
Para Gonçalo Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, nenhuma sociedade pode progredir, das pessoas à economia, descurando o importante papel que a ciência e a tecnologia têm para o desenvolvimento.
Desde o prémio Nobel a Egas Moniz, em 1949, à entrada na CEE, até à criação do primeiro Ministério da Ciência em Tecnologia, em 1995, o país mudou bastante.
Mudou na forma e também no conteúdo com mais financiamento.
O aumento foi muito significativo. Como vemos no gráfico, em percentagem do PIB, passamos de cerca de 0,3%, em 1982, para 1,7%, em 2023. Traduz-se em cerca de 4,5 mil milhões de euros neste último ano.
Não obstante, na última década, o investimento tem estagnado. Apesar de tal não constar deste gráfico, espera-se que o investimento na ciência aumente nos próximos anos também por causa do PRR.
Portugal está longe da média europeia
Na comparação com a União Europeia, não estamos bem posicionados.
Ainda estamos longe da média da UE, que era de 2,2% em 2023. A própria UE como um todo fica atrás do objetivo que definiu para si própria. Globalmente, está longe do objetivo definido pela Comissão Europeia que é de 3% do PIB investido nesta área.
Há países na Europa que estão bem posicionados. Exemplos disso são a Suécia, a Bélgica, a Áustria e a Alemanha que já superaram a meta de 3%.
Bem lá na cauda encontramos Chipre, Malta e Roménia, com Portugal a figurar mais ou menos a meio da tabela.
UE, EUA e China: discrepância é dramática
Neste momento, o bloco europeu corre atrás dos EUA, que já investem 3,5% do PIB, e mesmo da China que gasta 2,4% do seu produto interno bruto em ciência e tecnologia. Esta discrepância é dramática em algumas áreas absolutamente definidoras do presente e do futuro. As gigantes tecnológicas, por exemplo, não são europeias.
De qualquer forma, falamos de 4,5 mil milhões de euros. Como é que avaliamos o impacto deste investimento em ciência e de que forma podemos medir a produção científica que é feita em Portugal?
Desde logo, olhando para o número de publicações científicas, como vemos na linha azul do gráfico, os últimos números indicam-nos mais de 30 mil artigos científicos, em 2022.
Mas publicar não basta, é preciso que a investigação publicada tenha impacto, ou seja, que influencie outros investigadores.
O número de citações de uma publicação, isto é, o número de outros artigos científicos que lhe fazem referência, é uma medida do seu impacto. Na linha a vermelho vemos o número de artigos ou livros científicos com, pelo menos, uma citação. Entre 1981 e 2022, o número de publicações científicas citadas multiplicou cerca de 80 vezes.
De notar que o ligeiro decréscimo que vemos no último ano provavelmente se traduz num decréscimo real, já que pode demorar algum tempo até que as publicações mais recentes sejam citadas.
Quer dizer que também temos mais pessoas a investigar e a desenvolver ciência e tecnologia, em Portugal. Estamos a falar de quantas pessoas?
Mais de 62 mil investigadores
Com o aumento do financiamento da ciência, o número de investigadores aumentou muito - de cerca de 4 mil, em 1982, para mais de 62 mil, em 2023.
Os investigadores/profissionais de I&D a trabalhar em empresas são hoje quase tantos como os que desenvolvem a sua atividade no Ensino Superior.
Como já vimos, com a adesão à CEE, os investigadores portugueses passaram a participar mais nas redes de colaboração europeias, adotando gradualmente os padrões de exigência internacionais.
O maior impacto da produção científica em Portugal tornou os investigadores portugueses mais capazes de ganhar financiamentos competitivos a nível europeu.
Temos conseguido aceder ao financiamento europeu?
Sim. Não obstante, menos do que seria desejável. Olhemos para as bolsas do ERC, a título de exemplo. Estas bolsas, criadas pela União Europeia, são uma espécie de liga dos campeões da ciência, financiando projetos disruptivos, até 3,5 milhões de euros, por períodos de cinco anos.
Desde o início das bolsas do ERC, 187 projetos vencedores trouxeram 293 milhões de euros para as instituições portuguesas.
De um modo geral – e não apenas o ERC, que aqui é dado como exemplo – o financiamento europeu tem ganho peso no financiamento das instituições portuguesas. Mas apenas uma minoria de 36 instituições portuguesas têm ou tiveram bolsas ERC. Isso significa que nem todo o sistema científico e tecnológico nacional está na “primeira liga”, já que há mais de 300 unidades de investigação em Portugal.
