A forma como a imprensa em Espanha vive o fenómeno desportivo é ímpar. Em Barcelona, talvez pela força dos movimentos independentistas e até pela paixão com que falam do que é seu, é ainda maior.

Vão atrás dos protagonistas, questionam, incomodam, têm acesso a jogadores de uma forma quase impensável, em Portugal... Fazem a notícia. Gerard Romero é um grande exemplo disso.

Jornalista com mais de 20 anos de experiência, viveu durante 15 anos atrás dos microfones da RAC1, até que o golo de Sergi Roberto ao Paris Saint-Germain, no icónico jogo do Dia Internacional da Mulher de 2017, o fez saltar para a ribalta.

O momento foi viral, mesmo antes de falar de vídeos virais. Romero saltou para outro nível. O reconhecimento para com o jornalista que acompanhava o FC Barcelona para todo o lado. Público, jogadores e dirigentes, todos lhe reconheciam o rigor, credibilidade e paixão.

Em 2021, a rádio onde trabalhava desafiou criar um conteúdo na Twitch, que aparecia com grande força em Espanha, e assim nasceu o Jijantes. Em menos de nada, Romero e o seu Jijantes tornaram-se maiores que o local onde trabalhava e cada um seguiu o seu caminho. A convite do seu amigo Gerard Piqué criou, inclusive, uma equipa para jogar a Kings League, onde já esteve para contratar Ricardinho.

A loucura, como nos contou nesta conversa, é seguida por milhares de pessoas, diariamente. Todos os dias fala para os seus quase 800 mil seguidores na Twitch e Youtube, a partir de casa. É uma espécie de programa de rádio com imagem: entram em direto jornalistas de outros órgãos de comunicação social, analistas e jogadores, sempre com o FC Barcelona como ponto de partida. Fala de futebol, de cultura, do tempo, passa música, dança, faz um Haka para agradecer as subscrições... Um fenómeno.

zerozero: Como é que surgiu o Jijantes?

Gerard Romero: Todo começou, porque um dia estava na rádio e alguém disse que deveria criar algo na Twitch, porque a Twitch estava a crescer e não havia muita coisa relacionada com o desporto. Foi uma plataforma que descobrimos e sentimos que podíamos sacar muito potencial, começamos na rádio, a fazer uns programas, onde colocávamos música, fazíamos algumas entrevistas... Comecei a fazer as duas coisas ao mesmo tempo: Twitch e rádio, mas houve um momento em que senti que desfrutava mais a fazer Twitch desde casa, do que estar a fazer a rotina normal na rádio nos últimos 15 anos. Na rádio também perceberam que eu estava mais para isto do que para outras coisas. E assim, decidimos acabar a rádio e começar esta oportunidade que já faz quatro anos, agora, em 2025, o Jijantes no Twitch, sempre com foco no Barcelona.

zz: Tem uma comunidade enorme e tem sempre muita gente disponível para entrar. Houve uma grande aceitação por parte do público. Sente que é a figura do jornalista que aproxima as pessoas, a forma como comunica?

GR: É um pouco uma mistura de tudo. Temos informação e estamos perto do clube, sabendo que há momentos mais privados, mas seguimos o dia a dia do Barça, estamos todos os dias na rua, muito perto do clube para saber o que está a passar, mas penso que a forma como fazemos as coisas, tem um pouco de entretenimento, não é um programa normal... Colocamos umas músicas, se tiver que dançar, danço, se tiver que cantar, que remédio, que canto... Portanto, há uma mescla entre a comunicação, a informação, o entretenimento e tudo o isto faz-se com um chat, onde podemos ver as reações das pessoas e todos sentem-se um pouco protagonistas das coisas que estamos a contar.

Gerard Romero a entrevistar João Félix @Jijantes FC

zz: O Jijantes tornou-se tão grande ao ponto de ter uma equipa na Kings League. Como surgiu?

GR: Houve um dia que o Gerard Piqué me convidou para ir almoçar, com Ibai Llanos e Spursito e propôs-nos fazer uma liga com jogadores reais, pois eu pensava que era uma liga de vídeo-jogo, mas ele disse logo que não. Explicou que teria umas cartas e toda a história que depois Piqué espalhou pelo mundo. Eu disse que o nosso canal já se chama Jijantes FC, portanto, clube já temos, era o mais fácil. Foi uma loucura, sobretudo no início. Foi difícil a gestão, porque de repente ia a qualquer lado e todas as pessoas nos conheciam por causa da Kings League. Agora está tudo mais tranquilo, mas foi um posicionamento que ficou mais forte na internet, graças à Kings League. Em Barcelona já éramos, mas com a Kings League chegámos a muitas partes do globo, que não chegávamos.

zz: Em Portugal, a certa altura falou-se que o Ricardinho esteve para ser seu jogador.

