Com os pés na areia, regressada ao palanque da competição para uma entrevista rápida, Yolanda Hopkins desconhecia a sina que o contorcionismo dos duelos no mar lhe daria quando, sorridente de uma orelha à outra, disse, após ganhar nos quartos de final do Saquarema Pro, que faltavam “dois heats”. A algarvia de nascença estava descontraída, falava com defesas em baixo, tinha a prioridade em “desfrutar”. Uma hora volvida, a eliminação de duas surfistas fez as palavras ditas pela portuguesa pela manhã envelhecessem sem essa ligeireza quando, ao início da tarde, voltou à água salgada.

A sua meia-final, na prática, virara uma final. Preso a uma âncora cheia de significado, o heat contra Vahine Fierro era uma disputa pelo acesso ao Championship Tour (CT) para ambas as surfistas, as únicas em prova ainda com hipótese de chegarem ao mais restrito dos circuitos, onde habitam as melhores. Quem vencesse, mais do que poder surfar pela vitória na última etapa do Challenger Series (CS), ficaria com a derradeira vaga disponível para entrar no circuito mundial de surf. De repente, não era só mais um heat, mas uma contenda fundeada na história.

Como na bateria anterior, Yolanda Hopkins começou frenética, logo a atacar e a primeira a registar pontos, uma presença loira e de licra amarela a querer ser madrugadora na vantagem. Cedo a dianteira se pôs com a portuguesa, as suas duas melhores ondas seriam as primeiras, mas, assim que Fierro se sintonizou com as ondas molengonas, lentas a abrirem a goela, a francesa de passaporte que veio ao mundo no Taiti relegou a portuguesa ao papel de perseguidora.

À terceira onda surfada, Vahine Fierro agarrou-se à liderança e Yolanda, uma maquinaria habituada a agir, teve de reagir à obrigatoriedade de caçar, ser ela a ir atrás num mar a mirrar em ondas. A portuguesa ainda remou para quatro, todas pobres em qualidade, tanto as suas como as da natural da Polinésia Francesa ficariam na casa do razoável ou medíocre, nem a presa ou a caçadora capazes de agilizar as linhas que desenhavam na água com a prancha. Ambas lentas nas rasgadas, por vezes quase a tombarem pela falta de velocidade na onda, Fierro adaptou-se melhor às circunstâncias.

Yolanda sairia do mar com o relógio ainda a matutar, o seu tique-taque quase com meio minuto de vida e a portuguesa, carinhosamente alcunhada de “yo-yo” pelo inglês dos comentadores da World Surf League, já a embrulhar o leash que lhe ligava o tornozelo à prancha. Faltou-lhe uma onda de 6.24 pontos que roubasse a festa à adversária: pela primeira vez, Vahine Fierro irá surfar no CT, estreia que Hopkins terá de voltar a perseguir em 2025 na sua íngreme ascensão aquática.

Por ter sido campeã europeia o ano passado, Yolanda teve direito a preencher este como residente do CS, circuito de qualificação onde vai terminar a época no 6.º lugar do ranking, a inspirar de tão perto a fragrância do CT, o seu nariz infestado dessa possibilidade. Sem ter logrado dar a Portugal a primeira mulher a surfar no circuito mundial, a sensação de quase tocar no feito não é inédita: em dezembro de 2022, na final da derradeira etapa do CS, no Havai, o 1.º lugar de Sophie McCulloch emparelhado com o 3.º de Teresa Bonvalot condenou-as a fecharem o ano com os mesmos pontos na hierarquia. Por ter vencido menos heats durante a temporada, a portuguesa viu a australiana subir na vida.

Daniel Smorigo/WSL

Experiente em ficar por um triz, Teresa perdeu nos quartos de final de Saquarema com quem, sem o mar magicar a mesma onda duas vezes, também já conhece, à sua maneira, a tradução para a realidade do lugar-comum de morrer na praia. Longe estão os dias em que Yolanda Hopkins tinha de se desdobrar em campanhas de crowd funding que angariassem dinheiro para ir a provas fora de Portugal, ou desabafava sobre as suas carestias com turistas que pernoitavam na escola de surf do seu treinador e, do nada, uma delas se oferecia para lhe pagar uma viagem aos EUA, onde queria ir competir.

Yolanda já tem autocolantes na prancha de patrocinadores, essa preocupação da vida deixou de lhe querer amarelar o sorriso. Na cabeça dela, é a melhor surfista do mundo - a confissão é da própria. Por muito pouco, coisa de 6 pontos, que a sediada em Sines não fez a tricefalia do surf português, vidrado em Cascais, Ericeira e Peniche, celebrar a ter a sua primeira mulher garantida entre a elite.

A existência de Yolanda Hopkins no surf não se assemelha a um iô-iô. A filha de um português e de uma britânica parece desenhar, cada vez mais, uma subida em linha reta nas ondas.