino.
Jules Koundé, Pau Cubarsí, Iñigo Martínez e Alejandro Balde emergiam ao mínimo estímulo, chegando-se à frente como os últimos momentos de vida de uma onda que se desfaz em espuma sem se importar com o que fica para trás. Aursnes e Kökçü chegaram a cancelar passes para os quais já tinham erguido a perna (ficaram mesmo a parecer a estátua de Eusébio). Em causa estava o claro posicionamento irregular do hipotético recetor. O percurso foi sendo então redirecionado para trás.
Vangelis Pavlidis não recuou nas intenções. Ao ver Aktürkoğlu e Schjelderup em fora de jogo, rompeu pelo meio dos centrais – zona que é uma espécie de coração de uma equipa – e conduziu por ali fora. Pau Cubarsí foi suficientemente rápido para o apanhar, mas fez falta a centímetros da grande área. Foi expulso para que o Barcelona não sofresse.
Até esse momento, ao nível do relvado devia-se ouvir o tiki-taka-tiki-taka-tiki-taka, som do ricochete que os curtos e supersónicos passes do Barcelona faziam nas botas. A petulância de Lamine Yamal e a filigrana de Pedri também enchiam o jardim rasteiro do Estádio da Luz. Trubin foi duas vezes (no mesmo lance) para Lewandowski a barreira que o polaco não conseguiu transpor.
O melhor ataque (28 golos) da fase de liga da Champions passou a estar controlado quando o Benfica começou a jogar em superioridade numérica. Aktürkoğlu, que nos primeiros segundos esteve perto de marcar, voltou a fazer cócegas nas manápulas de Szczęsny, tão habituadas à companhia de um cigarrinho. O hábito é geralmente incompatível com os desempenhos exigidos a gente deste calibre. É preciso dar um desconto. Szczęsny saiu da moinante reforma para jogar pelo Barcelona – só porque era o Barcelona – e substituiu o lesionado Marc-André Ter Stegen.
Foi ao chão para defender um par de remates rasteiros de Aursnes, após sucessivos agitamentos de Carreras pela esquerda, e novo duelo com Aktürkoğlu. No entanto, a melhor parada foi mesmo a que fez perante Renato Sanches, a última das muitas oportunidades de golo dos encarnados. Para quem vinha ávido de um jogo como o da fase de liga, desiludiu-se com as características muito próprias que condicionaram este. Ainda houve Dahl, à direita, João Rego e Renato Sanches, no meio, mas a aura do Barça engoliu a do Benfica.