GR: Sim... Ricardinho sempre esteve com muita vontade e a dizer que queria, mas no final, e até ao momento, não veio. Creio que o Ricardinho também queria muito dinheiro e não havia tanto dinheiro para poder pagar. Eu creio que daqui a um tempo Portugal também se vai converter num país que pode ter Kings League. Não parece que seja em anos tão próximos, mas creio que com o tempo, se o projeto continuar, chegará a Portugal. Recordo que o João Félix, quando esteve no Barça, pediu muito a Gerard Piqué para fazer a Kings League em Portugal, mas ele pediu um pouco de tempo. O projeto começou primeiro em alguns países um pouco mais importantes e onde há mais pessoas, mas acredito que daqui a algum tempo também chegará a Portugal.

zz: Há muita gente a trabalhar no projeto Jijantes?

GR: Tudo começou com um canal onde estava aqui meio maluquinho sozinho, mas agora há muita mais gente a trabalhar nele. Somos entre seis e oito pessoas no canal, mas todas as outras pessoas que tens no clube para gerir a Kings League e a Queens League. Foi tudo um processo mais difícil, porque passei de ser um jornalista, para ser um empresário. Portanto, essas foram as dificuldades, mas tive sempre por perto a minha mulher, que ficou sempre mais dedicada à parte empresarial de Jijantes, para eu me dedicar ao conteúdo. Sem ela, isto seria um caos, pois ela controla tudo.

qTudo começou com um canal onde estava aqui meio maluquinho sozinho, mas agora há muita mais gente a trabalhar nele
Gerard Romero, Jijantes FC

zz: Foi difícil deixar de ser jornalista e passar a ser empresário?

GR: É complicado. Foram momentos um pouco dedicados, mas há saber adaptar aos momentos e à vida, tal como aos desafios que ela te vai dando. Nisso, o ser humano é muito inteligente e adapta-se rapidamente às circunstâncias e às necessidades que temos.

zz: Viveu momentos muito altos enquanto jornalista. Cobriu Liga dos Campeões dos mais diversos desportos e foi sempre muito acarinhado. Recordo-me daquele vídeo que se tornou viral, depois do golo do Sergi Roberto. Sente-se mais acarinhado agora?

GR: Foi diferente e é diferente. Aquele golo, naquele jogo, teve um impacto brutal durante uma ou duas semanas. Levantamo-nos e a reação ao golo estava a dar na China, no Brasil, no Uruguai, a CNN, nos Estados Unidos partilhou o momento... Foi uma barbaridade... Agora é um carinho mais constante, pois é diariamente. Seguramente, se aquilo fosse vivido agora, seria multiplicado por muito mais, pois as redes sociais cresceram muito. Para nós, aquela foi a primeira grande viralidade que tive enquanto jornalista. Naquela época não entendia nada... Tinha amigos de férias em Porto Rico e mandavam-me vídeos do momento...

zz: É muito difícil programar o dia a dia do Jijantes? São muitas horas em direto.

Gerard Romero acompanha o dia-a-dia do FC Barcelona @Getty / Michael Regan

GR: De manhã, pelas 10h30 de Espanha temos a reunião do programa das 12 horas, onde fazemos um programa que pode durar cerca de três horas. Se for um dia de jogo, fazemos uma pausa, mas voltamos para fazer tudo o que está relacionado com o jogo... São muitas horas e há pessoas que pensam que só trabalhamos as horas em que estamos em frente ao ecrã, mas depois há preparar, convidar pessoas, encontrar tertulianos, ter entrevistas, trazer protagonistas que nos possam contar as coisas que estão a viver... Portanto, é um trabalho bem diferente de um streamer normal... Somos mais meio de comunicação. Sempre digo que somos uma rádio com imagens, porque estamos com a atualidade e à procura dos protagonistas, para nos explicarem como aconteceram as coisas.

zz: O que acha vai acontecer neste jogo?

GR: Vai ser complicado... Penso que o Barcelona no jogo da primeira mão começou bem, mas a expulsão de Pau Cubarsí condicionou muito o jogo, mas gostei da equipa, que foi muito madura e soube aguentar o Benfica. O guarda-redes foi o grande protagonista, com as defesas enormes. Outra dificuldade para o Barcelona é a hora... Vamos ver como reage Barcelona, porque é uma hora em que as pessoas estão a trabalhar. Vai ter muita gente, mas não acredito que esteja cheio. Acho que ausência do Carreras é muito significativa para o Benfica, pois parece-me um jogador que tem dinamizado muito bem o ataque e parou o Lamine Yamal, nos dois jogos que teve... Seguramente o Lamine Yamal respirou de alívio, quando viu o cartão amarelo a Carreras.

Acho que vai ser um grande jogo e se o Barça continuar com a dinâmica dos últimos tempos, tem mais possibilidade de passar, mas já sabemos... O futebol pode mudar rapidamente. Uma expulsão, um penálti... Pequenos detalhes que numa Champions podem marcar muito.