
A ligação histórica da AS Roma a Portugal é relativamente curta. Apenas oito jogadores lusos e dois treinadores portugueses representaram os Giallorossi, sendo que esses números cresceram claramente nos últimos anos. A eliminatória com o FC Porto levou-nos, por isso, a pensar: quem conhecerá melhor o emblema romano?
A nossa vasta base de dados confirma-nos que apenas sete jogadores e cinco treinadores representaram, ao longo das suas carreiras, Roma e FC Porto. Uma pequena pesquisa e há um nome que nos salta à vista, por diferentes motivos: Nuno Campos. O técnico de 49 anos - que vai assumir os Sub-20 do Flamengo - foi treinador-adjunto da AS Roma, na equipa técnica de Paulo Fonseca, entre 2019 e 2021, onde defrontou Claudio Ranieri, defrontou o FC Porto enquanto treinador - principal e adjunto - e ainda defrontou Martín Anselmi, técnico portista, aquando da sua recente passagem pelo México.
Pegamos no telemovel e Nuno Campos atende-nos a partir do México, mais propriamente Toluca, onde ainda se encontra, por opção, apesar de ter terminado a ligação ao clube, onde era adjunto de Renato Paiva em dezembro passado.
«É um país extraordinário. Tem uma dimensão que permite das mais variadas tipos de comida, independentemente da zona do país. A própria distância entre cidades faz com que sejam muito diferentes. Têm outra forma de pensar na própria organização da cidade, uma mistura entre novo e antigo. Praias espetaculares, com praia super quente. Em Toluca temos até um vulcão que, agora, está com neve, algo impensável quando se pensa no México. O país é de fácil adaptação. Em Toluca é mais frio do que seria de esperar quando se pensa no México, mas quando vem o sol, aquece bastante. Tem uma amplitude térmica grande», conta ao zerozero, antes de se mudar para o Brasil e de nos virarmos para o tema principal da conversa.
«Acham que a Roma tem que ser sempre campeã. É um pouco irrealista»

Foram dois anos em Roma, onde até teve a oportunidade de comandar a equipa num par de ocasiões - aquando de castigos de Paulo Fonseca - em jogos oficiais, incluindo, curiosamente, um duelo contra a Sampdoria, na altura treinada por Claudio Ranieri, agora treinador romano. Ficaram as memórias de uma cidade apaixonada por futebol e repleta de história. Contudo, Nuno Campos olha para a pressão mediática constante que paira no clube.
«É um clube que tem uma afición fervorosa. Há uma pressão mediática. Estão sedentos de títulos, que não vencem há muitos anos. As pessoas acham que a Roma tem que ser sempre campeã, apesar de só o ter conseguido três vezes na sua história. É um pouco irrealista sê-lo neste momento. Todos esperam o máximo da equipa, mas acho que, neste momento, o máximo é colocar a equipa consecutivamente na Liga dos Campeões. Há rádios e televisões a dar Roma 24 horas por dia, além de meios de comunicação social que ocupam muito espaço com a Roma. Coloca pressão sobre as tomadas de decisão do clube», explica-nos.
17 títulos oficiais
«Muitas vezes não há a paciência necessária para produzir um trabalho ao nível de outras grandes equipas de Itália. Nós tivemos algum tempo, mas o nosso plantel não era tão forte como outros. O clube estava para ser vendido nessa altura, então não houve grande investimento. Apanhámos uma transição de presidente, com mudanças internas e com o diretor desportivo a sair a meio. Não houve a possibilidade de construir uma equipa tão forte e andámos a lutar pelo 4º lugar. Não foi fácil colocar a equipa ao nível de outros clubes. O nosso estilo de jogo cativou as pessoas, de tal forma que o Paulo Fonseca foi depois para o AC Milan. O lema da Roma é sempre ganhar e optaram por trocar de treinador, não renovando contrato. Foram buscar o José Mourinho, cujo currículo fala por si. O que é certo é que se passaram as mesmas questões com o Mourinho, e com a maioria dos treinadores. A dimensão do clube aos olhos de muitos é de lutar por coisas importantes, mas o plantel não está a esse nível e as pessoas não compreendem. O treinador melhora coisas, mas não faz milagres», acrescenta, recordando esses dois anos.
Entra a reflexão do que é o clube AS Roma e uma reflexão mais profunda do futebol atual, onde a vida dos treinadores é cada vez mais curta nos clubes pelo Mundo fora, os temas misturam-se, confundem-se, mas também se complementam, na opinião do técnico luso: «Expectativas demasiado altas resultam em saídas de treinadores, mais tarde de diretores desportivos e, por vezes, até presidentes. No futebol em geral, há pressão mediática, mas também pressão de muita gente para resultados. Essa expectativa coloca o fosso cada vez mais longe. Quando se muda o treinador, tem de haver tempo para implementar ideias e uma metodologia de treino. Com o avolumar do tempo de trabalho, os resultados aparecem. Basta ver o caso da Atalanta, cujo treinador [Gasperini] está lá há oito ou nove anos e tem feito um trabalho excecional. Tem feito um trabalho excecional porque continuam a achar que aquele clube não consegue competir com os maiores de Itália. É a questão das expectativas. No futebol, com a paixão, ninguém reconhece que é preciso tempo. A pressão de ganhar a todo o custo faz com que, por vezes, durante anos não ganhem nada.»

