Já não é tanto o quê, é também o como. Já não é tanto a hegemonia, o domínio, as vitórias atrás de vitórias. É ganhar com aparente facilidade, com conforto, podendo festejar antes do fim, impondo uma superioridade que roça o insulto.

Tadej Pogačar ataca, mas agora está a atacar de maneira diferente. Não acelera erguendo-se na bicicleta, mas fá-lo sentado, como se quisesse evidenciar que está num patamar absolutamente diferente ao da concorrência. Foi assim na Liége-Bastogne-Liège, como tem sido quase sempre nos últimos meses.

A 34,7 quilómetros da meta, Pogi decidiu voar. Ele não teme ser Ícaro, ele pedala perto do sol, perto da eternidade, perto do impossível, e não tem medo do confronto com a história. Ganha 10 metros de vantagem, os 10 tornam-se 20, os 20 passam a 60, os 60 passam a 100. Nunca mais o alcançam. Na verdade, são mais testemunhas da grandeza do que adversários.

Pela terceira vez na carreira, Pogačar ganhou a Liège-Bastogne-Liège, la doyenne, uma das mais antigas corridas de ciclismo do mundo, prova que arrancou em 1892 e já vai na 111.ª edição. São já nove monumentos para o esloveno, nove das principais corridas de um dia: três Liège, quatro Lombardia, duas Voltas a Flandres. Só Roger De Vlaeminck, com 11, e Eddy Merckx, com 19, têm mais. Para o craque da Emirates, falta a Milão-Sanremo e o Paris-Roubaix para completar o lote.

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Tadej atacou na La Redoute, uma subida de 1,6 quilómetros a 8,8% de inclinação média. Quando acelerou, ninguém o seguiu. Nem houve propriamente uma disputa pelo primeiro lugar, mas sim uma luta por ser o segundo e ficar como o melhor dos mortais.

Pensava-se que poderia ser um duelo entre Pogačar e Evenepoel. Mas o belga, vencedor desta corrida em 2022 e 2023, ainda procura a melhor forma depois do grave acidente na pré-época. Cedo se percebeu que Remco não tinha capacidade, sequer, para discutir um lugar entre os 10 primeiros.

Em 2024, Pogi triunfo em Liège com 1,39 minutos de vantagem para Romain Bardet. Agora a margem foi de 1,02 minutos. O italiano Giulio Ciccone, da Lidl-Trek, foi segundo, o irlandês Ben Healy, da EF Education, fechou o pódio.

Todos esperavam o ataque do esloveno. Todos assistiram ao ataque do esloveno. Todos presenciaram a superioridade do esloveno. Tudo previsível, tudo segundo o guião escrito pelo punho de ferro do ditador do pelotão.

São já 95 vitórias na carreira de Tadej. Em 2025, o campeão do mundo já ergueu os braços para celebrar em sete ocasiões.

A polivalência de Pogačar, o homem do impossível em duas rodas, leva-o a ser, na verdade, dois ciclistas. Especialista de clássicas e voltista. Homem de corridas de um dia e de provas por etapa. Com esta vitória, fecha-se a parte da temporada em que o Pogi das clássicas brilhou.

Vencedor na Strade Bianche. Terceiro em Sanremo. Vencedor na Flandres. Segundo em Roubaix. Segundo na Amstel. Vitória na Flèche Wallone. Se alguém fizesse, ao longo de uma carreira, estes resultados, seria considerado uma lenda do ciclismo, um corredor de clássicas de primeiro nível. Pogačar fê-lo em 50 dias.

Segue-se o tempo do Tadej das grandes voltas. E esse já olha para o Tour de France, próximo grande objetivo do fenomenal esloveno.