Qual é a nossa taxa de sucesso nas candidaturas a estas bolsas e como nos comparamos com outros países?
Em 2023, a taxa de sucesso das candidaturas portuguesas ao ERC foi de 11%, estando ainda na cauda dos países europeus. Espanha teve uma taxa de sucesso de 16%, França de 21% e os Países Baixos de 25%.
Apesar da evolução, há ainda muito caminho a percorrer para que a ciência em Portugal atinja níveis de competitividade de outros países europeus.
As bolsas do ERC não são bolsas de iniciação à investigação científica, elas visam financiar líderes de investigação, com provas dadas de autonomia científica.
Para ter candidatos capazes de ganhá-las é preciso um investimento prévio. Para ganhar mais dinheiro europeu é necessário mais dinheiro nacional. É como na liga dos campeões no futebol: para ganhar é preciso investir.
Investimento é a palavra-chave e ele não cabe apenas ao Estado. Qual tem sido o papel do setor privado?
Os dois setores que mais investem em I&D são as empresas e o ensino superior, muito em linha com o que vemos no resto da União Europeia.
Apesar de ter quadruplicado nas duas últimas décadas, o peso das Instituições privadas sem fins lucrativos mantém-se residual.
Há um setor – Estado – que tem baixado a sua representatividade. O número de Laboratórios do Estado foi reduzido, passando de 11 para 8, no âmbito de uma reforma iniciada em 2006.
De facto, desde 2001, as empresas portuguesas são quem mais investe em ciência e tecnologia em Portugal. A partir de 2015, notou-se um aumento significativo desse investimento. Significa que há também uma diversificação do tipo de investigação feita, já que a investigação nas empresas visa criar produtos, serviços ou processos.
Em que áreas é que as empresas têm apostado?
A investigação em meio académico é essencialmente de tipo aplicado e fundamental. Este último significa, no fundo, que se procura obter novo conhecimento.
Nas empresas, pelo contrário, só 3% da despesa em investigação é direcionada para este tipo de investigação. As empresas focam-se sobretudo no desenvolvimento experimental e na investigação aplicada. A investigação é mais na engenharia ou na medicina, por exemplo?
Em termos de áreas de investigação e desenvolvimento, destacam-se a engenharia e tecnologia e, em segundo lugar, as ciências naturais e exatas.
Esta aposta alinha-se com o principal objetivo da atividade das empresas neste âmbito: a promoção da produtividade e das tecnologias industriais.
Quais têm sido os resultados desta aposta em termos de inovação das empresas, nomeadamente dos seus produtos e do seu posicionamento no mercado?
Apesar do investimento das empresas, Portugal ainda está muito atrás da média europeia no número de patentes pedidas.
Uma patente é um tipo de propriedade intelectual que dá ao seu dono o direito exclusivo de explorar os proventos de uma invenção durante um certo período. Muitas patentes resultam de investigação científica aplicada, feita nas empresas, universidades ou no âmbito de colaborações entre a academia e a indústria.
Neste aspecto, estamos particularmente atrasados. Em 2023, o número de pedidos de patente em Portugal foi de 31 por 1 milhão de habitantes, muito longe dos cerca de 153 da média europeia (EU27). Já para não falar de países como o Luxemburgo ou a Suécia.
As consequências de um baixo nível de inovação nas empresas portuguesas são, desde logo, uma mais baixa competitividade e produtividade da nossa economia face às demais.
Como é que se explica este fenómeno?
Há várias razões.
Por um lado, há uma lacuna nas estruturas das universidades no sentido de apoiar a gestão da propriedade intelectual. Faltam profissionais que façam a ponte entre as universidades e as empresas, faltam apoios financeiros para a submissão de patentes, mas também quem nas universidades tenha o know-how necessário para preparar estes pedidos e os submeter.
Por outro lado, a investigação que é feita nas empresas é pouco qualificada. Segundo o Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico de 2023, apenas 5% do pessoal de I&D nas empresas é doutorado. Trata-se de cerca de 2000 doutorados.
Em contraste, 12% desse pessoal tem o ensino básico, secundário ou pós-secundário não superior. De facto, a maior parte dos doutorados em Portugal continua empregado no Ensino Superior.
Em suma, é preciso mais investimento, mas é igualmente importante criar sinergias entre a academia e a indústria para que Portugal melhore o seu posicionamento face ao resto da Europa.