Os números na Roma falam por si. Apesar dessa aura de clube histórico, a Roma venceu «apenas» seis títulos este século - um campeonato, duas Supertaças italianas, duas Taças de Itália e uma Conference League. E quantos treinadores nestes 25 anos? Um total de 21 (incluindo alguns que repetiram passagem, como o próprio Ranieri), incluindo já três técnicos na presente temporada e quatro, por exemplo, em 2004/05.
«Acho normal o que tem acontecido na Roma nos últimos anos, fruto de conhecer aquela cidade. Haver alguém que tem a tomada de decisão e a coragem de ir por outro caminho é que se torna difícil. Não está em causa o treinador. Agora têm um treinador que já ganhou em diversas ligas, tem uma experiência fenomenal, mas que também vai precisar de tempo. Ele até foi fazer um favor ao clube quando trocaram de treinador, regressando da reforma, mas se calhar, no final da época, caso não fique em 4º lugar, trocam novamente. Ter a coragem de fazer o contrato pode voltar ao sucesso, com tempo», conclui Nuno Campos.
«Anselmi está talhado para as melhores equipas do Mundo»

«Os adeptos da Roma não valorizam tanto jogos da Liga Europa como do campeonato. Valorizam mais os jogos do campeonato. De qualquer forma, creio que o ambiente estará espetacular, sobretudo na curva Sul, onde fazem acreditar que se ganha jogos. São muito fervorosos e estão sempre a apoiar a equipa. Conheço muitos estádios no Mundo, mas é um dos mais bonitos. O Olímpico vale a pena ver e ter a experiência», descreve-nos Nuno Campos, que recorda de forma apaixonada o Estádio Olímpico, que foi sua «casa» por dois anos.

«Acredito que o FC Porto vai fazer um jogo onde vai pressionar a Roma. Conheço bem o treinador [Ansemi] e é um técnico que tem muita capacidade. Vai ter que ter tempo. Tem muita experiência, apesar da tenra idade, e muita capacidade para colocar a equipa a jogar bem. É um treinador que gosta de ser pressionante. Acredito que vá a Roma pressionar. Se o jogo começa a não correr de feição à Roma, poderá ser um tópico importante para o FC Porto tirar vantagem. A Roma fez um excelente jogo contra o Milan, do Sérgio Conceição, e soube contrariar essa pressão, apesar do resultado. São duas equipas que vão proporcionar um bom espetáculo. São dois treinadores muito táticos», acrescenta.
Nuno Campos conhece bem Anselmi. Afinal, foram adversários no último ano, quando o técnico argentino esteve no comando do Cruz Azul e Nuno Campos foi adjunto de Renato Paiva no Toluca, onde atua Paulinho. Anselmi levou a melhor no duelo entre as duas equipas (0-1) e Nuno Campos só tem elogios ao novo comandantes portista.
«Ida do Anselmi para o FC porto só surpreendeu as pessoas porque não conheciam o trabalho dele. A mim não me surpreendeu nada, porque conhecia o trabalho dele a fundo, com o que fez aqui no México e no Equador. Era uma questão de tempo até ir para a Europa e eu estava à espera que fosse pouco tempo. A qualidade do seu trabalho estava demonstrado no que a sua equipa fazia. É preciso tirar o chapéu ao FC Porto, porque é preciso ter olho e coragem para dar a oportunidade. Os treinadores quando são bons, fazem-se notar, mesmo que os resultados não o digam na totalidade. O Anselmi implementa um futebol extraordinário, mas não foi campeão no México, apenas no Equador - ganhou a Sudamericana. Alguém estava atento ao que a sua equipa fazia, mesmo sem ser campeão no México. Se tiver tempo, vai demonstrar que é um treinador extraordinário, até porque é jovem, e que está talhado para as melhores equipas do Mundo. Já está no FC Porto, que é uma delas», explica-nos.
«É um apaixonado pelo jogo e pela parte tática. Nota-se isso nas conferências, na forma como tenta explicar alguns detalhes aos jornalistas. Acho que isso é benéfico para os jornalistas, porque faz pensar as pessoas. Ele explica o detalhe que é treinar certos pormenores e porquê. Isso faz com que as pessoas possam pensar um pouco se isso faz sentido e se isso é implementado em campo. É benéfico para que se perceba mais do jogo para se perceber mais do que se a bola entra ou não. A forma de jogar está ligado ao que é ganhar mais vezes. Jogando melhor mais vezes faz ganhar mais vezes. Se tiver tempo, vai demonstrar que é um grande treinador», conclui Nuno Campos.