Donald Trump está de volta ao palco da economia global e trouxe com ele a sua palavra preferida do dicionário: tarifas. Num mundo onde a política e a economia andam de mãos dadas, é essencial compreender os efeitos destas medidas e como influenciam tudo, desde os preços no supermercado e no posto de abastecimento até ao equilíbrio de poder entre as grandes nações.

O primeiro impacto: o óbvio e o inevitável

As tarifas são, no fundo, impostos sobre importações. E como qualquer imposto, têm consequências:

  1. Geram receita para o país que as impõe – são pagas, direta ou indiretamente, tanto pelos produtores estrangeiros como pelos consumidores domésticos, dependendo da elasticidade da procura e da oferta.
  2. Criam ineficiências na produção global – ao introduzirem barreiras ao comércio livre, distorcem as vantagens comparativas e tornam a economia mundial menos eficiente. Algo que, de certo modo, remete para “The Wall”, dos Pink Floyd – estamos a erguer fronteiras onde antes havia fluidez e harmonia. Em vez de compor, estamos a desafinar a sinfonia global.
  3. São inflacionárias para os importadores e deflacionárias para os exportadores – o país que impõe tarifas vê os preços subirem porque as importações ficam mais caras, enquanto o país que é alvo das tarifas tende a sofrer deflação porque enfrenta uma menor procura pelos seus produtos.
  4. Protegem a indústria nacional, mas às custas da eficiência – ao limitarem a concorrência internacional, reduzem a pressão competitiva que normalmente impulsiona a inovação, a produtividade e a otimização de custos.
  5. Tornam-se essenciais em tempos de conflito – assegurar a segurança da capacidade produtiva interna é uma prioridade estratégica quando a tensão geopolítica sobe de tom.
  6. Ajudam a equilibrar contas externas – reduzem tanto a dependência de produtos estrangeiros (menos importações) como a necessidade de financiamento externo (menos necessidade de capital estrangeiro).

À primeira vista, tudo isto parece um romance. Mas a realidade da economia global não se resume ao primeiro impacto. A terceira lei de Newton ensina-nos que, para cada ação, há uma reação de igual intensidade e em sentido oposto – e, na economia internacional, não é diferente. Cada movimento gera reações em cadeia, e é aqui que o cenário se torna verdadeiramente interessante.

O segundo impacto: o xadrez das respostas

As tarifas não existem no éter. Elas desencadeiam uma série de ajustes nas políticas económicas e correções nos mercados internacionais:

  1. Se o país afetado retaliar com tarifas próprias, temos um cenário clássico de estagflação global – menos comércio, menos eficiência e mais inflação.
  2. Se os bancos centrais ajustarem a política monetária, iremos assistir a efeitos nos juros e nas taxas de câmbio – países que sofrem deflação tendem a cortar juros e a desvalorizar a moeda, enquanto os que enfrentam inflação adotam medidas contrárias.
  3. Se os governos ajustarem a política fiscal, o impacto pode ser atenuado ou amplificado – aumentar a despesa pública em setores da economia que estão a enfraquecer pode compensar parte do impacto negativo das tarifas, enquanto uma política fiscal mais restritiva, em países com inflação, pode ajudar a controlar a subida dos preços.

Ou seja, existem muitas variáveis a considerar e várias formas de resposta. No entanto, o pano de fundo desta dinâmica é um problema mais profundo: os desequilíbrios da economia global atingiram um ponto insustentável.

O problema de fundo: O mundo está cheio de dívida e desequilíbrios

As últimas décadas foram marcadas por crescimento económico, impulsionado por dívida e défices comerciais. Os EUA beneficiaram da sua posição privilegiada como emissores da moeda de reserva global, o que lhes permitiu financiar défices colossais sem grandes consequências imediatas. Contudo, este privilégio, como qualquer crédito ilimitado, tende a ser abusado — e a fatura começa agora a chegar à Casa Branca.

As tarifas e outras medidas protecionistas são uma manifestação dessa necessidade urgente de ajuste. Porém, a questão maior é: como reduzir estes desequilíbrios sem provocar um colapso global? O processo não será suave e poderá incluir medidas radicais, tais como:

  • Acordos estratégicos entre grandes potências, como um entendimento entre os EUA e a China para ajustar as taxas de câmbio, podendo incluir uma valorização do yuan. Tal medida seria uma tentativa de corrigir os desequilíbrios comerciais e financeiros globais, enquanto reduziria as tensões geradas pela guerra comercial e pelas acusações mútuas de manipulação cambial.
  • Reformas estruturais nos mercados de capitais, com o objetivo de restaurar a confiança dos investidores. A União Europeia, por exemplo, tem procurado reforçar a regulamentação financeira desde a crise de 2008, com iniciativas como a MiFID II, que visa aumentar a transparência nas negociações financeiras.
  • Medidas extraordinárias para lidar com o excesso de dívida. Não será de estranhar se começarmos a ouvir falar de “reestruturações amigáveis” ou de “soluções criativas” para aliviar a carga de certos países e empresas. Um exemplo claro é a reestruturação da dívida da Grécia após a crise da zona euro: os credores, incluindo a União Europeia, aceitaram uma redução do montante e um alívio das condições, o que permitiu à Grécia evitar um colapso financeiro imediato.

O futuro da economia global dependerá, sobretudo, da confiança na qualidade dos mercados de dívida e de capitais como reserva segura de riqueza, dos níveis de produtividade dos países e da solidez dos seus sistemas políticos — que tornam as nações atrativas para viver, trabalhar e investir. Países que souberem criar um ambiente estável e favorável ao investimento e ao crescimento estarão em vantagem estratégica, enquanto aqueles que se virem imersos em crises políticas e incertezas económicas verão, inevitavelmente, a sua posição global enfraquecida.

Portugal e a necessidade de estabilidade política

Os Estados Unidos consolidaram-se, em 2024, como o quarto maior destino das exportações portuguesas. De acordo com dados da AICEP, as vendas de bens e serviços para o mercado norte-americano ascenderam a 5.318,3 milhões de euros – um crescimento de 1,5% face a 2023. As importações aumentaram 7,3%, atingindo os 2.416 milhões de euros, o que resultou num saldo comercial positivo de 2.902,3 milhões de euros a favor de Portugal. A base exportadora nacional também ganhou tração: o número de empresas portuguesas com presença nos EUA subiu para 4.231 em 2023, face a 4.012 em 2022 e 3.662 em 2019 — um sinal claro de maior exposição e presença no mercado americano.

Estes números reforçam a relevância estratégica do eixo transatlântico para a economia nacional, mas também deixam um aviso: num contexto global de elevada competitividade e riscos geopolíticos emergentes, garantir a estabilidade política interna é condição essencial para manter o momentum, continuar a atrair capital e assegurar a confiança dos mercados.

O país deve adotar soluções criativas e proativas para apoiar os setores mais expostos a tarifas, garantindo que, quando estas impactarem a sua competitividade, o Estado possa intervir de forma ágil e eficaz. A responsabilidade política exige que os partidos encontrem pontos de convergência para celebrar acordos de Estado extraordinários, capazes de responder a desafios igualmente extraordinários. A construção de um consenso baseado em interesses nacionais, e não partidários, é essencial para garantir políticas económicas estáveis e duradouras. Sem esse entendimento, Portugal arrisca-se não apenas a perder parte das suas vantagens competitivas, mas também a ficar à mercê das turbulências económicas globais.