
"O principal desafio para 2023 é a construção de políticas e regras que sinalizem o controlo do endividamento público. Esse ponto é essencial porque nesse momento a economia brasileira opera com taxas de juros acima daquele patamar neutro, aquele patamar que mantém a economia crescendo no seu potencial. O Brasil está com uma taxa de juros elevada para controlar o quadro inflacionário e essa taxa de juros pode permanecer elevada a depender da solução que esse Governo eleito vai dar o problema fiscal", explicou Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, citando os juros básicos do Brasil atualmente em 13,75%, a segunda maior taxa nominal de juros entre as 20 maiores economias do mundo.
"O principal desafio para evitar um quadro de desaceleração ainda mais forte, a expectativa é de uma desaceleração [da economia brasileira] para o ano de 2023, por conta da política monetária mais apertada é o encaminhamento da nova regra fiscal e um conjunto de decisões que sinalizem que haverá um controlo do endividamento. Este me parece ser o principal desafio que o Governo vai precisar enfrentar em 2023", acrescentou.
Nelson Marconi, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também considerou que as soluções encaminhadas pelo futuro Governo brasileiro para resolver os problemas fiscais serão um grande desafio da equipa económica de Lula da Silva em 2023, quando o líder progressista assumirá seu terceiro mandato presidencial no país.
"Nesse primeiro momento as medidas mais importantes estão relacionadas à questão fiscal. É importante realmente que o Governo encaminhe uma reforma tributária e um novo regime fiscal para que ele consiga recuperar a capacidade de financiar programas sociais e políticas públicas de investimentos sem pressionar a dívida pública fortemente no médio e longo prazo, fazendo com que essa reforma fiscal e tributária possa também criar um horizonte, uma trajetória de dívida pública estável no médio longo prazo", ponderou.
"É um ano ainda de ajustes, de reforma tributária e reforma fiscal. Então não devemos ter um crescimento tão significativo da economia nesse primeiro ano. Pode ser muito parecido com o que ocorreu nesse ano [2022] (...) Deve ser um ano mais de ajuste também em função do cenário mundial", acrescentou Marconi.
Cortez e Marconi consideram que o novo Governo brasileiro ainda não deu sinais claros sobre quais serão suas estratégias para tratar os desafios fiscais do país, que acumula défices sucessivos e uma preocupante deterioração das contas públicas a partir de 2013.
Em 2016, o país sul-americano adotou uma regra fiscal rígida que criou um teto de gastos que não lhe permite elevar as despesas do Governo, apenas fazer a correção da inflação registada no ano anterior, para controlar o endividamento interno, mas esta regra está a ser desrespeitada desde 2019 e deverá ser substituída no próximo ano.
Marconi lembrou que a economia mundial em 2023 será afetada pelo avanço na covid-19 na China e pela inflação global, problemas que terão um impacto desfavorável para o Brasil.
"Dada a conjuntura mundial mais do que nunca o investimento local e principalmente [o investimento] em infraestrutura, em energia, por exemplo, serão oportunidades que não podemos desperdiçar, mas para isso o Governo precisa estruturar a questão tributária, fiscal e um programa adequado de concessões de parcerias público privadas. Mais do que nunca isso vai ser importante porque realmente o cenário mundial não vai nos ajudar", avaliou.
Cortez também salientou que há um cenário de desaceleração económica no mundo e mesmo na projeção mais ambiciosa, mais otimista que se tenha para a economia brasileira em 2023 há uma avaliação de que ela crescerá menos do que em 2022 em razão da política monetária mais apertada no plano doméstico e no plano internacional.
A expectativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia global passou de 3,2%, neste ano, para 2,7%, em 2023.
As projeções dos especialistas do mercado financeiro brasileiro consultados pelo Banco Central na última semana apontaram que o Produto Interno do Brasil (PIB) do país crescerá 3,04% em 2022 e 0,79% em 2023.
"Acho que é possível um cenário de um crescimento baixo para o Brasil, mas 2023 será de facto um ano de transição. A economia brasileira pós-pandemia foi uma economia que cresceu em parte por conta de ociosidade. A pandemia gerou bastante ociosidade. O Brasil cresceu recuperando essa ociosidade e cresceu com base em estímulos de demanda", frisou o sócio da Tendências Consultoria.
Cortez acrescentou que a economia brasileira que precisa caminhar para uma reconstrução e que 2023 será um ano em que "a principal marca dessa reconstrução será a política fiscal (...) Sem essa âncora fiscal a gente pode ter um quadro de recessão, num cenário pessimista, porque a política monetária vai responder a essas insuficiências no plano fiscal."
Já o professor da FGV reforçou que o Brasil também deve aprovar uma reforma tributária adequada para recuperar a capacidade de fazer investimentos e conter o desaquecimento da economia global e local.
"A reforma tributária é essencial nesse processo, tanto para desafogar o setor privado como para mudar essa relação entre tributação do setor produtivo e a renda (...) Não acho que será um ano de crescimento forte da economia [do Brasil]. É um ano de ajustes, de reforma fiscal, tributária e não devemos ter um crescimento tão significativo neste primeiro ano [do Governo Lula da Silva]", concluiu Marconi.
CYR // PJA
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