O FC Porto foi ao norte do mundo fazer uma sessão de crioterapia. Em vez de se deitarem numa marquesa, os dragões calcorrearam a relva sintética ao relento da brisa gélida estendida pela cidade de Bodo para acolher a estreia da equipa de Vítor Bruno na Liga Europa. Os 9.ºC à hora do começo do jogo não espantaram os calções que o treinador azul e branco tem o hábito de usar para transmitir arejadas indicações ao seu batalhão. Eles lá estavam a darem liberdade às pernas encaloradas para se exibirem, destoando do casaco e do nariz vermelho. Vítor Bruno tinha considerado que manter o outfit seria um “ato de loucura”. Talvez fosse uma forma de drenar os pensamentos, mas, na Noruega, por incrível que pareça, os azuis e brancos tiveram pouca cabeça fria.

Num banho de contraste, o FC Porto adiantou-se cedo no encontro pelo homem que tem andado de pé quente. Samu Aghehowa – chamemos-lhe assim em respeito da vontade do avançado em ter cunhado o apelido da mãe – foi servido por Francisco Moura e marcou logo aos oito minutos, chegando aos três jogos consecutivos a faturar. Foi sol de pouca dura.

O setor recuado foi o único departamento da equipa que escapou a alterações face ao jogo anterior. É que metade dos elementos do quarteto, a ganhar consistência para se estabelecer como o mais regular, são reforços (Nehuén Pérez e Francisco Moura). Injetar-lhes alguma química com as restantes células do tecido defensivo era mais primordial do que os poupar fisicamente, como aconteceu com Galeno ou Alan Varela, em zonas mais adiantadas.

Gonçalo Borges até estava na zona onde se incentiva os fantasistas a chocarem lances individuais. Por um motivo ou por outro, perdeu a bola e o Bodo/Glimt contra-atacou. Jens Petter Hauge colocou a bola entre Nehuén Pérez e Zé Pedro que, melhor coordenados, teriam assumido um posicionamento que permitiria aliviar a bola facilmente. Kasper Hogh beneficiou dos centrais descalibrados para fazer o 1-1.

MATS TORBERGSEN

Nehuén Pérez não teve uma tarde fácil. A condescendência do central argentino na marcação a Hogh, que recebeu depois tranquilamente, permitiu ao ponta de lança do conjunto que caiu no playoff da Liga Europa virar o jogo do avesso até Jens Petter Hauge que finalizou e completou a reviravolta.

Aquilo que deu ao FC Porto o primeiro golo foi o que prejudicou a equipa mais adiante. João Mário e Francisco Moura projetavam-se em simultâneo. Marko Grujic, o médio mais recuado, não ficava propriamente entre os centrais. Aliás, é do sérvio a recuperação alta que manteve vivo o lance que permitiu a Samu Aghehowa marcar. Logo, os centrais azuis e brancos estiveram muito desprotegidos.

No Bodo/Glimt, Jens Petter Hauge é um dos jogadores com mais currículo. Trata-se de um tipo com personalidade de iglu que fez quatro assistências para os nove golos que Haaland marcou num só jogo no Mundial de sub-20, em 2019. Entretanto, o extremo teve passagens por AC Milan, Eintracht Frankfurt e Gent antes de regressar ao clube que o formou. A manobrar a partir da esquerda, estava a complicar a vida a João Mário e até arrancou um cartão amarelo a Zé Pedro. Nasceu também do internacional norueguês um lance que levou Patrick Berg a rematar para defesa de Diogo Costa.

O guarda-redes do FC Porto continha o que podia. Mesmo antes do golo dos dragões, o Bodo/Glimt já tinha conseguido situações de finalização por intermédio de Isak Maatta, de Kasper Hogh e, a mais óbvia, de Ulrik Saltnes. Se Diogo Costa tinha que se expor aos ressaltos da bola no corpo, o seu homólogo Nikita Haikin, jogador que acumula a nacionalidade russa e israelita e que passou pela formação do Nacional da Madeira, poupava-se mais. João Mário e Gonçalo Borges despejaram a bola na bancada.

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Vítor Bruno utilizou a expulsão de Isak Maatta – viu o segundo amarelo por simulação – como oportunidade para lançar Pepê e Galeno. Como resposta, já com o Bodo/Glimt em inferioridade numérica, Jens Petter Hauge patenteou este jogo ao bisar e fazer o 3-1. Mais uma vez, a abordagem ultra-ofensiva de Vítor Bruno levou a que o extremo do emblema nórdico encarasse Zé Pedro, exposto pela ausência de João Mário.

A entrada de Galeno causava alguma expectativa, mas o efeito imaginado para a substituição foi amarrado por novo golo sofrido. Num ato de alguma descrença, Deniz Gül e Rodrigo Mora estrearam-se na equipa principal. O FC Porto esteve mais perto de ver Jens Petter Hauge completar o hat-trick do que de reverter do cenário mesmo que Gül ainda tenha reduzido em cima dos 90’.

A visita ao Círculo Polar Ártico encravou o fluxo de pensamento do FC Porto que somou a segunda derrota da temporada. Nas legítimas ambições que os dragões têm de chegar longe na Liga Europa, a Noruega era um check point que convinha ter dado uma vitória à equipa portuguesa. Pelo contrário, mostrou alguma meninez num grupo em autoconhecimento. Desta vez, Vítor Bruno foi apanhado com os calções na mão.